24.8.10

Máquinas de governo e famílias puxam voto para PT e PMDB

Caio Junqueira, Valor Econômico, de Brasília, 24/08/2010

Uma espécie de "empate técnico" entre PT e PMDB para as vagas na Câmara dos Deputados deve deixar em dúvida, até a abertura das urnas, qual partido irá largar na frente na intrincada divisão de poder que os dois partidos farão em um eventual governo de Dilma Rousseff (PT).

O mapa dos partidos obtido pelo Valor para a eleição de deputados federais aponta que os pemedebistas elegerão 99 deputados, contra 98 dos petistas. Nesse cenário, o partido do vice de Dilma, Michel Temer (PMDB), tem uma vantagem que, embora estreita, confere-lhe maiores direitos. Um deles, imediato, é a preferência na escolha dos principais cargos diretivos da Casa. Outro, não menos importante, é que o número de eleitos também é o primeiro critério a se verificar na divisão dos cargos nos ministérios e nas estatais, do primeiro ao terceiro escalões.

Os dados das duas legendas, com recorte por Estado, apontam ainda o que esperar do perfil dos deputados das duas maiores siglas do país. Assim como nas campanhas majoritárias, o PT aposta na popularidade e nos oito anos de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para alavancar as candidaturas das eleições proporcionais. Também é tido como um ponto a favor as pesquisas que colocam a sigla com entre 25% e 30% na preferência do eleitor, na medida em que os resultados de eleições passadas demonstram que esse índice fica próximo do número de votos e de deputados. Por exemplo, em 2002 o PT tinha 20% de preferência, teve 18,4% dos votos e 17,7% de deputados. Quatro anos depois, abalado pela crise do mensalão, tinha 16% de preferência, teve 14,9% dos votos e elegeu 16,2% de deputados.

Para este ano, a expectativa é de que o alto percentual de preferência se traduza em maiores aumentos de bancada do PT nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste (ver quadro nesta página), justamente onde os índices de aprovação de Lula chegam a mais de 90%. Nesses locais, assim como no no Sudeste e no Sul, os nomes petistas com mais chances de serem eleitos são figuras conhecidas em seus Estados. Isso decorre da estratégia de selecionar poucos nomes - para abrir espaço para coligações proporcionais com aliados - mas com grande potencial de voto. Para tanto, optou-se por pinçar pessoas beneficiadas direta ou indiretamente pelos reflexos do crescimento da economia nos últimos anos nos Estados e nos municípios.

São ex-prefeitos, ex-secretários municipais e estaduais, primeiro e segundo escalões do governo federal, dirigentes regionais de estatais e autarquias, como a Caixa Econômica Federal e o INSS. Todos saídos das máquinas públicas municipais, estaduais e federais, com intimidade com a gestão pública e que foram largamente expostos nas mídias locais nos últimos anos.

Eles compõem a maior parte da lista dos cerca de 30 nomes que são considerados pelo partido como favoritos para se somar aos 66 deputados petistas que tentam a reeleição e que, espera-se, sejam todos reeleitos. A estimativa é que serão eleitos 15 candidatos a mais do os 83 eleitos em 2006.

Nessa mesma lista dos 30 nomes, há um número reduzido em relação a outras eleições de candidatos ligados diretamente aos movimentos sociais ou ao chamado "voto de opinião". Assim, após os oitos anos da era Lula, o perfil predominante do novo deputado petista tende a ser de pessoas já experimentadas na máquina pública. "Na primeira eleição de Lula, em 2002, o perfil era de pessoas mais ligadas diretamente aos movimentos sociais. Em 2006, houve um misto na bancada entre entre pessoas ligadas a esses movimentos e à máquina pública. Agora, a característica de pessoas ligadas à máquina pública já deve prevalecer", afirma Antonio Augusto de Queiroz, assessor parlamentar do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). Na prática, segundo ele, isso quer dizer mais deputados petistas pragmáticos, ligados às bases municipais e com maior senso de coesão governista, o que pode ser benéfico Dilma, no caso de ela ser eleita.

O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), discorda. "Não há e nem haverá diferença de perfil. O que há é uma unidade maior decorrente das depurações que a bancada passou nos últimos anos, com a saída de parlamentares à esquerda e à direita", afirma. Ele diz ainda que a característica geral dos deputados continuará sendo a de quadros políticos históricos do partido ligados ao voto de opinião. "Não é porque foi prefeito ou secretário que passa a ser um político da máquina pública. É o contrário. Ele foi para a máquina pública porque era um quadro político".

No PMDB, não há uma previsão de grandes mudanças. O cálculo é de uma bancada com 99 deputados, dez a mais do que em 2006 e sete a mais do que a bancada atual, da qual pelo menos 14 tentam se reeleger. Nesse desenho, os Estados tendem a manter o mesmo número de cadeiras que de quatro anos atrás. As alterações maiores ocorrem onde o partido tem governador, como Maranhão, Paraíba e Rio de Janeiro.

Na lista, o que mais chama a atenção é a presença de novatos na política que são impulsionados por parentes que deixam a Câmara para tentar o Senado ou cujos padrinhos pretendem ter um braço político no Legislativo federal.

É o caso de João Arruda, 34 anos, secretário-geral do PMDB-PR e sobrinho do ex-governador do paraná Roberto Requião. No governo do tio, foi diretor de Lazer e Qualidade de Vida do Paraná Esportes, autarquia paranaense, e diretor de Relações Institucionais e Comunitárias da Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar). Outro caso é o de Renan Filho, filho do senador Renan Calheiros, que após dois mandatos seguido na prefeitura de Murici (AL), parte para a disputa na Câmara.

Para o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), que ruma para o 11º consecutivo no mesmo partido, a única previsão possível de ser feita é quanto à unidade da bancada. "Seremos mais unidos e compromissados com o Executivo, se a Dilma vencer".


Pemedebistas da Paraíba buscam o voto das oligarquias para aumentar bancada


Neófito na política, o candidato a deputado federal Wilson Santiago Filho tem 21 anos, R$ 4,8 milhões na conta e, calcula-se, metade dos votos de seu pai, o deputado federal Wilson Santiago (PMDB-PB), atual candidato ao Senado pela Paraíba. Ao lado de outro filho de político, da mãe de um e do sobrinho de outro, ele integra a bancada dos pemedebistas paraibanos familiares de políticos de expressão que tentam aumentar a bancada do partido de três para quatro nas eleições de outubro.

A razão para tanta familiaridade no perfil da disputa interna deste ano é que, dos três eleitos em 2006, dois deixarão a Câmara para tentar o Senado. Como não querem deixar a vaga ser ocupada por outro grupo político, planejaram transferir sua base eleitoral a seus parentes. Além de Santiago, Vital do Rego Filho tenta ser senador neste ano e eleger a mãe, Ozanilda Vital do Rego (Nilda Gondim) para a sua vaga na Câmara.

Vital e Santiago foram, respectivamente, o primeiro e o segundo mais votados da Paraíba em 2006, com 168,3 mil votos e 163,6 mil votos, respectivamente. O cálculo é que conseguem transferir para seus herdeiros políticos pelo menos metade desses votos, o que os elegeria, já que, foi próximo a essa mesma metade - 75,4 mil - que o menos votado se elegeu.

Além deles, o PMDB estadual tem outros familiares para ajudar o maior partido do país a manter o status de maior partido do Congresso. Trata-se de Hugo Motta, 21 anos, estudante de medicina e filho do prefeito de Patos (PB), Hugo Wanderley (PMDB) e neto, por parte de pai, do prefeito que governou a cidade entre 1956 e 1959. Seu site de campanha diz ainda que "seu avô materno foi deputado estadual cinco vezes e duas vezes deputado federal. Já sua avó materna foi quatro vezes deputada estadual e está, nessas eleições de 2010, disputando o quinto mandato".

Seu pai foi eleito prefeito em 2008 com 97,3% dos votos válidos, uma das maiores votações proporcionais do país, e agora tenta levar o mais novo nome da família para Brasília.

A expectativa de vitória do governador José Maranhão (PMDB) é outro provável impulso para fazer da bancada do PMDB da Câmara. No cargo há um ano e seis meses, após a cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral do mandato de Cássio Cunha Lima (PSDB), ele já lidera as pesquisas eleitorais contra seu principal adversário, o prefeito de João Pessoa, Ricardo Coutinho (PSB).

Um fator que o auxilia foi a aproximação com os prefeitos feita no pouco tempo de governo. Dos 203 municípios, 161 estão com ele. Quando assumiu, eram 77.

Para o presidente do PMDB-PB, Antonio Silva, a transmissão de capital político a descendentes é comum em todo o país. "O clã político, quando já está em determinado patamar, procura dar continuidade a ele. Isso faz parte da cultura política de todo o Brasil", afirma. Como exemplo, cita um Estado da região Sul: "O Zé Richa (ex-governador do Paraná) trabalhou para que seu filho Beto Richa chegasse onde chegou." (CJ)


Petistas que tentam estrear na bancada de Tocantins saíram do 1º escalão


Sem nunca ter eleito um deputado federal desde que foi emancipado de Goiás, em 1988, o PT de Tocantins aposta neste ano na presença partidária nas máquinas públicas da capital, Palmas, do governo do Estado e do governo federal para ocupar pelo menos duas cadeiras na Câmara a partir de 2011 - o que configuraria um aumento de 200% sobre sua bancada atual.

Seus quatro candidatos a deputado federal participaram durante os últimos oito anos de algum órgão do governo. José Messias de Sousa foi superintendente da Caixa Econômica Federal. Darci Coelho foi secretário de Governo do prefeito de Palmas, Raul Filho (PT), gestão que também abrigou Maria Helena Brito Miranda na Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho e Emprego; e José Donizete na Secretaria de Orçamento Participativo e Programas Especiais.

Dos quatro, José Messias é o favorito para amealhar o maior número de eleitores. Gerente da Caixa em municípios tocantinenses há 25 anos, assumiu a superintendência estadual do banco em 2003, mesma época em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adentrava o Palácio do Planalto. Aproveitou para, no mesmo ano, filiar-se ao PT. Sob sua gestão no banco, afirma, foram construídas mais de 40 mil casas populares no Estado, o que o ajudou a estabelecer vínculos que hoje devem levá-lo à Câmara.

"Minha candidatura foi se contruindo ao longo do tempo por meio dessa rede de relacionamentos com parlamentares, ministérios. Uma interação boa com prefeitos, pois fizemos muitos convênios com eles. Um apoio fantástico do setor da construção civil, tanto dos empresários quanto dos trabalhadores", diz.

As outras candidaturas petistas vêm menos fortes que a dele, embora mais um ou dois nomes devam ser eleitos além de Messias. O motivo de sua vantagem é que dois de seus correligionários são neopetistas que, outrora, estiveram com os adversários.

Darci Coelho, ex-PP e ex-PFL, era braço direito do homem que já comandou o Estado por três vezes e que, agora, tenta mais uma vez: Siqueira Campos (PSDB). Em 2009, depois de ajudar o prefeito Raul Filho na composição política de sua campanha à reeleição, filiou-se ao PT. É o candidato preferencial de Raul, mas sua candidatura agrada mais os antigos simpatizantes de Siqueira do que a militância petista.

Já Maria Helena Miranda é tia do ex-governador Marcelo Miranda (PMDB), cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral em 2009 e que atualmente disputa uma vaga no Senado. Em seu governo, exerceu o cargo de secretária do Trabalho e Assistência Social. Ela é também irmã de José Edmar Brito, que foi secretário de Governo e de Infra-Estrutura de Siqueira Campos. Em 2009, contrariando a vontade dos familiares, filiou-se ao PT.

Diferentemente de Dirceu e de Maria Helena, o quarto candidato é José Donizete, um dos mais antigos petistas do Estado. Foi candidato, sem sucesso, a deputado federal em 1988, estadual em 1990 e a senador em 1994. Eleito presidente estadual da legenda em 2009, atuou para ter nomes já conhecidos dos eleitores no rol de candidatos. "Trabalhamos para lançar os nomes com maior densidade eleitoral", afirma. (CJ)

23.8.10

Principal bandeira de Dilma, PAC desaparece do discurso de Mercadante

Caio Junqueira
Valor Econômico, De Brasília, 18/08/2010

Presença constante no discurso eleitoral da candidata a presidente Dilma Rousseff (PT), o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) não aparece com a mesma frequência nas declarações do candidato petista ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante.

Ontem, no debate promovido pelo jornal "Folha de S. Paulo" e pelo portal UOL, Mercadante não mencionou o termo PAC uma vez sequer. O mesmo ocorreu na semana passada, no primeiro debate televisivo entre os aspirantes ao Palácio dos Bandeirantes; e há duas semanas, nas entrevistas ao portal UOL, no dia 28 de julho, e na entrevista à Rádio Bandeirantes, no dia 27 de julho.

Quando cita o programa, Mercadante prefere lembrar de sua segunda versão, o "PAC 2", lançado neste ano pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No dia 4 de julho, em entrevista para a Associação Paulista de Jornais (APJ), que congrega 14 dos maiores jornais do interior do Estado, afirmou, ao responder a uma pergunta, que seria possível duplicar a rodovia dos Tamoios: "Vamos trabalhar para incluir a obra no PAC 2 para ter, inclusive, recursos disponíveis do PAC 2".

