18.8.05

Os teóricos mudos

Caio

A construção da teoria da formação dos agrupamentos de esquerda no planeta sempre se conceberam, e assim não poderia ser diferente, da valorização da sabedoria popular, tida como força motriz de qualquer revolução que se pretenda fazer. A valorização do senso comum e o entender das idéias como concepções partilhadas das pessoas a respeito de qualquer fatos em contraposição e intelectualmente superior ao que a sociedade civil constituída _formadores de opinião, acadêmicos, profissionais liberais_ pensa foi, para situarmos a questão ao Brasil, um dos pilares da formação do Partido dos Trabalhadores em 1980. Em oposição, a idéia de que o senso comum é um saber, e não uma falsa consciência, sempre encontrou resistências nas classes mais altas do país. Sempre foi difícil imaginar que um peão, sujo e ignorante, possa saber tanto ou mais do que o grupo dos com-universidade, já que ele, não teve à sua frente livros e ensino de qualidade que os outros tiveram e, assim, tornou-se incapaz de fazer análises inteligentes sobre os mais diversos aspectos da vida, quiçá, sua própria condição de sujo e ignorante.

Nesta semana, porém, assistimos à manifestações públicas que desmascaram tanto um quanto outro argumento e que revelam que aquilo que buscamos todos, é poder e conforto. Na terça, a linha chapa branca das históricas entidades de classe representativas _UNE e CUT_ atacou a corrupção, mas não o governo. Como se uma não se relacionasse com o outro. Demonstraram, além da cegueira, o que querem. Preservar um governo que enfim lhes dão cargos no alto escalão e dinheiro todo mês. Poder, pois. Com amparo no PT e no PC do B, partidos dos quais a maioria dos seus integrantes fazem parte. No dia seguinte foi a vez dos excluídos deste governo protestarem. E mais partidos por trás, desta vez, o PSTU e o PSOL, em plena campanha. Não que protestos não devam ser feitos, muito ao contrário, devem ser incentivados. Mas parece claro que em meio a uma crise gigantesca como tal todos querem tirar sua lasca e nessas situações a sabedoria popular tão proclamada no momento de formação desses agrupamentos se esvai e se transforma em massa de manobra em nome de um projeto de poder. Falta credibilidade à UNE e a CUT defender um governo que as sustenta na mesma proporção que falta credibilidade ao PSTU e ao PSOL combaterem um governo e defenderem um golpe branco, no caso, a antecipação das eleições.

Os mesmos teóricos que elevaram a sabedoria popular como ponto central de qualquer projeto revolucionário de poder também firmaram em suas teses a figura do filósofo espontâneo, que seria o intelectual orgânico que soubesse bem captar o fluxo de idéias que corre no andar de baixo das sociedades e se transformar na voz desses milhões, a partir de suas ricas experiências pessoais. Dois exemplos cabem aqui. O primeiro, da ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher. Ao iniciar as reformas estruturais que fez na economia de seu país, como a privatização de estatais e a austeridade fiscal, foi duramente criticada pelos desenvolvimentistas que sempre acreditaram que o limite de gastos dos Estados deveria sempre ser aproveitado. Como filha do dono de uma marcenaria, passou a infância na venda do pai e, com base nisso, respondeu ao manifesto que mais de 300 economistas fizeram contra ela: o Estado é como uma loja, a receita deve bater com a despesa e não de pode gastar mais do que tem. O outro filósofo espontâneo que retrata essas teorias é o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. Na greve geral de 1979, que o consolidou como figura do cenário nacional, defendeu já a ação ilegal quando a legalidade impedia a ação. Válida ou não, a partir desse preceito Lula sacudiu o então agonizante regime militar.

Se a esquerda tanto se vincula a sabedoria popular e aos líderes que saibam a conduzir, o momento de crise por que passa o país cabe a reflexão de ao menos tornar esses pilares mais transparentes e flexíveis. Assumir o desejo do poder é característica que poucos se deixam transparecer. Vincular esse desejo ao comando de manifestações, idem. Quanto ao líder, é preciso reconhecer que a beleza e a graça do filósofo espontâneo se limita ao momento em que este e sua turma se aproximam do poder, seja de um sindicato, de um partido, ou de uma República. Mas para que esse reconhecimento seja efetivado, é preciso que ele venha de cima para baixo, a partir do próprio líder, que, intelectual espontâneo que é, captaria esse anseio daqueles que os representam e em seqüência a isso tenta conciliar a práxis com o discurso que ouve. Lula está hoje neste limiar. Ou escuta ou se tornará o Lech Walesa tapuia. Leva a vantagem de poder ver o pífio fim que levou o operário polonês depois de um governo desastroso que frustrou esperanças dos poloneses. Resta ver se será capaz de evitar as coincidências que rumam para desenhar a história.