30.8.07

Falta consenso em debate tucano sobre programa de desenvolvimento

Caio Junqueira
Valor Econômico, 10/08/2007

Com o objetivo de estruturar um novo programa econômico, o PSDB iniciou ontem a busca por uma convergência interna entre seus principais formuladores da área. Um evento fechado realizado em São Paulo reuniu os principais economistas do partido, que, embora tenham convergido em vários aspectos, ficaram longe do consenso.

De defensores do monetarismo puro aos desenvolvimentistas clássicos, a pauta do encontro se baseou no futuro da política macroeconômica nacional. Houve ali a opinião comum de que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) manteve todos os pilares traçados na gestão do ex-presidente Fernando Henrique. Os pontos de discordância, porém, apresentaram-se nas discussões sobre a manutenção ou alteração deste modelo.

O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan afirmou que o governo federal teve "bom senso" ao manter a política econômica, mas ressaltou que falta eficácia em sua condução. "Não existe política macroeconômica de esquerda ou de direita. Existe política macroeconômica mal ou bem feita, com mais ou menos competência. E o que falta hoje é um componente novo, chamado eficácia", afirmou, segundo relato de um dos presentes. Malan disse ainda que o ex-ministro Antonio Palocci teve bom senso ao não levar com ele os expoentes do pensamento econômico petista.

O economista José Roberto Afonso defendeu a necessidade de um rigoroso ajuste fiscal. De acordo com ele, o ajuste hoje é feito somente por Estados e municípios, que devem seguir os limites exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Para ele, a União também deveria se enquadrar nesses limites fiscais, já que, apesar de a receita do país subir continuamente, os gastos também só aumentam. Disse também ser favorável à criação de empresas estatais responsáveis pelos grandes projetos do país.

Durante as apresentações, Luiz Carlos Mendonça de Barros -escalado para palestrar à tarde- pediu a palavra. Disse que o aparente consenso do ajuste fiscal e do corte de gastos encontra uma barreira: onde seriam feitos os cortes, uma vez que a maior parte do custo do país está atrelada a gastos sociais? O economista disse que o modelo atual, com acumulação em excesso de reservas, fortalece o país externamente, mas tem prazo de validade até 2010. "O país fica pagando isso com imenso superávit e sem qualquer desenvolvimento de sua infra-estrutura."

Para ele, após 2010 começariam a aparecer efeitos negativos dessa opção, em especial o aumento do déficit público e problemas de logística. Assim, defendeu uma mudança na postura do partido, que, caso contrário, segundo ele, estaria condenado ao "fracasso". O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco disse concordar com Mendonça, sem discordar de Malan. E acrescentou que "não dá para pensar em desenvolvimento sem inflação."

Já Luiz Carlos Bresser Pereira acha que o PSDB, de uma maneira geral, apóia o modelo atual sem ter motivos para isso. Ele defendeu o que classificou de "novo desenvolvimentismo", que teria como pilares o centro-esquerdismo e o nacionalismo. "A inserção do país no mundo deve ser pilotada por conceitos que isolem o interesse nacional. Não falo do desenvolvimentismo à antiga, mas algo que tenha um Estado indutor do dinamismo econômico sem as mazelas do Estado desenvolvimentista antigo. O mercado clássico não tem por si só como dinamizar a economia", disse, conforme afirmou um dos presentes. Seu posicionamento, porém, foi amplamente criticado e tido como "voz única" dentro do partido.

A necessidade de simplificação do sistema tributário nacional foi unânime. Os participantes vislumbraram um sistema basicamente composto pelo Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) e Imposto de Renda (IR).

Qualquer que seja a opção econômica a ser escolhida pelos tucanos, uma preocupação constante no debate foi como passar essas informações à população. "Não somos uma academia de ciência. Somos um partido político. É preciso saber intermediar nossas teses com a população", disse o ex-senador Geraldo Mello (PSDB-RN). Para FHC, o partido precisa falar claro, sem se complicar: "Os que não falam complicado são os que o povo gosta. O Lula fala simples. Se ele não falasse de uma maneira convincente não seria presidente".