No dia 11 de agosto, em entrevista à rádio Band Vale, citou o PAC 2 por duas vezes. Na primeira, ao responder a um questionamento específico sobre áreas de risco: "Nós temos um problema de populações em área de risco. O PAC 2, o meu governo vai trabalhar junto com o governo federal, exatamente para prevenir essa área, remover a população, estimular o Minha Casa, Minha Vida para substituir moradia para essas família". Depois, respondendo a uma questão sobre o prolongamento das rodovias Ayrton Senna-Carvalho Pinto, defendeu "uma parceria com o governo federal para que isso entre no PAC 2 como mais uma obra completar".

Foi essa a única entrevista registrada em que citou o "PAC 1", por duas vezes, ainda que sem muita ênfase. Em uma delas, ao falar sobre casas populares: "só em São José dos Campos, foram 2,8 mil casas, no sistema PAC". Em outra, ao defender a maior presença do programa no Estado de São Paulo: "Nós temos que ter uma relação republicana. Trabalhar junto. Nas áreas mais importantes, no PAC, por exemplo, São Paulo tinha que ter muita presença no PAC do que teve. As iniciativas foram basicamente no governo federal". Em 18 de julho, Mercadante defendeu a criação de um "PAC paulista", em entrevista a Rede Bom Dia, no dia 18 de julho.

Por meio de sua assessoria, Mercadante afirmou que as referências ao PAC ocorrem quando ele fala sobre as realizações do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, citadas constantemente em suas declarações.

Para os tucanos, a ausência de referências ao PAC deve-se à falta de investimentos do governo federal no Estado, avaliação que os petistas contestam dizendo que os recursos chegam mas que o governo paulista prefere dar prioridade às suas obras exclusivas.

Na semana passada, a ONG Contas Abertas divulgou um levantamento em que afirma que, em São Paulo, 11,6% das obras do PAC foram concluídas, o que coloca o Estado na 13ª colocação entre todos do país, abaixo da média nacional de 13% de conclusão de obras.

A Casa Civil do Palácio do Planalto, porém, contesta a metodologia adotada pela ONG. Afirma que obras de pequeno e grande portes não podem ser comparadas, uma vez que as menores levam menos tempo para serem concluídas do que as maiores. Assim, para o governo federal, o que deve ser medido é o volume de recursos executados nos Estados.

Por esse critério, segundo a Casa Civil, "considerando somente as ações concluídas, os investimentos executados pelo PAC no Estado de São Paulo totalizam, até abril deste ano, R$ 89 bilhões. Isso corresponde a 63% do total de investimentos previstos no Estado para o período 2007-2010. Nacionalmente, as ações concluídas no âmbito do PAC equivalem a R$ 302,5 bilhões (46,1% do investimento previsto para o período)"








Lula vai vetar emendas com incentivos incluídas em MP

Caio Junqueira, Valor Econômico, de Brasília, 11/08/2010


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai vetar a maior parte das emendas que foram incluídas na Medida Provisória 487, cuja aprovação no Congresso Nacional deve ocorrer na próxima semana. Os vetos, em sua maioria, referem-se à concessão de incentivos fiscais para empresas na área de energia elétrica, embora também sejam estendidos a outros itens.

O documento, encaminhado pelo governo em 26 de abril com sete artigos com objetivo de capitalizar o BNDES, acabou se transformando em pacote de incentivos fiscais com 35 artigos. Essa ampliação foi negociada com o governo com vistas à aprovação da MP até o fim do mês, quando perderá a validade. Por essa razão, permitiu que seu principal aliado, o PMDB, e outros deputados da base, inclusive do PT, introduzissem as alterações, mas sem compromisso de sanção presidencial.

Entre os itens mais polêmicos acrescentados ao texto estão os que beneficiam as empresas do setor de energia. Com eles, o atraso em empreendimentos de transmissão ou distribuição de energia como as de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira (RO), e Belo Monte, no rio Xingu (PA), não exime as concessionárias de pagar pelos contratos de comercialização. Na prática, isso abre a possibilidade de que o consumidor pague pela energia ainda sem tê-la recebido.

O dispositivo beneficia diretamente as estatais do setor elétrico, como a Eletrobras. Ontem, o Ministério de Minas e Energia divulgou uma nota na qual afirma que "o teor do projeto é de responsabilidade exclusiva do Congresso Nacional". Mais adiante, afirma que "a inclusão de previsão legal de neutralização do risco de geração provocado por atraso de transmissão não produzirá prejuízo aos consumidores de energia elétrica".

A negociação conduzida pelo governo em torno da MP 487 também contemplou outra prática cada vez mais comum na relação entre os dois maiores partidos do Congresso, PT e PMDB: o de resgatar textos de medidas provisórias já vencidas. Na MP 487, o governo aceitou recuperar a emenda 15 do Senado feito à MP 472, que propõe refinanciamento do crédito aos produtores de cacau da Bahia. Ela deve ser sancionada pelo Executivo. Por outro lado, parte da MP 476, que caiu por decurso de prazo e tratava de incentivos fiscais para o uso de material reciclável adquirido de cooperativas de catadores de lixo, também foi agregada à 487, mas deve ser vetada pelo governo. Quando tramitou na Câmara, o relator da MP 476 era o deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG).



PMDB do Rio comandou festival de emendas



Todas as emendas à Medida Provisória 487 foram incluídas pela relatora, deputada Solange Almeida (PMDB-RJ). Veterinária, ex-prefeita de Rio Bonito (RJ) e ex-integrante do PMN, DEM e PV, ela foi escolhida pela coordenação da bancada pemedebista fluminense para relatar a MP e fazer as alterações.

A estratégia do governo é de permitir que os projetos do Executivo sejam emendados para facilitar sua aprovação. Essa estratégia tem sido recorrente no Congresso Nacional e permeado a relação entre PT e PMDB em algumas da votações mais complicadas para o governo. Para os deputados, é uma boa saída porque ganha-se tempo para convencer o Palácio do Planalto a sancionar as mudanças. Para o governo, também é uma solução pois consegue, assim, ver aprovados suas MPs.

Em 19 de maio, um festival de emendas aprovadas pelo Senado na Medida Provisória 472 foi o caminho encontrado pelo relator, Romero Jucá (PMDB-RR), para aprová-la. Dias depois, o Palácio do Planalto vetou a maior parte deles.

"É uma questão política. Vetar ou não vetar é um problema para depois. Antes tem que votar, e para votar tem que ter um consenso. Sempre foi assim na Casa", afirma o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), principal liderança da bancada do PMDB fluminense. "Os que têm interesses políticos acham que o governo não vetará ou que podem ser convencidos do contrário", afirma. Ele nega participação na elaboração da Medida Provisória 487, embora afirme que "tudo o que está aí foi acordado com o governo".

Em duas outras emendas, que também serão vetadas, há uma prática já não tão recente no Legislativo: o de incluir temas sem qualquer relação com o objeto da MP para atender suas bases.

Isso ocorreu, por exemplo, com a emenda proposta pelo deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) a pedido da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica) e que extingue o Decreto Lei 3.855 de 1941 (conhecida como Estatuto da Lavoura Canavieira) e a Lei nº 4.870 de 1965. Com a extinção - que não será sancionada pelo presidente - perde vigor o artigo que determina a contribuição das usinas e das associações de fornecedores de cana destinadas ao Plano de Assistência à Saúde (PAS). O programa obriga usinas e associações a destinarem percentuais de suas vendas em serviços de assistência médica, hospitalar, farmacêutica e social.

Também ocorreu com o pedido do metalúrgico ferroviário e deputado Carlos Santana (PT-RJ) para que o Executivo cubra o déficit - hoje estimado em R$ 55 milhões - da manutenção do Serviço Social de Estradas de Ferro, antes sob o comando da Rede Ferroviária Federal e hoje sob a gestão da Valec, empresa pública concessionária de ferrovias.




Petistas do mensalão disputam postos-chave na Câmara

Caio Junqueira, Valor Econômico, de Brasília, 10/08/2010


A corrente petista Construindo um Novo Brasil (CNB), antigo Campo Majoritário, já está em articulação para ocupar importantes espaços na Câmara dos Deputados em um eventual governo Dilma Rousseff, a partir de 2011. Um dos principais cargos da Casa, a liderança do governo, é objeto de interesse do grupo de petistas liderado por João Paulo Cunha (PT-SP).

Primeiro presidente da Câmara dos oitos anos da era Luiz Inácio Lula da Silva, Cunha aproximou-se de Dilma no segundo semestre de 2009, quando fez avaliações positivas do cenário político de 2010 para a então pré-candidata. Além disso, sua boa relação com o comando da campanha petista - o ex-ministro e deputado federal Antonio Palocci (SP) e o presidente do PT, José Eduardo Dutra -, também o colocam como favorito para ocupar o posto.

Seu perfil também o ajuda, já que o comando da campanha avalia forte tensionamento político no Legislativo a partir de 2011. Essa situação decorrerá, segundo os petistas, do perfil "combativo" de Dilma; de uma aguardada oposição mais agressiva a um governo sem a presença direta de Lula; e ao novo aliado PMDB, com o qual o PT terá de dividir o poder tanto no Legislativo quanto no Executivo. Por isso é que se busca um nome que seja "apagador de fogo", condição que, avaliam, Cunha consegue preencher.

Entretanto, pesa contra ele o fato de ser réu no processo sobre o mensalão que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), cujo julgamento é aguardado para ocorrer na próxima legislatura. Além disso, há oposição dentro do PT a seu nome, já que o deputado Henrique Fontana (PT-RS), da corrente Esquerda Democrática, também tem interesse no cargo.

Outro cargo no qual a CNB tem interesse é a liderança da bancada, para o qual o nome do atual vice-presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), desponta como favorito. Conhecido de Dilma desde quando ambos ocuparam postos na gestão Olívio Dutra no governo do Rio Grande do Sul - ele secretário de Administração, ela de Minas e Energia - Maia foi relator da CPI do Tráfego Aéreo. Maia, porém, tem interesse em presidir a Câmara, mas a vaga tem sido trabalhada para ser ocupada pelo atual líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), também da CNB. Ele a disputa com o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

Uma alternativa para liderar a bancada é José Guimarães (PT-CE), irmão de José Genoino (PT-SP). Com bom trânsito entre seus correligionários, ele representaria a bancada nordestina do PT, que deve ser a responsável pelo aumento da bancada dos atuais 79 para perto de 100. Por esse motivo, os petistas avaliam que alguns deputados da região deverão ser contemplados com importantes funções em comissões da Casa - o que deve ser o caso de Guimarães, caso Maia seja escolhido líder do PT na Câmara.

Pesa contra Guimarães o inquérito que apura o flagrante contra seu ex-assessor preso em São Paulo com R$ 200 mil numa mala e R$ 100 mil na cueca. O episódio levou Genoino a renunciar à presidência do PT.

Se prosperar, a articulação do ex-Campo Majoritário irá configurar a força de dois nomes ligados ao sindicalismo metalúrgico, o mesmo de onde Lula é egresso. Cunha trabalhou como metalúrgico e ajudou a criar a Oposição Sindical Metalúrgica em Osasco, seu reduto eleitoral. Maia foi dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas (RS) e da Confederação Nacional dos Metalúrgicos. Vaccarezza também era sindicalista, mas da área da saúde. Atuou no Sindicato dos Funcionários Públicos Municipais e fundou a Associação dos Servidores da Saúde no Estado de São Paulo.










Acre pobre e rural resiste a Marina
Caio Junqueira, Valor Econômico, de Rio Branco, 05/08/2010



Ainda que as referências à "professora da Ufac", "filha de Pedro Augusto" e estrela maior dos "meninos do PT" continuem no Acre a conferir à candidata do PV a presidente o ar de eterna filha da terra, Maria Osmarina Marina Silva de Lima não larga na condição de favorita no Estado que a projetou na política nacional e internacional. A mais recente pesquisa eleitoral a coloca com 32% das intenções de voto dos eleitores acreanos, seis pontos atrás do paulista José Serra (PSDB), líder da disputa no Estado. A candidata oficial, Dilma Rousseff (PT), patina nos 16%, a despeito de o governo no qual comandou a Casa Civil ter drenado milhões de reais para o Estado governado pelo PT há 12 anos.

Por esses motivos, o levantamento surpreendeu as lideranças políticas em Rio Branco e Brasília. Do Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva contatou a principal liderança política local, Jorge Viana (PT), governador do Estado entre 1998 e 2006 e atual candidato ao Senado com 64% das intenções de voto. "A Marina pode até terminar a eleição na frente, mas o Serra será inaceitável", disse o presidente. Viana transmitiu o recado aos petistas, em especial ao seu irmão, o senador Tião Viana, franco favorito à sucessão de Binho Marques (PT), com 63% das intenções de voto. Apreensiva, a candidata do PV ligou para os seus coordenadores políticos já na véspera da publicação dos números. "É preciso pôr a campanha na rua logo", afirmou.

