14.11.08

Isolado, De Sanctis vive contagem regressiva

Caio Junqueira, Valor Econômico, 14/11/2008
De São Paulo

Depois da queda do delegado federal Protógenes Queiroz, colocado no ostracismo por sua atuação na Operação Satiagraha, instaurou-se a contagem regressiva para que a próxima vítima saia de cena: o juiz Fausto Martin De Sanctis.Isolado, com apoio contido das entidades de sua classe e sem manifestações favoráveis de lideranças políticas de peso, a aposta é que seu afastamento do caso, ou até mesmo do cargo, seja uma questão de tempo. E a forma como isso ocorrerá já está posta na mesa e envolve uma combinação de instrumentos jurídicos e políticos.

A principal delas é o julgamento do pedido de suspeição feito pela defesa do banqueiro Daniel Dantas e que tem previsão de ser julgado na segunda-feira pelo Tribunal Regional Federal (TRF). Embora a tendência nesses casos seja de improcedência do pedido, a situação de De Sanctis se complica pois o tribunal está em processo eleitoral em que dois grupos lutam pelo seu controle: o da desembargadora federal Suzana Camargo, atual vice-presidente, e o da atual presidente, desembargadora Marli Ferreira. Suzana, favorita para as eleições que ocorrem em abril, é ligada ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. Foi ela que o advertiu de que seu gabinete poderia estar sendo monitorado por ordem de De Sanctis. O afastamento do juiz do caso poderia consolidar o apoio do STF a sua eleição.

De Sanctis se fragiliza ainda mais pelo fato de ter um posicionamento interno independente em relação a esses grupos. Isso explica o fato de até hoje não ter se tornado desembargador, apesar de ser o segundo no critério de antiguidade entre os juízes federais da Terceira Região (SP e MS): tem 17 anos de magistratura. A relatora do pedido de suspeição é a desembargadora Ramza Tartuce, que já se manifestou favoravelmente ao juiz. Ainda faltam os votos dos desembargadores Peixoto Júnior e André Nekatschalow. No julgamento do habeas corpus de Dantas, Peixoto foi o único entre os três que optou pela soltura do banqueiro. Sendo recusada a suspeição, viria o grande trunfo da defesa de Dantas: um recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou até mesmo ao STF, onde a expectativa é de que seja plenamente acolhido. O efeito imediato disso seria a anulação de todos os atos decisórios do juiz no processo, que voltaria, portanto, à estaca zero, e sem o juiz Fausto De Sanctis na sua condução.

Outra possibilidade seria afastar o juiz do cargo, via Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também presidido por Gilmar Mendes. Na decisão do dia 6 de novembro em que o plenário do STF, por 9 x 1, confirmou a liminar dada por Mendes para libertar Dantas, foi sugerido que o Supremo determinasse ao CNJ que fosse apurada a conduta do juiz no caso, o que, segundo a assessoria do STF, ainda não foi feito.

Dentro do CNJ, há dúvidas sobre o resultado de um eventual julgamento do juiz a partir de uma determinação do STF. Em primeiro lugar porque quem avaliaria uma possível representação seria o corregedor Gilson Dipp, ministro do STJ e um dos principais responsáveis pela criação das varas especializadas de combate à lavagem de dinheiro no Brasil, em uma das quais De Sanctis atua há anos. Eles têm um bom relacionamento.

Todavia, se Dipp determinar que a representação seja encaminhada ao plenário do CNJ, o resultado é duvidoso, na medida em que os 14 conselheiros provêem de diferentes instituições. Há juízes, desembargadores, ministros de tribunais, representantes da Câmara, do Senado e do Ministério Público. Em caso de empate em sete a sete, Gilmar Mendes daria o voto de Minerva.Outra forma seria uma intervenção branca pela concessão de uma liminar em um dos 29 habeas corpus, e dois mandados de segurança apresentados no processo da Satiagraha nos tribunais diretamente superiores à vara judicial em que trabalha De Sanctis. Uma liminar poderia suspender o andamento do processo até julgamento do mérito dessas medidas. Tendo em vista a lentidão da Justiça e o alto interesse público e complexidade do caso, o processo praticamente pararia.

Por ora, em âmbito policial a operação continua nas mãos do delegado federal Ricardo Saadi, que já elaborou um relatório parcial, ainda sigiloso, incriminando Dantas por lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta. O Ministério Público, entretanto, avaliou ser mais conveniente que seja dado mais tempo à investigação para elaborar um relatório consistente e que não levante dúvidas como o apresentado por Protógenes em julho.

Assim, a falada “segunda fase” da Satiagraha, na qual o Ministério Público denunciaria Dantas por crimes financeiros, não ocorreria em curto prazo. Diferentemente da “primeira fase”, na qual a sentença por corrupção contra Dantas, Hugo Chicaroni e Humberto Braz deve ser proferida a partir de quarta-feira, data em que está agendada a última audiência do caso. É por este motivo que nos últimos dias se intensificaram as críticas contra De Sanctis.

Como a condenação de Dantas e dos outros réus no processo por corrupção é dada como certa, a defesa deles se apressa em afastá-lo do julgamento e a enxurrada de recursos e desqualificação pessoal e profissional é considerada uma estratégia que, aliás, já obteve sucesso em outra ocasião.

Foi o que ocorreu com a juíza Márcia Cunha, da 2 Vara Empresarial da Justiça do Rio, autora da decisão que afastou o Opportunity do controle da Brasil Telecom, em maio de 2005. Dantas tentou anular a decisão da juíza em favor dos fundos também por meio da argüição de sua parcialidade. E conseguiu. Na decisão de suspeição (o primeiro a se manifestar em um pedido de suspeição é o próprio juiz acusado), Márcia Cunha alegou “não ter força para enfrentar o poder econômico” do Opportunity e que desde que proferira a sentença havia “sofrido toda a sorte de infortúnios”, como rumores de que seria corrupta e que teria recebido recursos dos fundos para redigir a sentença, além de intimidações e ameaças.

A tentativa de obtenção de liminares para travar o processo também foi utilizada. Um inquérito da Polícia Federal em andamento no Rio de Janeiro investiga três ações populares promovidas em três diferentes Estados onde juízes que não acompanhavam o caso concederam liminares que impediam a realização de assembléias que, depois da decisão da juíza, substituiriam os representantes do Opportunity da Brasil Telecom. A perícia identificou que as ações, embora iniciadas em diferentes locais, tinham a mesma origem.

O advogado de Dantas, Nélio Machado, afirmou ao Valor que De Sanctis é suspeito para julgar seu cliente por estar altamente envolvido com a causa e que todos os episódios do caso Satiagraha demonstram ilegalidades de que o banqueiro foi vítima. Ele disse também que apresentou uma queixa-crime contra a juíza Márcia Cunha, que foi arquivada pelo Tribunal de Justiça do Rio, apesar de, segundo ele, peritos terem levantado indícios de que não fora ela quem redigira a decisão que afastou Dantas dos fundos. Sobre o inquérito referente às ações populares, ele disse desconhecer o envolvimento de seu cliente no caso.