Na segunda-feira, seminário semelhante ocorrerá em Belo Horizonte, mas desta vez aberto ao público. O governador mineiro Aécio Neves (PSDB) pretende, na ocasião, exibir seu modelo de gestão pública -- que tirou Minas Gerais de um déficit orçamentário de R$ 2,3 bilhões em 2003 - para lideranças tucanas. Já confirmaram presença na rodada mineira, que será realizada no hotel Mercure, FHC, Malan, o presidente nacional da legenda, senador Tasso Jereissati, e o senador Marconi Perillo. "Minas está se transformando em vitrine de gestão pública, uma verdadeira marca tucana de administração eficiente", comentou o presidente do diretório estadual, deputado federal Nárcio Rodrigues, um dos cabos eleitorais do governador mineiro dentro do partido. Segundo ele, cerca de 40 prefeitos mineiros vão se filiar ao PSDB na oportunidade.

7.8.07

Kassab avança em zonas do PT com gasto social

Caio Junqueira
Valor Econômico, 07/08/2007

Donas-de-casa, nordestinas, baixa renda familiar, eleitoras do PT e moradoras de uma tradicional região petista paulistana, a zona leste. As semelhanças param aí quando o assunto são as eleições municipais de 2008. Ozanir Santos, 48 anos, não abre mão de, após votar em Marta Suplicy em 2000 e 2004, repetir o voto na legenda, seja quem for o postulante. Vanusa da Costa, 32 anos, diz que pode mudar. Nesse caso, seu apoio iria para o candidato da aliança PSDB-DEM.

O que motiva a possível alteração de voto de Vanusa é a intensidade com que a gestão Gilberto Kassab (DEM) tem focado suas ações sociais nos tradicionais redutos petistas da capital paulista.Na educação, das 76 escolas municipais entregues desde o início da gestão até hoje, 55 estão localizadas nas 13 das 41 zonas eleitorais em que Serra perdeu para a atual ministra do Turismo, há três anos. Das 14 escolas que serão inauguradas até o início do período eleitoral, em julho de 2008, 12 serão nessas regiões. Além disso, até o ano que vem serão feitos 22 Centros Educacionais Unificados (CEUs), obra que explica muito a força de Marta nessas regiões. Quando prefeita, construiu 21 dessas unidades na periferia e havia planejado a construção de outros 20 para o período 2005-2008. Ela perdeu a eleição para Serra, mas os CEUs ainda assim serão construídos e nos mesmos terrenos que a gestão petista havia selecionado. Dezesseis deles estão em locais onde Marta ganhou de Serra. Na saúde, apresenta-se quadro semelhante. Das 50 Assistências Médicas Ambulatorial (AMAs) inauguradas até agora, 35 estão nos redutos do PT. Das 51 restantes que serão inauguradas, 24 ficam nesses bairros.

O viés eleitoral é rechaçado pelos responsáveis pela área e pelo próprio prefeito. “Construímos escolas e AMAs onde há demanda. Saúde e educação são nossa prioridade”, afirma Kassab. O secretário de Educação, Alexandre Schneider, diz que o mapa de construção de escolas obedece à prioridade da gestão na área, que é a redução das escolas com três turnos de alunos e a eliminação das escolas de lata. “A questão eleitoral é uma coincidência. A Marta tem muito voto nas franjas da cidade e é lá que as escolas estão mais lotadas, onde tem mais escola de lata, e mais escolas com terceiro turno. Qualquer ação de governo vai recair sobre essas áreas.” Na saúde, Maria Aparecida Orsini tem a mesma explicação. “É uma coincidência. As AMAs foram colocadas pensando nas regiões com maior vulnerabilidade. Acaba por coincidir com a questão política. O motivo das escolhas das unidades é estritamente o índice epidemiológico da cidade.” Por intermédio de sua assessoria, a ministra Marta Suplicy comentou as iniciativas do prefeito: “Tudo o que for bom para a população e para a cidade de São Paulo, eu sou a favor. Que bom que ele (Kassab) pretende realmente inaugurar 22 CEUs. E mostra que está no jogo de 2008: “Estou liberando R$ 4 milhões para a reforma do Anhembi e R$ 1,5 milhão para a finalização turística da cidade”.