Até a semana passada ainda não parecia que Rio Branco tinha uma candidata a presidente saída de seus seringais. Não se vê nem sequer um adesivo de carro com o "Marina 23". O único cartaz com seu rosto está no comitê central da Frente Popular do Acre, o grupo político que ajudou a compor e que hoje desfruta, em nível estadual, da mais longeva hegemonia petista do país. Mesmo assim, seu cartaz fica de lado, ofuscado pelos de maior dimensão que apresentam os rostos de Lula e Dilma "para o Brasil continuar mudando".

Os "verdes" do Estado, uma mistura de seguidores de Marina egressos do petismo local e de ambientalistas quando esses ainda atendiam por ecologistas, aguardam o material de campanha chegar. Avaliam que com isso poderão melhor explorar a identidade da candidata com seus conterrâneos. Querem ligar a população à imagem de "ousadia" com que a menina doente superou os obstáculos para se tornar um ícone mundial defendendo a conservação da floresta em que vivem.

O plano pode tanto sensibilizar quanto não funcionar, já que a barreira para a ascensão de Marina no Acre se encontra nas classes média e baixa da zona rural do Estado, a maior parte do eleitorado e justamente de onde Marina saiu para fazer política. Sua intenção de voto cai conforme a escolaridade do eleitor diminui e a distância da capital aumenta. Vai de 42% entre os eleitores com nível superior para 26% dos que têm até a 4ª série do ensino fundamental. Nos dois principais vales acreanos, o do rio Juruá, no extremo oeste do Estado, e no do rio Acre, no extremo leste, Marina tem, respectivamente, 23% e 22% das intenções de voto, em contraposição aos 42% que Rio Branco lhe dá.

O principal motivo desse cenário é atribuído à gestão de Marina à frente do Ministério do Meio Ambiente, considerada rigorosa por alguns setores. Nos anos em que ficou no ministério, dados do Imazon mostram que a fiscalização na Amazônia saltou de 32 operações realizadas em 2003 para 134 em 2007. As multas aplicadas passaram, no mesmo período, de cerca de R$ 200 milhões para quase R$ 2 bilhões.

Ocorre que, no Acre, essa política pegou muitos pequenos e médios agricultores, que são maioria no Estado. Segundo o Censo Agropecuário do IBGE, mais de 85% dos estabelecimentos são ocupados pela chamada agricultura familiar (a que, segundo a lei, utiliza predominantemente mão de obra da própria família) e mais de 65% dos estabelecimentos possui menos de 100 hectares.

O simbolismo dessa situação é bem expressado no rol de reivindicações do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, de onde Chico Mendes travou sua luta pela preservação da floresta. Um dos pleitos é a anistia às multas dadas pelo Ibama aos seus pequenos agricultores. "No meio rural, é generalizada a rejeição a ela. Foram muitas multas, prisões e apreensões de produtos. Ela obteve resultado, mas atingiu muita gente de boa fé", afirma Assuero Veranez, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Acre (Fetacre).

De acordo com ele, 75 mil famílias dependem diretamente da agricultura para sobreviver, das quais 25 mil são empregadoras e 50 mil são empregados rurais. Com esse universo já se chega a quase metade de toda a população acreana. O número é, inclusive, superior ao de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família, na casa de 60 mil.

Outra razão para a rejeição a Marina pelos eleitores de seu Estado é a postura da senadora em relação a duas obras de infraestrutura com impacto imediato na região. Uma é a pavimentação da rodovia BR-364, que integra os dois vales do Estado, no trecho entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul, que Marina sempre defendeu o embargo para que fosse feito o estudo de impacto ambiental. As outras são as hidrelétricas do rio Madeira, no Estado vizinho de Rondônia, cuja expectativa é melhorar o falho sistema energético acreano, no qual não raro a população fica às escuras.

Por esse motivo, muitos acreanos colocam o meio ambiente como um problema secundário no Acre. Segundo o Ibope, apenas 2% da população o mencionam quando questionados sobre as duas áreas em que o Estado tem mais problemas. Trata-se de menos da metade que temas que, dependendo, podem servir como seu contraponto direto, como "apoio a agricultura" (5%) e "geração de energia elétrica" (10%). Saúde (49%) e segurança (41%) são as mais citadas.

Procurada, a candidata do PV não respondeu ao pedido de entrevista.



Liderança dos Viana tem apoio da agropecuária
De Rio Branco

Além de problemas com parte do eleitorado acreano, outro agravante para a campanha de Marina em seu Estado é o fato de ela não ser a candidata oficial a presidente da Frente Popular do Acre, o grupo político hegemônico na política local desde 1998 comandado pelos irmãos Jorge e Tião Viana. Em contraposição a Marina, ambos têm mais de 60% das intenções de voto para os cargos que disputam e estão em campanha para alavancar a candidatura a presidente de Dilma Rousseff (PT).

"Temos obrigação de fazer Dilma crescer. É uma dívida de gratidão por tudo o que Lula fez pelo Acre. Queremos fazer um tributo ao Lula", afirma Jorge Viana, para quem a melhora de Dilma nas pesquisas deve ocorrer "sem tirar votos de Marina". Sua ideia parece ser a de que a candidata do PV e do PT superem os 30%, e o tucano fique abaixo desse índice.

"O eleitor aqui é 30% a favor da Frente Popular, 30% contra e 30% são simpáticos a nós mas não querem entregar tudo. Junto com Marina teríamos perto de 60% para o PT, mas isso não vai ser possível. Os votos petistas estão divididos", avalia.

De acordo com ele, outro objetivo do "tributo" a Lula é entregar a Dilma -se ela for eleita- três cargos na Casa em que Lula mais passou dificuldades durante sua gestão: o Senado. "Será um caso único no país: três mandatos do mesmo grupo político", afirma.

Com índices de popularidade superior ao de Lula no Estado, Jorge Viana se diz constrangido em não poder apoiar Marina, embora o PV continue a integrar a Frente Popular e a Marina peça votos para ele e Tião Viana. "Compromissos partidários nos impedem de apoiar Marina", diz.

Entretanto, o prejuízo político com a situação é todo da candidata do PV. O motivo é que Jorge Viana simboliza para o eleitor acreano o ponto de largada para o resgate da autoestima perdida em gestões anteriores, quando os eleitos faziam política de maneira pouco convencional, como a utilização de motosserra ou grupos de extermínio como métodos para eliminar adversários. Esse resgate se deu por obras em parceria com o governo federal de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e, depois e em maior volume, com Lula.

Em outra frente, recuperou trechos do espaço urbano e fez um governo de conciliação com o meio empresarial, o que, nesse sentido, fez com que seu grupo trilhasse caminho diferente do de Marina.

Hoje, os principais doadores de campanha dos Viana e seu séquito são empresas do setor agropecuário e de construção civil, interessadas no mesmo tipo de desenvolvimento do Acre ao qual Marina se opôs quando ministra.

Uma dessas empresas é a goiana Construmil, alvo de denúncia pelo Ministério Público Federal do Acre pelo desvio de R$ 22,8 milhões, relativos às obras da BR-364. Além dele, foram denunciados ex-diretores do Departamento de Estradas de Rodagem do Acre (Deracre) durante o governo de Jorge Viana. Além da denúncia, a Polícia Federal tem em andamento sete inquéritos civis sobre irregularidades na pavimentação da estrada. Os empresários agrícolas, por sua vez, viram o rebanho bovino quadruplicar no Estado. Hoje são 2,6 milhões, contra 614 mil em 1995.

Isso tudo dentro de um grupo político que desde seu primeiro mandato adota o slogan de "Governo da Floresta", da qual Marina, apesar de distante e sempre priorizando a macropolítica ambiental a partir de Brasília, é apresentada como uma de suas principais avalistas.

Sua participação se dá no apoio a uma política de desenvolvimento baseado na "floresta em pé", via técnicas de manejo madeireiro, exportação de madeira certificada e, mais recentemente, créditos de carbono. A opção fez com que a indústria de transformação passasse a ser o foco da política econômica do Estado. Entre 2002 e 2007, sua participação no PIB estadual aumentou mais de 50% e impulsionou o setor industrial acreano, que passou a representar no valor 14,7%, ante 10,6% em 2002. O principal produto dessa industria é a madeira, que representa mais de 75% das exportações do Estado. Politicamente, deu status ao Estado, que hoje pretende ser grande exportador de madeira certificada pela Estrada do Pacífico, servindo aos mercados asiático e ao leste americano.

O avanço, todavia, não foi acompanhado de grandes melhorias sociais, o que explica serem a saúde e a segurança pública as principais preocupações do acreano. A taxa de mortalidade 29,8 por 1000 nascidos) é a pior da região Norte e a oitava pior do país. A de analfabetismo (13,8) só perde na região Norte para a de Tocantins. As taxas de saneamento, assim como a de homicídios dolosos, também estão entre os piores do país.

É com base nesse cenário social que a oposição tenta fazer com que seu candidato a governador, Tião Bocalom (PSDB), saia dos 18% e se aproxime dos 36% de Serra. O ponto central de sua campanha é de que o homem, e não a natureza, é o mais importante elemento do meio ambiente. ambiente. "A sustentabilidade começa dentro de casa, com alimento para comer e dinheiro no bolso para realizar os sonhos", afirma.

O discurso, até o momento, ainda não parece forte o suficiente para desbancar a força dos irmãos Viana no Estado, que agora querem acima de tudo mostrar isso a Lula fazendo de Dilma a vencedora no Estado. Se conseguir, apagam os péssimos resultados de 2006, quando Geraldo Alckmin (PSDB) venceu Lula no primeiro turno (51,7% x 42,6%), quadro revertido por pouca margem no segundo turno (47,6% x 52,3%).

De acordo com um dos mais antigos observadores políticos do Estado, o deputado federal Flaviano Melo (PMDB), será difícil tirar de Serra a vitória no Acre. "Aqui as eleições são cada vez mais apertadas para o PT. Como a oposição ainda não encontrou uma grande liderança opositora, o eleitor canaliza seu anti-petismo para a eleição nacional", diz. (CJ)







Pesquisas mostram semelhanças entre disputas presidenciais de 2006 e 2010

Caio Junqueira, Valor Econômico, de Brasília, 02/08/2010

As pesquisas divulgadas pelo Ibope revelam uma aproximação do cenário eleitoral presidencial deste ano, cujos principais candidatos são Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), com o resultado conferido nas urnas no primeiro turno de 2006, vencido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e que tinha em Geraldo Alckmin (PSDB) a mais relevante candidatura de oposição.

Alguns dos maiores colégios eleitorais, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, que juntos somam 41,5% do eleitorado brasileiro, apresentaram a distância entre as duas principais candidaturas em disputa semelhante à diferença entre Lula e Alckmin em 2006.

No Rio, a diferença de 20,3 pontos que as urnas demonstraram a favor de Lula em 2006 (49,1% a 28,8%), na pesquisa Ibope divulgada no fim de semana ficou em 19 pontos pró-Dilma (46% a 27%). Em Minas, Lula venceu Alckmin no primeiro turno em 2006 por 10,2 pontos na dianteira (50,8% a 40,6%). Agora, sua candidata derrotaria Serra, segundo o levantamento, por 44% a 32% - 12 pontos de diferença.

Em São Paulo, o cenário favorável ao PT é melhor do que o constatado há quatro anos, tendo em vista que a diferença entre a candidatura petista e tucana diminuiu nesse período. Alckmin, que em 2006 deixara o cargo de governador no fim de março para disputar o Palácio do Planalto, conseguiu seis meses depois bater Lula no primeiro turno por 54,1% a 36,7% - 17,4% pontos de diferença. Serra, que também deixou o cargo de governador para tentar a Presidência, ainda não conseguiu o mesmo patamar de seu antecessor e venceria Dilma hoje em seu Estado por uma diferença de 11 pontos: 44% a 33%.

Os dados da região Norte do país também confirmam que as eleições de 2010 podem vir a caminhar para um rumo semelhante ao de 2006 no primeiro turno. No Acre, Amapá, Amazonas, Rondônia, Roraima e Tocantins, as diferenças não aparecem tão próximas como nos Estados do Sudeste, embora haja semelhança no partido do vencedor. Onde Lula ganhou em 2006, Dilma está na frente, ao passo que nos lugares em que Alckmin venceu, Serra leva vantagem. O que mudou foi a diminuição da diferença nos Estados em que a oposição venceu em 2006.

Alckmin bateu Lula em Roraima (59,7% a 26,1%), Rondônia (47% a 45%) e Acre (51,7% a 42,6%). Somadas, as diferenças nas urnas entre os candidatos do PSDB e do PT alcançaram 44,7 pontos. Hoje, elas estão em 26 pontos: 42% a 37% em Roraima; 36% a 36% em Rondônia; e 38% a 17% no Acre.

No Amazonas e em Tocantins, vencidos por Lula em 2006, Dilma hoje está na frente. A diferença diminuiu no primeiro e aumentou no segundo. No Amazonas, Dilma venceria Serra por 68% a 16%, 52 pontos à frente. Lula bateu Alckmin ali por 78% a 12,4%, com 65,6 pontos de vantagem. Em Tocantins, a candidata petista venceria hoje por 53% a 27% (26 pontos de diferença), enquanto o presidente, em sua reeleição, venceu Alckmin por 58,6% a 37,6% (21 pontos de vantagem).

Em apenas dois dos doze Estados os números de 2010 não seguiram os de 2006. No Espírito Santo, o PT bateu o PSDB por 15,8 votos de distância no primeiro turno de 2006 (52,9% a 37,1%). Hoje, Dilma perderia para Serra por dois pontos, 38% a 36%. Isso a despeito de a coligação governista no Estado, representada pelo senador Renato Casagrande (PSB) e composta por 16 partidos, liderar com folga as pesquisas. A explicação pode vir das discussões sobre as divisões dos royalties do pré-sal, que tem em Dilma uma defensora de que os Estados não-produtores tenham participação nos lucros da exploração. O Estado, sendo produtor, é contrário. Casagrande é, no Senado, uma das vozes contrárias à mudança.

Outro Estado com mudança no posicionamento do eleitor até o momento é o Distrito Federal, que em 2006 deu vitória a Alckmin (44,1% a 37%) mas hoje a daria a Dilma (36% a 25%). Naquele ano, os votos do tucano foram impulsionados pela entrada na disputa de Maria de Lourdes Abadia (PSDB), que hoje concorre ao Senado. Os tucanos não têm candidatura própria ao governo.








"Instituições políticas do Brasil não carecem de grandes mudanças"

Caio Junqueira, Valor Econômico, de Brasília, 26/07/2010


Timothy Power, diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos de Oxford: "Para um presidente eleito sem maioria, a disciplina partidária seria uma camisa de força"
Diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Oxford desde 2005 e americano de Massachussets, o cientista político Timothy Power é observador da política nacional há mais de 20 anos, contesta o senso comum de que a política brasileira é desorganizada. Diz que os políticos aprenderam a conviver no presidencialismo de coalizão e a ela deram caráter de estabilidade. Defende apenas algumas mudanças pontuais. "As pessoas esquecem que as coisas vão bem no Brasil. Não vejo um clamor por grandes mudanças institucionais."

Power foi um dos organizadores das mesas de debates que, no fim de semana em Brasília, reuniu dezenas de acadêmicos brasileiros e estrangeiros no 10º Congresso Internacional da Brasa, sigla em inglês para Associação de Estudos Brasileiros.

Power aponta avanços institucionais no Brasil, em especial após a estabilidade econômica trazida pelo Plano Real. É a partir daí que, segundo ele, o país passou a desfrutar da estabilidade política, consagrada no que classifica de "bloco" de dezesseis anos de governo dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A seguir, trechos da entrevista concedida ao Valor:

Valor: A política no Brasil é mais desordenada do que na média das democracias?

Timothy Power: Desde o Plano Real o Brasil apresentou um quadro de estabilidade política bastante avançado. Essa eleição será a quinta consecutiva travada basicamente entre PT e PSDB. Poucos países têm essa estabilidade. Dá para imaginar que o país é bipartidário. Agora, quem olha para as campanhas para o Legislativo sabe que não, que é muito fragmentado. Tem quase 20 partidos no Congresso. Então o observador estrangeiro precisa casar essas duas coisas e pensar que no pleito presidencial tem bastante disputa entre dois concorrentes, mas quando o vencedor chega ao poder, tem que costurar uma coalizão e lidar com essa fragmentação. O Brasil é um pouco esquizofrênico nesse sentido. A disputa presidencial é bastante estável mas a proporcional não é.

Valor: Nesse sentido, as eleições proporcionais se contrapõem às majoritárias?

Power: A eleição proporcional é bastante permissiva aqui. Praticamente não há restrição a pequenos partidos. É super democrático, mas ao mesmo tempo tempo cria problema na composição das coalizões. Acho que os últimos dois presidentes lidaram bem com essa fragmentação, foram capazes de construir coalizões para gerenciá-la. O que mostra que a qualidade de liderança no Brasil é um fator a considerar. Os últimos dois presidentes (FHC e Lula) foram estadistas muito respeitados não só no Brasil, mas mundialmente. Se tivesse no Brasil um presidente com menos habilidade política do que eles seria mais difícil essa gerência.

Valor: Há então um conflito de "Brasis" entre o virtual bipartidarismo na eleição majoritária e a fragmentação na eleição proporcional?

Power: O sistema é compreendido por todos os atores. As regras do jogo ficaram muito mais nítidas nos últimos quinze anos então os próximos presidentes talvez saibam como manejar esse presidencialismo de coalizão no Brasil. Os partidos entendem que têm que fazer coligações eleitorais, os candidatos a presidente entendem que vão ter que lidar com isso. Você vê que a Dilma aprendeu muito com essa lição do mensalão, em que o governo tinha bons interlocutores no Congresso para salvá-lo de uma crise maior. Por isso ela escolheu por representar o PMDB institucionalmente em sua chapa. Ela sabe da importância de entrar no poder com uma coalizão pré-fabricada. Então as expectativas dos vários jogadores da política já estão consolidadas porque o Brasil já são 25 anos de democracia. No período entre Sarney, Collor e Itamar, as regras do jogo não estavam tão claras. Depois do Real, FHC construir uma coalizão bastante estável e o Lula praticamente copiou o mesmo método de fazer uma coalizão superdimensionada para governar.

Valor: O PT deve sobreviver bem no pós-Lula, então?

Power: O legado lulista será canalizado para o PT. Isso vai ser convertido em força partidária, mais para o PT, mas também para todas as demais facções que tentam aderir ao legado lulista.

Valor: Fica um vacuo político sem ele?

Power: Ele não sairá de cena. Se a Dilma perder, ele vira o candidato natural de 2014. Se ela ganhar, fica mais a dúvida, dependerá da situação dela em 2013, 2014. Mas em qualquer situação que ela entrar em dificuldades políticas, vai apelar para o legado de Lula ou mesmo pedir para ele ser seu interlocutor em determinadas situações.

Valor: Serra pode se sair bem no pós-Lula?

Power: É dificil ele articular um discurso na campanha. Se afirmar que vai manter as principais políticas de Lula, é um discurso de derrotado, porque não mostra diferença. Se mostra alguma diferença, cai muito nas pesquisas porque a população aprova o governo e quer continuidade. Ser um candidato da oposição em 2010 não é fácil. Isso explica as generalidades que se encontram no programa dele. É difícil identificar uma grande proposta que possa se associar a ele. Serra tem um discurso de querer melhorar a eficiência do Estado mas sem mudar a natureza do Estado.

Valor: As pessoas temem um governo de oposição?

Power: Hoje o cenário é muito favoravel à continuidade. Mas as pessoas podem imaginar que o governo Serra será de confronto, mas a agenda de Serra não seria nem perto a de FHC. Não vai ter onda de privatizações. Isso já foi encerrado. As grandes reformas econômicas de FHC lhe custaram um capital político. O Serra não tem nada de drástico no plano de governo dele. Ele não irá provocar isso.

Valor: As duas candidaturas falam de reforma política. O sr. a considera necessária?

Power: O que precisaria corrigir no Brasil é a questão da representação política, que pouco avançou desde a redemocratização. Poucos eleitores conseguem identificar a ideologia dos partidos. Muitos não lembram o nome de quem votaram. Tem ainda muita migração partidária. A governabilidade está funcionando, mas a representação política, não.

Valor: Os problemas de formação e funcionamento do nosso Congresso são maiores do que o de outros países?

Power: Aqui no Brasil as pessoas sonham com disciplina partidária. Acham que seria uma solução para tudo. Mas para um presidente eleito sem maioria, a disciplina partidária seria uma camisa de força, não poderia governar. Então de certa forma a falta dela faz com que os presidentes possam navegar e aprovar suas leis. Nos Estados Unidos a disciplina está aumentando, só que o presidente, perdendo a maioria, não aprova nada. Em política a gente sempre acha que a grama do vizinho é melhor que a nossa. Tem muito americano que sonha com a representação proporcional. Na Inglaterra está pela primeira vez vivendo em um governo de coalizão desde 1945. Não tem um político vivo na Inglaterra que tenha experiência com coalizões. E os dois líderes dos principais partidos têm 41 e 43 anos respectivamente.

Valor: Então uma grande reforma política talvez não seja tão necessária?

Power: As pessoas esquecem que as coisas vão bem no Brasil. Não vejo um clamor por grandes mudanças institucionais.






"Quem tiver a maior bancada terá mais presença no governo"

Caio Junqueira e Paulo de Tarso Lyra, Valor Econômico, de Brasília, 21/07/2010


Temer repudia a radicalização da campanha: "O que eleitor quer saber é quem vai lhe dar conforto"
Uma vez eleito vice-presidente na coligação encabeçada por Dilma Rousseff (PT), o presidente da Câmara dos Deputados e do PMDB, Michel Temer, garante que irá cumprir o papel que a Constituição lhe conferir: o de substituir o presidente da República em sua ausência. A afirmação, porém, não se sustenta por muito tempo, quando o próprio deputado expõe as credenciais que devem levá-lo a ser a eminência parda de um eventual governo Dilma.

Temer parece saber que sua disposição para o diálogo e conhecimento do Legislativo adquiridos no decorrer de 14 anos consecutivos como deputado federal, nove dos quais à frente do maior partido do país e seis como presidente da Câmara serão habilidades preciosas na ausência da popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva.

Declarações como "É muito provável que eu tenha um diálogo na formação do governo" ou "Eu acho que poderei ajudar (na relação do governo Dilma com o Congresso)" sinalizam que, ao contrário de Itamar Franco, Marco Maciel e José Alencar, o vice de Dilma tende a ser mais do que um vice-presidente.

Em entrevista ao Valor, ontem, concedida na residência oficial da Presidência da Câmara, Temer falou muito mais de 2011 do que de 2010, o ano em que deve ganhar a eleição para atuar no próximo. Fez prognósticos sobre a evolução que quer imprimir ao PMDB no caso de vitória da composição governista: de um partido sob a pecha de fisiológico para o de moderador das políticas públicas de um terceiro governo petista. Temer já descreve o critério para a divisão de poder com o PT: "O tamanho da bancada é o mais importante. O critério político é esse".

O peemedebista deu sua visão de governo ao falar sobre a autonomia do Banco Central -que, segundo ele, não precisa ser formal, mas real-, e sobre as necessidades de que as reformas política e tributária sejam feitas já em 2011. Também disse não ver risco na crescente onda de aprovações ocorridas no Congresso que aumentam os gastos públicos. "A economia do Brasil tem retaguarda para isso".

Valor: A vitória da chapa Dilma- Temer inauguraria no país o vice-presidencialismo, com um vice muito forte, fiador de uma titular com pouca experiência política?

Michel Temer: Essa tese parece ser a meu favor, mas é contra. O vice-presidente tem de cumprir as funções determinadas pela Constituição. A autoridade não vem da pessoa, mas da lei. Agora, é possível que pelo fato de eu ser presidente de um partido grande, forte, importante no país, eu tenha um diálogo no momento da formação do governo, já que vou ser o representante do PMDB nessa coalizão.

Valor: E na articulação com o Congresso?

Temer: Acho que poderei ajudar. Mas se eu exercerei essa função, não sei. Poderei ajudar pelo fato de ter sido três vezes presidente da Câmara. Tenho, graças a Deus, um bom diálogo com os colegas.

Valor: Há hoje briga de hegemonia entre o PT e o PMDB, que se reflete até em pequenas disputas de espaço no Congresso. É uma prévia do que vem por aí caso Dilma se eleja?

Temer: Vamos fazer uma parceria e creio que se depender do PT também há interesse. Não acredito que haverá dissonâncias quando estivermos no governo, vamos exercer funções de parceiros.

Valor: Mas o que vai definir a divisão de poder num eventual governo Dilma?

Temer: O tamanho da bancada é o mais importante. O critério político é esse. Quem tem a maior bancada tem maior presença.

Valor: Uma autoridade da campanha da Dilma disse que o apetite do PMDB por cargos terá de diminuir porque o partido já teria a vice-presidência...

Temer: Tudo isso terá que ser discutido depois. É preciso compor o governo de forma equilibrada entre os vários partidos. A função do vice é, simplesmente, substituir o presidente nas suas ausências. Só isso. Não vou poder, a todo momento, ficar ditando os rumos do governo. Creio que haverá um governo de colaboração dos vários partidos. É claro, pode ter uma ou outra postulação de cargo por um deputado, um senador. Mas não é a regra do conjunto do PMDB nem dos demais partidos.

Valor: Como o PMDB transformou-se de partido fisiológico em partido do poder moderador, como tem se definido?

Temer: Isso é fruto de um trabalho que fizemos ao longo do tempo para tirar do partido essa pecha. Mas eu quero dizer que ela não é justa. Nenhum governo hoje consegue levar adiante os seus programas se não fizer uma grande coalizão. E para isso sempre foi fundamental o PMDB. Nesses últimos quatro anos, passamos a ter uma interlocução que era mais programática do que fisiológica. Tanto que, nesse momento, não estamos esperando eleger o governo para participar do governo. Nós estamos fazendo uma coligação político-eleitoral-programática. Vamos trabalhar juntos para ganhar a eleição e vamos governar juntos.

Valor: Quais reformas são mais necessárias?

Temer: A da Previdência, tributária e política têm que ser feitas no primeiro ano. Não é que não tenham andado antes, deram alguns passos. Essas coisas na democracia fazem parte de um processo. Acho que estamos maduros para as três.