A verificação dos mapas fornecidos por ambas as secretarias revela de fato que esses extremos sul e leste são as áreas mais carentes. No caso da educação, ali se encontram os maiores índices de escolas com o terceiro turno escolar e de lata. Na saúde, são as áreas com pior desempenho no Índice Paulista de Vulnerabilidade Social, elaborado pela Fundação Seade e que, segundo a secretária, embasou a distribuição das AMAs na cidade. Ainda assim, setores ligados à essas áreas vêem nessas ações cunho eleitoreiro, já que os locais escolhidos têm elevado número de eleitores e muitas das construções foram ou são feitas em locais com ampla visibilidade. Em Parelheiros (zona sul), o amplo canteiro de obras do CEU que está sendo ali erguido funciona em frente ao terminal de ônibus do bairro, a poucos metros de uma AMA. Lá Marta teve 63,6% dos votos e Serra, 22,8%. Em Cidade Tiradentes (zona leste), o CEU Água Azul, que já funciona parcialmente, fica no principal corredor da região, a avenida dos Metalúrgicos. Nesta zona eleitoral, a petista bateu o tucano por 54,4% a 26,6% dos votos. Toda a zona leste concentra cerca de 35% do eleitorado paulistano. Já a zona sul é responsável por um terço do colégio eleitoral da cidade.

As críticas abrangem ainda a concepção dos projetos. “O governo segue uma linha liberal da educação, de gestão privada da coisa pública. Muitos serviços são terceirizados. E a opção pelos CEUs repete um erro da gestão anterior. Uma escola infantil custa cerca de R$ 500 mil e atende 200 alunos, que é o que o CEU atende nesta faixa etária. Em vez de um CEU, que custa R$ 20 milhões, poderia construir 40 escolas para 12 mil crianças. É um erro de prioridade. Os CEUs são intervenções urbanas vinculadas ao projeto eleitoral. O governo pensa: ‘Se isso beneficiou o PT, pode beneficiar a mim também’”, afirma Cláudio Fonseca, presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação do Município de São Paulo (Sinprem), o mais representativo do município.Na área da saúde, as críticas referem-se também à participação de terceiros e incluem o Ministério Público estadual. A instituição ajuizou uma ação civil pública contra a forma de gestão das AMAs, baseada na celebração de convênios com organizações filantrópicas que ficam responsáveis pela alocação de recursos humanos e pela adequação física, de medicamentos e mobiliário nas unidades. Diz a ação, assinada por três promotores de Justiça que integram o Grupo de Atuação Especial de Saúde Pública e da Saúde do Consumidor: “Evidentemente, uma das pretensões do programa é afastar a realização de licitação para a compra de bens e serviços (...) A bem da verdade, isso é apenas uma roupagem para permitir a atuação sob o moldes da empresa privada e para permitir ao município aliviar a folha de pagamento dos servidores. (...) Enquanto se estimular a idéia de alimentar uma estrutura paralela, pouco se fará para soerguer a estrutura pública oficial e as debilidades desta podem não se originar apenas das suas limitações legais, mas da atitude de mantê-la estagnada e exaurida pelos drenos representados pelos repasses às parceiras”.

A população, porém, aprova o modelo. Uma pesquisa interna da prefeitura, feita com 400 pacientes, indica uma nota média de 8,6 às unidades. Isso decorre em muito da rapidez com que as pessoas são atendidas —frise-se, para atendimentos emergenciais, já que consultas com especialistas continuam precisando ser marcadas com meses de antecedência. Cada AMA possui basicamente um clínico-geral e um pediatra. As pessoas chegam e são atendidas entre 30 minutos e 1h30. “Já vim aqui com dor de cabeça forte, com infecção urinária e sempre sou atendida rapidamente”, diz a dona-de-casa Selma Costa Silva, 38 anos, ao sair da AMA localizada na Capela do Socorro, um forte reduto petista da capital, onde Marta alcançou 47% dos votos, e Serra, 34,9%. Ela diz saber que a AMA é uma obra municipal, mas que não sabe ainda se isso influenciará seu voto. “Sempre votei no PT. Ano que vem, provavelmente, se Marta for candidata, voto nela. Mas tá muito cedo para definir. Por enquanto não pretendo mudar, mas posso vir a mudar“, afirma.