Valor: Uma reforma da Previdência é realmente prioritária para um governo Dilma? A aprovação da emenda que extingue a taxação dos inativos acima de 65 anos e a obstrução à previdência complementar para o funcionalismo não são um retrocesso?

Temer: Esta é apenas a tese do benefício de alguns setores. Mas a reforma da Previdência também envolve restrição de direitos. Qual o grande drama atual? A expectativa de vida. Você tinha uma expectativa de vida de 60, 65 anos e hoje você tem uma expectativa de vida de 80 anos. Qual é a nossa tese em matéria de previdência? Toda e qualquer modificação deve ser anunciada para aqueles que entram no serviço público.

Valor: Qual a reforma política defendida pelo PMDB?

Temer: Parto de quatro premissas. O poder emana do povo. A democracia é o regime das maiorias. Quem tiver maioria governa. Chega-se ao poder pelo voto das maiorias. Digo isso para desmerecer a idéia do quociente eleitoral, que visa basicamente a enaltecer os partidos políticos, mas é um equívoco em face da Constituição.

Valor: Por que?

Temer: Porque o correto é que quem teve mais votos seja eleito. Se conectarmos isso com a fidelidade partidária, você reduz a quantidades de partidos e ficam desnecessárias as coligações proporcionais, em que somos obrigados a nos coligar com partidos pequenos para atingirmos o quociente eleitoral e eleger nossos deputados. Minha posição é de que os deputados sejam eleitos pelo sistema majoritário. Por exemplo, que os 70 mais votados de São Paulo sejam os eleitos para a Câmara.

Valor: Então o sr., ao contrário do PT, defende o voto distrital?

Temer: Essa tese é a do chamado "distritão". Cada Estado passa a ser um distrito para a disputa para a Câmara. Faz-se o mesmo nos municípios com mais de 200 mil eleitores. Você pega uma cidade como São Paulo e a transforma em distritos geográficos. É importante que tenha um vereador de Sapopemba, da vila Leopoldina, de Perdizes (todos os três, bairros paulistanos). Para as eleições para a Assembleia também, porque nos Estados às vezes tinha prefeito que não conseguia chegar a mim porque não tinha um representante para a Assembleia. Então se distritalizar no Estado também faz uma boa coisa.

Valor: O que acha do financiamento público de campanha?

Temer: É fundamental. Primeiro porque você não faz campanha se não houver contribuições. E quando tem contribuição, sempre há alguém que faz uma correlação com uma eventual empresa corruptora. Isso é um desastre.

Valor: Voto em lista também?

Temer: O voto em lista briga com essa teoria do mais votado. Se não prevalecer esse meu sistema eu apreciaria o voto em lista. Só que aí precisa de partidos mais solidificados.

Valor: Muitos defensores da reforma política alegam que esta melhoraria o nível dos representantes. O sr. é deputado desde 1986. De lá para cá caiu o nível do Legislativo?

Temer: Eu cheguei aqui com uma visão muito elitista do Legislativo. Achava que só os mais iluminados intelectualmente poderiam participar de uma casa dessas. Muitas vezes a gente trabalha com a teoria da representação popular e não observa a prática. Um dia um deputado me convidou para um churrasco na região dele em uma região muito pobre. Para mim foi um aprendizado. Ele conseguia representar o povo dali. Acho que a representação popular é o retrato do país. Agora como você modifica o retrato do país? Modificando os fotografados. O eleitor cada dia mais caminha para uma apuração dos costumes e a própria legislação caminha para essa direção. No instante em que se proíbe entrega de brindes nas eleições, por exemplo, está se apurando o sistema. Agora dizer que piorou ou não é muito subjetivo.

Valor: O sr. acha que o voto de de opinião está em extinção?

Temer: O voto de opinião perfila ao lado de todos os demais votos ligados a demais grupos de representação, como ruralistas, sindicalistas, economistas. São poucos os votos de opinião, mas eles existem.

Valor: E qual a fórmula política para que saia uma reforma tributária?

Temer: Uma verdadeira federação se faz pela repartição de competências tributárias e autonomia dos entes federativos. Você só é autônomo se tiver dinheiro no bolso. A federação se alicerça na autonomia política, mas esta está ancorada na autonomia econômica e financeira. Se você fizer uma repactuação tributária precisa descentralizar os recursos.

Valor: O aumento nos gastos públicos e os sucessivos reajustes ao funcionalismo são uma bomba relógio para o próximo governo?

Temer: Não acho. O país vai muito bem economicamente e tem condições de suportar os aumentos, por exemplo, do funcionalismo. Se o país estivesse por exemplo ainda devendo ao FMI, com problemas internos e sociais muito grande, teríamos um problema. Estamos diante da primeira eleição que o povo vai razoavelmente tranquilo para as urnas. Nas eleições anteriores tinha setores raivosos que iam para a eleição e setores não raivosos contemplados com o governo mas preocupados com aquela raivosidade. Hoje, não. O presidente Lula conseguiu pacificar as relações sociais. O empresariado satisfeito, a classe média foi ao paraíso, as classes D e E migraram para a classe C, o Nordeste cresceu.

Valor: O sr. aprova a atuação do BC, comandado pelo pemedebista Henrique Meirelles? O sr. defende autonomia formal do BC ou o formato que funciona hoje é o ideal?

Temer: A atuação do Meirelles foi corretíssima, eu não ouço uma crítica quanto a isso. Acho que tem de deixar uma autonomia real, não é preciso caminhar para uma autonomia formal, estabelecida por lei.

Valor: O que acha da omissão do parlamento ao atrasar a definição de uma política para o salário mínimo? Ou essa matéria pode continuar sendo regida por medidas provisórias?

Temer: Em primeiro lugar, eu quero registrar que o grande trabalho no passado foi o de equiparar o salário mínimo aos US$ 100. Hoje ele vale pouco mais de US$ 300. Avançou não só em relação ao trabalhador, que ganha mais, mas em relação à produção. Quem ganha mais, gasta mais e com isso, o Brasil também produz mais. Em face da estabilidade econômica, acho que podemos ter perfeitamente uma lei planejadora dos aumentos do salário mínimo. Se eu puder ajudar junto ao PMDB, ajudarei.

Valor: Há espaço para mudanças na política econômica brasileira?

Temer: Poderíamos, como o próprio (vice presidente da Caixa Econômica Federal) Moreira Franco incluiu em nosso programa, remunerar o FGTS com uma taxa que não seja tão pequena. Acho que ela comporta uma série de ajustamentos. E tem muito a ver com o lema da nossa campanha, que é "continuar mudando". A ideia é que o presidente Lula mudou muita coisa e agora nós vamos continuar mudando, aperfeiçoando o sistema.

Valor: Quais os outros pontos, além das questões econômicas, precisam de ajustamentos?

Temer: Um dos problemas básicos do Brasil é a educação. Mais no nível básico do que no universitário. Nós vamos defender que se estenda o sistema do Prouni para o ensino básico. Fiquei impressionado com notícias mostrando que o aluno sai do ensino básico sem saber escrever. Isso é grave. Outro ponto que pretendemos explorar seria um aperfeiçoamento do Bolsa-Família. Num dado momento, o garoto se forma no ensino básico, no ensino médio e daí não tem recursos para começar a vida. Estamos sugerindo que o governo também acrescente ao Bolsa-Família uma quantia a título de poupança para que ele possa dar o passo seguinte.

Valor: Como o senhor avalia a atuação do MST?

Temer: Sou escravo da lei. Não quero desmerecer os movimentos sociais, acho que eles são importantes. Agora, todo movimento social tem que agir nos termos da estrita constitucionalidade e realidade. Se está fora da lei, não há como contemporizar. Quando invade terras produtivas está violando a lei. Não tenho a menor dúvida.

Valor: Qual sua avaliação sobre a saúde, área que esteve no segundo mandato com o PMDB e que nas avaliações do governo não há resultados positivos a apresentar?

Temer: O Temporão (José Temporão, ministro da Saúde) fez um bom trabalho, especialmente no combate às epidemias. Saúde tal como educação é uma área complicada. Ambas são fundamentais. Temos que investir muito financeira e administrativamente.

Valor: O senhor defende a recriação da CPMF?

Temer: No momento não há necessidade. Mas, se for necessário para trazer mais recursos à saúde, eu defenderia o voto a favor.

Valor: Como vê o debate dos royalties do pré-sal?

Temer: É preciso reequacionar a participação de todos os estados e municípios, sem prejudicar os estados produtores, é preciso fazer essa equação.

Valor: E a recriação da Telebrás para atuar no Plano Nacional de Banda Larga?

Temer: Não sou a favor do ingresso do Estado em vários setores, especialmente setores que já estão sendo bem tratados pela iniciativa privada. Agora, em tudo aquilo que houver falta da atuação privada e o Estado puder compensar para estender o serviço a todos os brasileiros, eu acho útil (a intervenção do Estado). O que não quero é que a intervenção do domínio econômico se dê em setores que já estão caminhando, mas que a intervenção possa se dar em setores ainda não encobertos e transitoriamente porque isso também desonera o poder público.

Valor: Como avalia a declaração do candidato a vice na chapa que é sua adversária denunciando as ligações do PT com as Farc?

Temer: Foi uma declaração infeliz dele. A Dilma tem feito uma campanha realmente elevada e acho que pode servir de exemplo para todos que estão disputando. Se mantivermos essa linha, será importante, porque afinal o que eleitor quer saber é quem vai lhe dar conforto.







Congresso acelera emendas à Carta com rito sumário

Caio Junqueira, Valor Econômico, de Brasília, 19/07/2010

O Congresso Nacional aumentou a utilização dos ritos sumários para aprovar propostas de emendas constitucionais (PECs), tornando regra o que o regimento do Senado e da Câmara prevê como exceção. O expediente já tem sido objeto de contestação por entidades no Supremo Tribunal Federal (STF), que alegam vícios no processo legislativo que resulta em alterações na Constituição Federal.

Das últimas vinte emendas aprovadas, quatorze se valeram do apoio da maioria dos parlamentares para eliminar o prazo previsto para que fossem discutidas. Em geral, o rito é adotado às vésperas dos recessos parlamentares, de modo que o rendimento legislativo do semestre aumente a partir da apreciação de várias propostas em um curto período de tempo.

Batizado pela legislação de "quebra de interstício", a manobra consiste em abreviar o tempo previsto de cinco dias entre as votações em primeiro e o segundo turno das PECs. Também é utilizada a partir de convocações sucessivas de sessões extraordinárias, que chegam a durar dois minutos cada uma. O objetivo é preencher o requisito para que a PEC seja discutida em cinco sessões ordinárias no primeiro turno e três no segundo. Como as sessões ordinárias só ocorrem uma vez por dia, a abertura e fechamento de sessões extraordinárias - que, ao contrário, podem durar poucos minutos - acaba sendo a manobra viável para que a PEC seja votada rapidamente.

O Senado intensificou a quebra de interstício a partir da presidência do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), entre 2005 e 2007. Em sua gestão, foi formada uma comissão especial para reforma do regimento interno, presidida por Marco Maciel (DEM-PE) e relatada por Tião Viana (PT-AC). O grupo incluiu, sem alarde, a possibilidade de que um "acordo unânime de lideranças" pudesse prevalecer sobre as normas regimentais. Desde então, a regra tem sido a aprovação em rito sumário das PECs.

Na semana passada, isso foi feito para a votação das emendas nº 66 (que estabelce o divórcio imediato) e nº 65 (que inclui na Constituição a menção ao jovem no dispositivo constitucional que trata dos interesses da família, da criança, do adolescente e do idoso). Ambas foram aprovadas na mesma tarde. Em outro caso de rápida aprovação, destaca-se a "PEC dos Vereadores", que em junho de 2009 alterou a composição das Câmara Municipais. Demorou menos de dez minutos para passar em primeiro e segundo turnos.

Outras emendas de grande repercussão nacional, como a mini-reforma da Previdência em 2005, a que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) em 2006, e a mini-reforma tributária de 2007, também passaram no Senado da mesma maneira.

Na Câmara, nenhuma resolução foi feita para dar ares de legitimidade à manobra. Entretanto, quando há um acordo político unânime entre todos os deputados presentes o expediente é utilizado. Isso ocorreu, por exemplo, na aprovação da "PEC dos Vereadores" e na que validou a criação de alguns municípios no país, emancipados após as restrições legais impostas em 1996. Nesses dois casos, a Câmara era presidida por Arlindo Chinaglia (PT-SP). Na atual presidência de Michel Temer (PMDB-SP), ocorreu uma vez, com a aprovação da emenda 63 (reestrutura carreira dos agentes de saúde). Entre o primeiro e o segundo turnos, os líderes fizeram acordo para que houvesse transcurso de apenas quatro sessões, e não cinco.

No STF, ainda não há um entendimento claro sobre a constitucionalidade ou não do rito sumário. Só a aprovação da chamada "PEC dos Precatórios", que fixou novas regras para pagamento de precatórios, tem contra ela pelo menos duas ações de inconstitucionalidade em tramitação. Em uma delas, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), a Associação Nacional dos Servidores do Poder Judiciário (ANSJ), a Confederação Nacional dos Servidores Públicos (CNSP), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) afirmam que a "quebra desse preceito regimental impõe a declaração de inconstitucionalidade, por absoluta contrariedade do devido processo legislativo, visto que não observado o procedimento próprio".

Na ação, as entidades afirmam que a falta de observância dos prazos prejudica o debate sobre a proposta: "Tal exigência destina-se a permitir maior processo de maturação e amadurecimento do Poder Legislativo quanto a proposta em debate, sobretudo para que em determinado lapso temporal os sábios parlamentares se debrucem sobre o conteúdo da emenda e reflitam a cerca da alteração da Carta Magna".

Na outra ação, proposta pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), a entidade afirma que "se o próprio regimento interno do Senado prevê interstício de cinco dias, é certo que esse preceito foi violado". Ambas aguardam decisão do STF.














Adeus, eleitores

Por Caio Junqueira, valor Econômico, de Brasília
18/06/2010
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Lula Marques/Folhapress

Abertura do ano legislativo no Congresso, em fevereiro, com a presença do vice-presidente José Alencar: para parlamentares desiludidos com os métodos, frequentemente distanciados do interesse público, mais 12 meses de insatisfação
Em seu livro "Congress: The Electoral Connection" (Congresso: a conexão eleitoral), o cientista político americano David Mayhew relata que o maior objetivo do parlamentar é continuar parlamentar. Para tanto, dedica-se a estratagemas que poderão lhe garantir a reeleição. O interesse público torna-se questão secundária.

Como se dão as coisas no Brasil? A cada quatro anos, o eleitor renova, em média, metade dos mais de dois terços dos parlamentares que disputam a reeleição. Neste ano, porém, pelo menos quatro deputados de longa trajetória política anunciaram a decisão de não disputar mais eleições, dizendo-se frustrados com os processos eleitoral e legislativo. Subvertem a teoria da conexão eleitoral de Mayhew os deputados Fernando Coruja (PPS), Roberto Magalhães (DEM), Ibsen Pinheiro (PMDB) e José Eduardo Cardozo (PT). Arnaldo Madeira (PSDB) talvez também desista de buscar a reeleição, mas ainda não formalizou a decisão. Somados os votos obtidos por esses cinco deputados nas últimas eleições, chega-se a mais de 568 mil eleitores espalhados por quase um terço dos municípios do país.

As razões da insatisfação dos que agora desistem de tentar reeleger-se confluem para um ponto: a atividade parlamentar está decadente e, preveem, tende a piorar. Não se discutem mais grandes temas. Os que querem discuti-los têm cada vez menos votos. Os recursos financeiros são cada vez mais difíceis de obter. "Cerca de 90% dos deputados dedicam 90% de seu tempo a aspectos secundários da vida nacional", diz Ibsen Pinheiro. "São emendas individuais, nomeações políticas e verbas de campanha." Ex-presidente da Câmara, o gaúcho de 74 anos, filiado ao PMDB desde 1966 e hoje no quarto mandato, resume o que fazem os parlamentares: "São despachantes".

Crítico severo do atual sistema político, com voto proporcional uninominal e financiamento privado de campanhas, Pinheiro vê na conjugação desse sistema com um presidencialismo forte a origem da maior parte dos problemas da política nacional. O principal é a cooptação das minorias parlamentares, sem as quais o Executivo não consegue governar com estabilidade. "Não se analisa nada que vá contra alguma das 19 minorias parlamentares existentes. Por isso a Nova República está se perdendo muito na formulação de democracia e pouco na de projetos, e isso tem feito com que as instituições se atrasem em relação ao país. Estamos ainda com cara de Terceiro Mundo, enquanto o mundo nos quer dar o papel de protagonistas."

Pinheiro diz que a decisão de não concorrer à reeleição foi tomada em 2007, quando o governo tentou patrocinar uma reforma política baseada no financiamento público de campanhas e no voto em lista partidária. O modelo, segundo o deputado, produz nova forma de atuação parlamentar, na qual haveria mais tempo para a discussão de projetos para o país, pois se formariam partidos mais fortes e coesos. "A percepção de que o modelo está esgotado é geral, mas muitos continuam, ou por que são jovens e acham que têm tempo para mudar ou por que se adaptam e se tornam eficientes máquinas eleitorais", afirma Pinheiro.

Sem inclinação para esse papel, o secretário-geral do PT, José Eduardo Cardozo, 48 anos, também prefere não buscar a reeleição. Em seu segundo mandato na Câmara Federal, depois de dois na Câmara Municipal de São Paulo, ele é um dos grandes arrecadadores paulistas, nem tanto pelo R$ 1,1 milhão que amealhou para a campanha, mas talvez mais pelo porte de alguns de seus doadores. O acesso relativamente mais tranquilo a grandes patrocinadores de campanhas, contudo, não atrai o deputado para mais uma disputa. "Participar de eleição, hoje, é ir atrás de dinheiro, com regras que, de tão rigorosas, podem levar à perda do mandato. E o pior inferno para um candidato é pedir dinheiro. Absolutamente constrangedor. Sempre fica uma coisa no ar, do que você vai dar em troca."

Para exemplificar, Cardozo conta que, na última eleição, um amigo lhe apresentou um empresário que queria contribuir para sua campanha. Aceitou a contribuição e dois meses depois da posse o empresário lhe pediu emprego para um conhecido, para um cargo de fiscalização de recursos. "Constrangido, disse que não seria possível."

Cardozo, assim como Pinheiro, frustrou-se com a derrocada da reforma política nesta legislatura, mas diz acreditar que, fora do Congresso, sua contribuição para se fazerem mudanças poderá ser maior. "Passaram a me levar mais a sério e a ouvir o que tenho a dizer [depois que manifestou a intenção de não concorrer à reeleição]. O problema é que as pessoas aqui foram eleitas pelas regras em vigor. Então, nunca vão votar uma reforma do sistema que lhes deu vitória nas urnas."

A desilusão atinge também deputados da oposição, embora aqui o sistema político não seja considerado o carrasco, nem a reforma política a panaceia para os problemas do país. Ex-governador de Pernambuco e ex-prefeito de Recife, Roberto Magalhães, um dos primeiros integrantes do extinto PFL, atual DEM, não disputará o quinto mandato. Sustenta seu posicionamento basicamente no que chama de "monetarização da campanha", embora entre suas razões certamente estejam também a classificação de "político de direita" e os efeitos do prestígio do presidente Lula no Nordeste, seu domicílio eleitoral.

"No primeiro mandato [de Lula], era todo mundo com crachá vermelho, estrela vermelha na lapela. Lula parecia santo de procissão. E para mim não chegava nenhum projeto importante, sequer para relatar. Você então se sente em um mundo diferente. Deixa de ter o papel principal, passa a ser figurante", afirma Magalhães, que atingiu o auge do trabalho parlamentar em 1993, quando foi relator da CPI do Orçamento e pediu a condenação de 15 deputados.

"Hoje você passa o dia ouvindo discurso de palanque do PT, e ainda venho para cá cumprir uma pauta irracional, que só fico sabendo qual é na hora da votação. O embate ideológico acabou. Tirando os leninistas, trotskistas e stalinistas que cercam o Lula e têm peso no PT, o restante é tudo uma geleia geral que só está preocupada com o poder", diz Magalhães.

No primeiro ano do governo Lula, Magalhães deixou-se influenciar pelo apelo da popularidade do presidente e, como a maioria dos políticos do Nordeste, aderiu à órbita de influência do Palácio do Planalto. Filiou-se ao PTB em 2003, para integrar a chamada base aliada. Daria sequência, assim, aos seus tantos anos de opção pelo governismo - depois de passar pela Arena dos militares entre 1968 e 1980, pelo PSD de Paulo Maluf entre 1980 e 1985, pelo PFL aliado dos presidentes José Sarney (PMDB), Fernando Collor (PRN), Itamar Franco (PMDB) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e pelo PSDB entre 2001 e 2003. "Foi o pior período da minha vida. O que eu tinha a ver com o Lula?".

Quando a crise do mensalão ensaiava estourar, Magalhães voltou para o PFL e se reelegeu em 2006, já com metade dos votos da eleição anterior. A queda é por ele atribuída a alterações na legislação eleitoral que restringiram a utilização de outdoors, "necessários para um candidato da classe média", e à "falta de oportunidade", aquela que não teve no atual governo. Além disso, aponta a diminuição de eleitores independentes e consequente aumento de eleitores "comprados", o que encareceu as campanhas. Em suas contas, "20% dos parlamentares são eleitos com voto 'independente' e o resto é tudo comprado com dinheiro ou cargos".

As dificuldades de ser oposição foram sentidas também pelo deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), só que em um sentido mais amplo: o de ser oposição dentro da oposição. Conhecido por seus votos contrários e solitários nas votações que aumentam os gastos públicos, Madeira decide até o final deste mês se parte ou não para seu quinto mandato.

"Não me sinto feliz em votar sozinho, pois isso mostra o isolamento de minhas ideias. Mas acontece porque a maior coligação que tem aqui é a do gasto, que junta governo e oposição. Levo meu posicionamento para a bancada, mas o que ouço é que é preciso aumentar as categorias contempladas com os gastos, não diminuí-las."

Madeira cita como exemplo a votação do fim do fator previdenciário, instrumento criado no governo de Fernando Henrique Cardoso para elevar o tempo de contribuição e retardar a aposentadoria [dispositivo que o presidente Lula manteve, ao sancionar o aumento de 7,7% para os aposentados que ganham acima do mínimo]. Madeira defendia a preservação do fator previdenciário, derrubado pelo Congresso no mês passado. O PSDB chegou a decidir que determinaria à sua bancada votar tal qual sugerido por Madeira, mas, diante das reações negativas, os deputados ficaram liberados para votar como quisessem. Apenas seis dos 58 tucanos votaram contra a extinção do fator.

"É importante entender antes de discordar, mas o que acontece aqui é que eles discordam antes de entender. Há um medo geral de não conseguir ser reeleito, então votam para o povo, para as categorias. Assim, garante-se que pelo menos elas não falem mal de você na campanha. Está cheio de gente que diz que votaria comigo, mas não vota por pressões da base", diz.

Para o deputado, há um conceito distorcido da democracia representativa no país, refletido no dia a dia do Congresso. "Nosso parlamento não tem o ritual de poder. Aqui você anda pelos corredores e tem gente pedindo esmola, pedindo para assinar alguma coisa, para votar isso ou aquilo. O conceito é de que a Casa é do povo, então todo mundo pode entrar e fazer o que quiser."

Madeira diz não ver em outros países a liberalidade existente no Congresso brasileiro no que se refere aos grupos que pressionam os parlamentares pelos corredores, para que votem suas reivindicações. "A 'Casa do Povo' é o local de trabalho do representante do povo. Portanto, tem que ter pelo menos facilidade de locomoção. A gente não deveria ser assediado no decorrer do trabalho por pessoas que tentam influenciar", reclama Madeira.

Líder do PPS, Fernando Coruja (SC) é mais um oposicionista que não estará em Brasília a partir de 2011, o que não significa que esteja deixando a política. Embora não declare, ele sinaliza que disputará novamente a prefeitura de Lages, sua cidade natal, e que, para tanto, precisará estar 100% do seu tempo no município, que fica a 250 quilômetros de Florianópolis. Em 2008, Coruja disputou a prefeitura, mas perdeu para um candidato do PP, Renato Oliveira, cujo estratagema na campanha consistiu em alegar que o município não poderia perder seu único deputado em Brasília.

O interesse no pleito municipal, porém, não exclui sua frustração legislativa. "Você não se sente muito útil fazendo política no Congresso. Não é uma atividade em que se consiga resultados. É uma atividade que nada produz, nada altera, nada avança."

A decisão de não mais se candidatar foi tomada ainda em 2006, mas a falta de alguém que o substituísse adiou esse prazo por mais uma legislatura. Com uma sucessora praticamente escalada, a enfermeira Carmem Zanotto, ex-secretária de Saúde de Santa Catarina, a partir de 2011 Coruja pretende aumentar o trabalho em seu consultório médico e também as aulas de direito na universidade (é formado nos dois cursos).

Coruja não identifica um motivo específico para sua desistência de concorrer a uma cadeira na Câmara, embora diga que todos os sinais mostram que há algo errado: uma população que não se sente representada, uma instituição que é mal avaliada e deputados que não conseguem obter resultados.

Após uma pausa, Coruja sugere onde possa estar o erro: "Política virou negócio. Tudo aqui é negociata. Tem muito rolo ainda, muita negociação estranha. Dá sempre a sensação de que tem a negociação de alguma benesse econômica por trás das emendas e dos projetos apresentados."


Negócios com políticos, e todos são legais

De Brasília, 18/06/2010


A Bovap tem todas as funções de um "home broker" real, como análise fundamentalista, técnica, política, tutorial e até mesmo um blog com levantamentos periódicos sobre as negociações (na foto, uma página do site)
Ações de Dilma Rousseff (PT) a R$ 174,50, com alta de 0,29%. De José Serra (PSDB), a R$ 170. Baixa de 4,49%. Foram esses os efeitos da pesquisa Ibope divulgada em 5 de junho sobre as cotações obtidas pelos dois candidatos à Presidência da República na Bolsa de Valores Políticos (Bovap), criada por uma agência de publicidade para uma corretora de seguros que, desde março, vem ganhando adeptos. Atualmente, são mais de cinco mil os participantes.