É justamente sobre eleitores como Selma que a gestão pretende capitalizar votos para 2008. Em se considerando o alto rol de inaugurações realizadas e previstas até o início do calendário eleitoral; que nessas regiões, em especial a leste, localizam-se a maior parte dos eleitores da cidade; e que esses eleitores são, de acordo com as últimas eleições, majoritariamente petistas, vê-se que se trata de um importante espaço eleitoral a ser conquistado. E que isso já pode estar acontecendo.

Embora não haja avaliações específicas das áreas de governo, o último levantamento do Datafolha indicou um crescimento da avaliação positiva (ótimo/bom) de Kassab. Passou de 15 para 30 entre março e julho deste ano. O maior salto foi na população cuja renda familiar é de até dois salários mínimos: pulou de 14 para 30. Entre os que ganham mais de dez salários, o crescimento foi de 22 para 32.“Ninguém pode viver de passado. Não é só porque a Marta fez os CEUs que eu vou para sempre votar nela. Tem que ver também quem vem depois, se deu continuidade”, diz Vanusa, moradora do bairro São Mateus, e cujos dois filhos estudam em uma escola que até um ano atrás era de lata e que a atual gestão substituiu. Nesta zona eleitoral, Marta teve 53,2% dos votos e Serra, 28,7%. Em toda a cidade já houve 54 substituições das escolas de lata por construções de alvenaria.

No entanto, o que para Vanusa é virtude, para dona Ozanir, que vive em Cidade Tiradentes, é defeito. Ao lado de suas três netas, todas estudantes do CEU Água Limpa, o único já inaugurado nessa gestão, ela não identifica méritos no atual prefeito. “Isso começou com a Marta, o Kassab pegou toda a idéia pronta. Não foi planejamento dele. Só faltava assumir e não continuar. Não votaria nele de jeito nenhum. Ele só veio inaugurar. E ele nunca foi eleito, vive à sombra do Serra”, afirma.Dessa opinião compartilham outras pessoas, ouvidas pelo Valor na semana passada em visitas a AMAs e escolas das principais regiões na zona leste e sul. Apesar de muitas já mencionarem o nome do prefeito, elas atribuem boa parte dos feitos municipais a Serra, tirando da alçada do prefeito do Democratas as ações que tem feito.

Esse fator tem sido motivo de preocupação até mesmo para a cúpula do ex-PFL, que gostaria de assistir o dono do principal cargo que a legenda possui no país mais descolado da figura do governador. Para esses dirigentes, o desempenho do prefeito nas pesquisas de intenção de voto até agora realizadas em grande parte se deve a essa subalternidade de Serra que o prefeito assume desde que assumiu o cargo. Em pesquisa feita pelo instituto Vox Populi, Kassab aparece com 7% dos votos, no cenário com o ex-governador tucano Geraldo Alckmin (31%) e de Marta (28%). Sem Alckmin, ele sobe para 14%, atrás de Marta (33%) e empatado com o deputado federal pepista Paulo Maluf. Ocorre que o prefeito não abre mão dessa vinculação a Serra, observada até mesmo no comando da saúde e da educação, tidas, ao lado da questão ambiental, como pilares de seu governo. Os secretários municipais dessas áreas são pessoas estritamente ligadas ao governador. Na educação, Schneider é militante do PSDB e ex-integrante da Juventude Tucana. Na saúde, Maria Aparecida Orsini trabalhou com o governador quando este era ministro da Saúde. O fato é que Kassab aposta que Serra, na condição de governador, é que irá escolher o candidato da aliança PSDB-DEM em São Paulo em 2008. E que a obstinação pelo Planalto em 2010 o levará a preservar a aliança que lhe condiciona o apoio do DEM na sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).