A pesquisa mostrou empate entre o tucano e a petista em 37%. O investidor da Bovap, porém, previu essa possibilidade e já vinha valorizando os papéis de Dilma desde uma pesquisa anterior, do Datafolha, que também apontava empate entre ambos. Nos cinco primeiros dias de junho, os papéis de Dilma se valorizaram em 11%. Os de Serra, 5%. O empate na Bovap ocorreu no dia da divulgação do Ibope. Cada um valia 165 UVPs (Unidades de Valor Político). Dois dias depois, a petista ultrapassou o tucano.

"Começamos a planejar a Bovap no segundo semestre de 2009. Estávamos querendo ganhar mais espaço no mercado do varejo de 'home broker'. Acabou dando certo", diz Marcos Souza Barros, proprietário da corretora Souza Barros, de São Paulo. A Bovap tem todas as funções de um "home broker" real, como análise fundamentalista, técnica, política, tutorial e até mesmo um blog com levantamentos periódicos sobre as negociações.

O mecanismo foi idealizado pela agência LiveAd, que produziu um site ( www.bovap.com.br ), no qual qualquer pessoa pode, depois de se cadastrar, "investir" as 50 mil UVPs que lhe são dadas em cada um dos 44 candidatos já "precificados" pela corretora.

O "preço" unitário de cada ação é determinado por uma pesquisa qualitativa feita nas ruas com 20 pessoas escolhidas aleatoriamente. "Fizemos enquetes para que fossem avaliados, com notas de 0 a 10, três ativos dos candidatos: ética, histórico político e realizações. A média final da nota é o valor da 'oferta inicial' do candidato, que passará a ser negociado", diz Souza Barros. Para comprovar os valores de lançamento, vídeos com as precificações foram colocados no Youtube. Por exemplo, cada ação de Dilma foi lançada valendo 15 UVPs. Para Serra, o valor foi de 17,50 UVPs.

Como não se aplicam os critérios científicos utilizados pelos institutos de pesquisa, ocorrem algumas distorções, já que não são considerados aspectos como idade, sexo, renda e região dos entrevistados, nem o peso de cada um desses quesitos no eleitorado nacional. Isso acaba por explicar algumas distorções entre o mundo político online e offline. O deputado federal Celso Russomano (PP-SP) é, por exemplo, o candidato a governador mais "negociado", embora suas chances reais de vitória não sejam tão grandes. O deputado Ciro Gomes (PSB-CE), apesar de estar fora da disputa desde abril, é o quinto mais negociado. A candidata a presidente, Marina Silva (PV), é a mais negociada e a que mais se valoriza, apesar de as pesquisas não refletirem isso.

A ordem dos partidos mais negociados também não reflete o tamanho real de suas estruturas. O PV é o mais negociado, seguido por PSB, PSDB, PT e PSOL. A maior sigla do país em número de filiados, prefeitos e governadores, o PMDB, é das menos negociadas, ao lado do PP, PPS, PSTU e PDT.

Ainda assim, a Bovap tem cumprido seu objetivo de atrair clientes, já que mais de 95% dos adeptos não têm ou nunca tiveram contato com o mercado financeiro. O outro objetivo, segundo Souza Barros, tem um viés de politização das pessoas: "Tanto o mercado como a política são transformadores da sociedade. O que queremos é, utilizando as regras do mercado, fazer um debate menos apaixonado da política e desmistificá-la." (CJ)












PMDB monta caixa para enfrentar PT na eleição à Câmara federal

Caio Junqueira, Valor Econômico, de Brasília, 16/06/2010

A formalização da aliança presidencial entre PT e PMDB não será estendida para o caixa da campanha e nem para as eleições proporcionais, onde os dois partidos irão travar grande duelo com vistas a saírem na frente na eventual divisão de poder a partir de 2011.

A cúpula pemedebista pretende abrir uma conta específica para movimentar os gastos da campanha de Michel Temer, presidente do partido, da Câmara, e candidato a vice na chapa de Dilma Rousseff (PT). Com isso, espera adquirir maior independência para que ele possa circular pelos Estados sem se submeter à agenda de Dilma.

Isso lhe daria liberdade para, além de fazer campanha para a chapa que integra, alavancar a candidatura dos prováveis quinze candidatos a governador do PMDB e potencializar as campanhas dos seus deputados federais e senadores, de modo a assegurar o status de maior partido do Congresso. Nesses Estados, seus custos não seriam altos, uma vez que ele poderia contar com a forte estrutura eleitoral de seu partido nessas localidades.

Assim, com uma conta própria para vice abastecida com recursos próprios da legenda, que em 2009 teve uma receita de R$ 28,4 milhões, além do que vier a arrecadar, Temer poderá fazer campanha não só para Dilma como também para o PMDB. A maior parte dos recursos do partido vem do fundo partidário (R$ 26,3 milhões) e contribuições parlamentares (R$ 1 milhão), cobradas mediante uma espécie de dízimo de R$ 826 mensais de cada parlamentar. A conta própria pode também precaver a legenda de participar da intrincada engenharia financeira que o PT estabelece em suas campanhas presidenciais.

Tendo Lula candidato em todas as cinco eleições desde a redemocratização, os petistas têm experiência adquirida e estruturam sua máquina de arrecadação no molde centralizador da legenda. Constitui-se uma conta em nome do candidato (no caso deste ano, de Dilma) pela qual administra-se um intercâmbio de recursos financeiros com os diretórios nacional, estaduais e municipais petistas, além dos comitês financeiros de campanhas majoritárias e proporcionais da sigla.

Em 2006, a receita da conta de Lula foi de R$ 81,1 milhões, sendo que R$ 78,7 milhões vieram de outras instâncias do partido. Para as grandes doações de empresas, abriu-se uma conta em nome do comitê financeiro nacional para presidente da República, por onde chegaram R$ 76,7 milhões que foram utilizados tanto para a campanha de Lula quanto de outros quinze petistas nos Estados. Em um terço dessas remessas, o valor significou mais da metade do total das candidaturas a governador.

O PMDB, partido descentralizado, não quer ser responsável solidário por essas contas. Das cinco campanhas presidenciais desde 1985, encabeçou a chapa em 1989 e 1994, quando as regras de arrecadação eram diferentes das atuais. Nas eleições seguintes, coligou-se formalmente apenas em 2002, com Rita Camata (hoje no PSDB) como vice de José Serra (PSDB). Na ocasião, não teve atuação significativa na arrecadação.

Em contrapartida, sendo um partido federalizado, a força de sua arrecadação encontra-se nas campanhas estaduais. Em 2006, os dezessete candidatos arrecadaram R$ 126,6 milhões, o dobro dos R$ 57,5 milhões que os dezessete candidatos a governador petistas levantaram -muitos dos quais advindos da direção nacional do partido. Mas menos do que os R$ 157,8 milhões que chegaram para a campanha de Lula e do comitê financeiro nacional petista.

Esse cenário dá a Temer a tranquilidade de rodar os Estados e ser recebido com uma grande estrutura já consolidada pelos candidatos de seu partido, cabendo aos administradores de sua conta o custeio do seu deslocamento e estadia. A idéia é que a própria tesouraria do partido banque seus gastos, sem a necessidade de recorrer a doadores nem ao PT. Em 2009, a receita do PMDB foi de R$ 28,4 milhões. Nesses termos, evita-se ainda eventuais problemas futuros na prestação de contas gerenciada pelos petistas.

A previsão é de que serão necessários cerca de R$ 150 milhões para a campanha presidencial de Dilma. O PT quer investir na arrecadação via pessoas físicas, por isso vai avaliar nas próximas duas semanas a viabilidade de estruturar a arrecadação por cartão de débito e avaliar se será possível levantar fundos pelo telefone. O intuito é aumentar o número de doadores pessoas físicas que o partido teve na campanha que reelegeu Lula: 2.600

A estratégia vem sendo desenhada porque, dentro do partido, há o consenso de que tão importante quanto eleger Dilma é manter as maiores bancadas na Câmara e no Senado, pois esse será o critério inicial para estabelecer a divisão de poder com os petistas, caso Dilma vença. No caso de a oposição vencer, o partido estará inicialmente fora da composição no Executivo, mas sua força no Congresso estará assegurada, assim como seu poder para negociar com o novo presidente eleito.

No PMDB, a convicção de que deve manter-se forte no Legislativo é tão fundamental que, na convenção de sábado, Temer, após ser indicado oficialmente vice de Dilma, conclamou o partido a "fazer a maior bancada de deputados federais e de senadores". Por outro lado, o PT também tem o mesmo anseio, para diminuir sua dependência dos partidos coligados.

É essa a razão pela qual, embora juntos em boa parte das disputas majoritárias, nas proporcionais Brasil afora o sentimento entre petistas e pemedebistas é de que a disputa para o Congresso é "cada um por si". Não há, tal qual na formação dos palanques de Dilma, uma "câmara de compensações" em ceder este ou aquele Estado em troca deste ou daquele. Tampouco há interferência das cúpulas dos dois partidos.

Bom exemplo disso é no Rio de Janeiro, onde a bancada federal do PMDB é muito forte e a expectativa é de ampliação de dez para doze deputados. O PT, com seis deputados eleitos em 2006, quer embarcar na coligação proporcional para que os puxadores de votos pemedebistas -alguns secretários do município e do Estado- consigam ampliar as chances de arrastar para a Câmara, via quociente eleitoral, algum petista. Não haverá, porém, acordo, muito menos alguma intervenção superior. O PMDB deve coligar na proporcional apenas com o PP. Em Minas Gerais dá-se o inverso. Os dois partidos têm candidatos fortes, mas a coligação proporcional interessa mais aos pemedebistas do que aos petistas, que conseguiriam, pelas sobras de votos do quociente eleitoral, fazer mais deputados.





Imposto sobre Grandes Fortunas passa na CCJ

Caio Junqueira, Valor Econômico, de Brasília, 10/06/2010

A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou, por unanimidade, o projeto de lei complementar que cria o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). A proposta segue agora para o plenário da Casa e depois ao Senado. O imposto existe na Constituição desde 1988, mas nunca chegou a ser regulamentado. Historicamente defendido pelo PT, o governo Luiz Inácio Lula da Silva nunca apoiou a aprovação no Congresso de qualquer um dos projetos que o regulamenta.

Um desses projetos, por exemplo, é de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que, quando senador por São Paulo, em 1989, também apresentou um projeto de regulamentação. Mas assim como Lula, não o encampou durante seu governo.

O projeto aprovado ontem é de autoria da deputada Luciana Genro (P-SOL-RS) e taxa todos os contribuintes cujo patrimônio for superior a R$ 2 milhões. O pagamento é calculado tendo por base o valor que excede esses R$ 2 milhões. Por exemplo, se a pessoa possui patrimônio de R$ 2,5 milhões, a base de cálculo do imposto é de R$ 500 mil. A cobrança é anual.

Assim, foram criadas cinco faixas e alíquotas diferentes. Para patrimônios entre R$ 2 milhões e R$ 5 milhões, paga-se 1%. Entre R$ 5 milhões e R$ 10 milhões, 2%; de R$ 10 milhões a R$ 20 milhões, 3%; de R$ 20 milhões a R$ 50 milhões, 4%; e acima de R$ 50 milhões, 5%.

De acordo com a autora, uma estimativa por baixo prevê a arrecadação de R$ 30 bilhões por ano. "As 5 mil famílias mais ricas do país têm patrimônio médio de R$ 138 milhões, o que representa 42% do PIB. Só desse grupo viria esse valor de R$ 30 bilhões, que poderia duplicar o orçamento da educação", diz.

Pelo projeto, os bens imóveis serão avaliados segundo a base de cálculo utilizada na cobrança do ITR ou do IPTU. Se situado no exterior, a avaliação se dará pelo custo de aquisição. Os créditos pecuniários estarão sujeitos à atualização pela correção monetária ou cambial. Os demais bens serão avaliados pelo custo de sua aquisição pelo contribuinte.

O texto prevê ainda que o IGF não incidirá sobre o valor de bens utilizados para trabalho de assalariados ou autônomos avaliados em até R$ 300 mil; sobre objetos de antiguidade, arte ou coleção; e outros bens cuja posse ou utilização sejam considerados em lei de "alta relevância social, econômica ou ecológica".

O projeto foi apresentado em março de 2008 e no mês seguinte chegou à Comissão de Finanças e Tributação, onde sofreu grande oposição de deputados do DEM e do PSDB. Na comissão, o relator foi o agente fiscal de rendas e deputado João Dado (PDT-SP), que proferiu parecer favorável, mas diante da oposição ao projeto, não conseguiu que ele fosse votado. Ele, então, apresentou um substitutivo em que foram reduzidas as alíquotas para um intervalo entre 0,3% e 1%. Mesmo assim, o projeto não andou.

Em outubro de 2009, o deputado Geraldinho (P-SOL-RS), eleito suplente em 2006, assumiu interinamente no lugar de Luciana Genro - que entrou de licença não-remunerada por quatro meses - e apresentou requerimento alegando que havia expirado o tempo de apreciação e solicitando que o projeto fosse encaminhado à CCJ. Na comissão, o relator foi o deputado Régis de Oliveira (PSC-SP), que também proferiu parecer favorável ao projeto.

Em seu relatório, ele argumenta que imposto semelhante já era cobrado no Egito, Grécia e Roma antigos. Na atualidade, segundo ele, é cobrado em vários países como na Inglaterra, "sobre valores acima de £ 312 mil (ou pouco mais de R$ 1 milhão), e já começa em uma alíquota de 40%" e nos Estados Unidos, onde "a tributação começa a incidir sobre valores acima de US$ 10 mil, com alíquota de 18%, e é crescente".

"A ideia não é punir o rico pela acumulação de riqueza, mas tornar o nosso sistema tributário mais justo. O IGF funcionaria como um imposto complementar ao imposto de renda, para fins de apoio ao combate às desigualdades sociais", diz o deputado no parecer aprovado.








Adesão do PMDB pouco afetou apoio parlamentar

Caio Junqueira, Valor Econômico, de Brasília, 08/06/2010

A formalização da coligação entre PMDB e PT garantirá à candidata petista a presidente, Dilma Rousseff, o maior tempo disponível entre todos os partidos no horário eleitoral gratuito, mas pode não assegurar a tranquila governabilidade idealizada pela campanha da ex-ministra da Casa Civil, caso ela seja vitoriosa nas eleições de outubro.

Um estudo sobre o grau de fidelidade dos partidos nas votações de interesse do governo na Câmara mostra um irrisório aumento do apoio do PMDB entre a legislatura passada e a atual, de 56,9% para 59,9%. Isso a despeito de, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os pemedebistas da Câmara assumirem uma postura de "independência" em relação ao Palácio do Planalto, transformado em adesão após a reeleição de Lula, inclusive com a ampliação para seis do número de ministérios (Agricultura, Comunicações, Defesa, Integração Nacional, Minas e Energia; e Saúde). Antes disso, apenas o "PMDB do Senado" era governista e, em troca, chegou a ter três Pastas (Comunicações, Minas e Energia e Previdência).

O levantamento também mostra que, mesmo tendo ampliado a base governista na Câmara de aproximadamente 270 para 370 deputados, a taxa média de fidelidade caiu entre os dois mandatos, de 52,6% para 50%. Os dados, da consultoria Arko Advice, registram todas as votações em que o governo tem interesse explícito no assunto, seja uma medida provisória, proposta de emenda constitucional ou projeto de lei. "Duas constatações chamam mais a atenção. O fato de o PMDB não refletir nas votações a condição de aliado preferencial do governo e a falta de correlação entre ampliação da base aliada e apoio em votos na Câmara", diz o cientista político Cristiano Noronha, autor da pesquisa.

Somados os oito anos da era Lula, o partido mais fiel ao governo foi o PT (71,5%), seguido pelo PCdoB (66,5%), PR (64,4%), PTB (63,8%) e PSB (62,4%). Dividindo-se os números entre o primeiro e o segundo mandatos, verifica-se uma diminuição, entre as duas legislaturas, no apoio dos partidos que protagonizaram o escândalo do mensalão: PTB, PP e PR.

No mesmo período, vê-se que a sigla que mais aumentou o apoio ao governo nas votações na Câmara foi o PDT, que passou de 43,7% para 64,5%. Isso é resultado da concessão do Ministério do Trabalho ao presidente licenciado da legenda, Carlos Lupi. Esses dados refletem ainda a inflexão que Lula fez após o mensalão, no sentido de garantir o apoio de sua base sindical e colocar as principais centrais no mesmo campo político. Nas eleições de 2006, tanto Paulo Pereira da Silva quanto Lupi apoiaram o candidato adversário, Geraldo Alckmin (PSDB).

O comportamento da oposição nos últimos oito anos também merece destaque, uma vez que nesta legislatura houve maior antagonismo de seus deputados em relação à composição anterior. PSDB e DEM tiveram, entre 2003 e 2006, taxas médias de apoio na faixa de 19,4%. Já entre 2007 e 2010 elas foram, respectivamente, de 11% e 12,8%. "No primeiro ano do primeiro mandato, a oposição até ajudou o governo, pois havia uma agenda comum e Lula estava com o apoio da oposição. A partir dali isso não mais ocorreu. A oposição passou a obstruir mais as votações", afirma Noronha.






Festival de emendas dobra renúncia fiscal da MP 472

Caio Junqueira, Valor Econômico,de Brasília, 20/05/2010


Editada pelo governo federal com o intuito de conceder cerca de R$ 3 bilhões em benefícios fiscais a diversos setores da economia, a Medida Provisória 472 foi aprovada ontem na Câmara com 43 das 53 emendas incluídas pelos senadores - que, por baixo, dobram a renúncia fiscal. O texto tinha inicialmente 15 temas, o Senado introduziu mais 25, com uma enorme variedade de favorecidos: União, Estados, municípios, empresários, funcionários públicos, agricultores, índios, analistas do mercado financeiro, entidades filantrópicas e técnicos contábeis. Na Câmara, a MP chegou com 61 artigos e teve duas emendas sem ampliar benefícios. Aprovada, seguiu para o Senado, de onde voltou com mais 101 artigos.

Nas duas Casas o apoio foi praticamente unânime, de governistas e da oposição. A única emenda que caiu ontem foi a que criava o Conselho Nacional de Política Indigenista - o que foi considerado uma vitória pelas dezenas de índios contrários à sua criação, que desde cedo pressionaram os parlamentares com gritos de guerra e ameaças nos corredores do Congresso.

Os cálculos do impacto extra causado pelas emendas ainda são incertos. Só a renegociação das dívidas de pequenos agricultores tem previsão de R$ 2 bilhões. A que transforma os funcionários de Rondônia em servidores federais tem impacto estimado em mais R$ 2 bilhões - sem considerar o precedente que se abre para a aprovação de propostas de emenda constitucional que tramitam na Casa para que todos os funcionários de ex-territórios sejam absorvidos pela União.

O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), defendeu a aprovação da MP. De acordo com ele, muitas das emendas resgatam os efeitos da Medida Provisória 470/2009, conhecida como "Refis da Crise", com benefícios referentes ao parcelamento de débitos tributários. Também afirmou que há conexão do que foi originalmente encaminhado pelo governo com o que o Congresso acrescentou. "Todas as alterações tratam-se de matérias tributárias e, portanto, conexas com o que o governo editou", disse. O único deputado a votar contra toda a MP foi Arnaldo Madeira (PSDB-SP).





PMDB prevê 90% dos votos pró-aliança

Caio Junqueira, Valor Econômico, de Brasília, 11/06/2010


A unidade do maior número possível de filiados em torno de uma tese, a aliança com o PT, será o grande diferencial da convenção do PMDB que ocorre amanhã, embora o tradicional enredo de candidaturas presidenciais de última hora e de guerra de liminares para impedir a convenção já esteja se desenhando. A previsão é de que pelo menos 90% dos prováveis 500 convencionais presentes irão ungir o presidente da legenda, Michel Temer (SP), como candidato a vice na chapa presidencial encabeçada por Dilma Rousseff (PT).

A rápida ascensão da petista nas pesquisas eleitorais, culminando no empate em 37% com o principal adversário, José Serra (PSDB), a alta popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os bons índices econômicos foram os fatores externos que apaziguaram as ameaças de dissidência do PMDB na convenção. Internamente, o acordo selado entre os dois partidos para Minas Gerais, com Hélio Costa (PMDB) sendo o candidato a governador e Fernando Pimentel (PT) ao Senado, deram tranquilidade à cúpula pemedebista e afastaram as chances de uma reviravolta amanhã.

Os mineiros, tendo o maior número de convencionais, seriam os únicos capazes de liderar um movimento que levasse o PMDB à neutralidade na campanha. Satisfeitos em sua reivindicação, diminuiu-se a força de mobilização contrária de outros Estados que aguardavam o desfecho de Minas para se posicionar.

Entretanto, seguindo a tradição das convenções pemedebistas, há uma tentativa de oposição à aliança com o PT.

Além da forte posição contrária dos ex-governadores de São Paulo, Orestes Quércia, e de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, o o ex-governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), autorizou o senador Pedro Simon (PMDB-RS) a registrar, anteontem, sua candidatura a presidente. A manobra visa intimidar a cúpula pemedebista a interferir na articulação do palanque paranaense de modo a tirar Osmar Dias (PDT) da candidatura ao Senado para não atrapalhar sua votação. Isso seria feito determinando que o sucessor de Requião, Orlando Pessuti (PMDB), não se candidate à reeleição. Assim, Dias seria o candidato ao governo e Requião ao Senado.

A direção do PMDB, contudo, não irá atender ao desejo de Requião e se reunirá entre hoje e amanhã para não permitir o registro de sua candidatura a presidente. Aí teria início a batalha judicial, já que uma parte alega que o registro está dentro do prazo, outra que está fora. Mas ainda que Requião consiga na Justiça o registro, sua tese irá prosperar. Pessuti apoia a chapa Dilma e Temer e tem o controle de mais de 70% dos diretórios do Paraná, cujos delegados vêm amanhã a Brasília para votar com a cúpula.

Até mesmo alguns Estados em que PT e PMDB são rivais na disputa regional, como Mato Grosso do Sul, estarão na convenção para apoiar Temer. Os grupos em que há intenção de apoiar Serra, presentes no Acre, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo, não devem comparecer para votar. A expectativa é de uma taxa de abstenção na faixa de 30%.

"É difícil ser pemedebista e ter um candidato a vice-presidente decorrente de uma aliança já existente com o governo Lula. Vai querer alguém vir aqui falar mal da economia se o (presidente do Banco Central) Henrique Meirelles é do partido?", diz o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves. A Executiva do partido deve se reunir hoje às 11 horas para negar o pedido de Requião. O mesmo será feito com Antônio Pedreira, pemedebista do Distrito Federal que também registrou pedido de candidatura ao Planalto.

A aliança a ser fechada amanhã terá algumas pendências a serem definidas até o início oficial do processo eleitoral, em 5 de julho. Por um lado, pretende-se acertar os limites de propaganda de Lula e Dilma onde houver palanque duplo de PT e PMDB, como no Rio Grande do Sul (José Fogaça, do PMDB, e Tarso Genro, do PT ) e na Bahia (Geddel Vieira Lima, do PMDB, e Jaques Wagner, do PT). Por outro, há a necessidade de alguns acertos finais entre os dois partidos, como no Ceará, em que o PT força a candidatura do ex-ministro da Previdência José Pimentel ao Senado, contra os interesses do governador Cid Gomes (PSB), que só quer apoiar oficialmente o também ex-ministro Eunício Oliveira (PMDB). Com isso, faria uma aliança branca com Tasso Jereissati (PSDB). A participação de Ciro Gomes (PSB) na campanha eleitoral estaria condicionada, inclusive, a um desfecho sem Pimentel.

Outra pendência é o Maranhão, com a intervenção do PT nacional para retirar o apoio que o PT-MA quer dar a Flávio Dino (PCdoB). A tendência no Estado é da neutralidade, o que beneficia a candidata à reeleição, Roseana Sarney (PMDB), pois tira dois terços do tempo de TV de Dino. Em outros dois Estados antes problemáticos haverá palanque duplo para Dilma. No Pará, Jader Barbalho (PMDB) sairá ao Senado com chapa própria do PMDB, encabeçada por seu sobrinho José Priante (PMDB). Em Santa Catarina, o governador Eduardo Moreira (PMDB) deve disputar a reeleição contra a senadora Ideli Salvatti (PT) com promessa de apoio mútuo no segundo turno.



Governo liberou emendas à MP 472 para aprová-la

Caio Junqueira, Valor Econômico, de Brasília, 20/05/2010

A ampliação do rol de assuntos da Medida Provisória 472/2009 ocorreu devido a uma estratégia parlamentar de negociação política para que o documento fosse aprovado na Câmara e no Senado sem sobressaltos para o governo federal.

Nesse sentido, o governo permitiu que a liderança do governo no Senado, ocupada por Romero Jucá (PMDB-RR), negociasse com a base aliada e com senadores da oposição a inclusão de emendas que, tal qual a MP, concedessem benefícios fiscais a outros setores da economia que estivessem elencados nela.

O custo da inclusão, em alguns casos, foi incerto, pois não houve compromisso de sanção presidencial. Ainda assim, os parlamentares ganham tempo para tentar convencer o governo a aprová-las. Também atendem às suas bases, o que, em ano eleitoral no qual dois terços dos senadores tentam a reeleição, ganha uma dimensão maior.

É o caso, por exemplo, da emenda 11, que prevê a inclusão na Lei 11.941/2009, de um artigo que altera a legislação tributária federal referente ao parcelamento ordinário de débitos tributários. A emenda afasta os débitos parcelados dos cálculos de índices econômicos de empresas, aplicáveis a licitações públicas e permite ainda que, na amortização de parcelamentos, sejam empregados precatórios, próprios, ou de terceiros. Não há compromisso, porém, de que ela entre em vigor na lei à qual a MP será convertida.

Outra emenda nessa condição é a 22, que autoriza as empresas com débitos tributários previstos na MP 470/2009 a quitá-los em parcela única, com redução de 100% de multa.