13.12.07

Voto de migrantes afeta disputa eleitoral no pólo do etanol

Caio Junqueira
De Guariba
Valor Econômico, 12/12/2007

Silvestre Ferreira da Cunha, de 40 anos, natural de Timbiras, nordeste maranhense, corta cana em Guariba, noroeste paulista, há dois anos. Ausente da terra que nasceu e cresceu, deixou de votar no presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2006. Lá, o petista foi quase uma unanimidade: teve 83,5% do apoio do eleitorado, quase o dobro da votação obtida na cidade em que passou aquele domingo, primeiro de outubro, sob o sol escaldante de um canavial, em que 46,8% optaram pelo então candidato à reeleição. Silvestre e outros 7 mil timbirenses que trabalham nos canaviais da região de Guariba contribuíram para elevar as estatísticas de abstenção em sua cidade de origem: 30,3%, bem maior que a média nacional de 16,75%.

A migração desses trabalhadores não tem peso estatístico para interferir no resultado nacional mas, para as próximas eleições municipais, seus efeitos político-eleitorais deverão ser mais sentidos. Silvestre é um dos que, tão logo retorne a Guariba (337 km a noroeste de São Paulo) no início de 2008, irá providenciar a transferência eleitoral. “Fica até mais fácil se tiver alguém que a gente conhece na política aqui pra quando a gente chegar já tiver de quem cobrar”, afirma, no estreito corredor da entrada da pequena casa que mora com outros 13 migrantes, todos timbirenses. A próxima safra será a sua terceira seguida e, se depender dele, continuará vindo todo ano. “A gente passa oito meses aqui. Metade do que a gente ganha gasta com aluguel, comida e passagem, e a outra metade a gente manda pra nossas famílias”, diz. Esse montante acumulado mensalmente varia de acordo com a produção do trabalhador, mas na média fica entre R$ 500 e R$ 700.

Situadas no topo do ranking dos municípios que mais geraram empregos no primeiro mandato de Lula, as cidades paulistas canavieiras registraram um decréscimo nos votos dados ao presidente em 2006 em relação à sua primeira eleição. Considerando-se as dez cidades que mais abriram postos de trabalho, todas paulistas e sucroalcooleiras, a votação de Lula foi de 40,7% em 2002 para 34,2% em 2006. Bem diferente dos dez municípios que mais receberam Bolsa-Família per capita. Nesses, a média de Lula saltou de 36,3% para 64,9%.

A princípio, os números colocariam em xeque a geração de empregos como elemento capitalizador de votos, em contraposição aos programas de transferência de renda. No entanto, os postos de trabalho abertos nesses locais foram ocupados em sua maior parte pelos mais de 100 mil migrantes nordestinos e mineiros que passam cerca de oito meses por ano cortando cana em terras paulistas.Em 2008, a área de cana plantada no Estado será maior, e, conseqüentemente, haverá mais trabalhadores migrantes no corte da cana. Como muitos deles já vivem neste trânsito desde a consolidação da importância do etanol para o PIB, há cerca de quatro anos, consideram-se com dupla residência: na cidade de origem e na de destino. Ficando a maior parte do tempo onde trabalham, começaram, aos poucos, a transferir seus títulos eleitorais, evitando, assim, puniçãoda Justiça Eleitoral e, de quebra, passam a participar dos processos eleitorais nas cidades em que trabalham.

Silvestre saiu de Timbiras pelos mesmos motivos que deflagram a fuga da maior parte dos migrantes: mercado de trabalho local limitado ao funcionalismo público e estrutura agrária baseada em minifúndios arrendados para grandes produtores, que acaba por expulsá-los de suas terras. Mais recentemente, as más condições do serviço público em suas cidades de origem fez com que muitos passassem a migrar com suas famílias para que elas possam utilizar hospitais e escolas paulistas. A chegada em grandes grupos desses moradores sazonais tem criado problemas para muitos deles que devem pautar os debates eleitorais. A situação se agrava pelo tamanho das cidades de destino: a maior parte delas tem menos de 50 mil habitantes.

Caso de Dois Córregos (SP), localizada a 288 quilômetros a noroeste da capital. Administrada pelo PSDB, possui 24 mil moradores e recebe, a cada ano, 5 mil migrantes. “A gente passa por problemas com essa migração sem controle. Nos hospitais, causa superlotação. Nas escolas, as crianças têm dificuldade de se encaixar, estão sempre atrasadas, com muita dificuldade de aprendizagem. E nossa cidade nunca esteve tão violenta como agora. Essa mistura não fez bem para a cidade”, afirma a diretora municipal de assistência social, Marta Nais.

A fim de se ajustar à população excedente e conquistar os votos dos novos eleitores e a aprovação dos antigos, alguns municípios criaram serviços específicos para solucionar esses problemas. Dois Córregos intensificou o trabalho da vigilância sanitária nas moradias dos migrantes. Também passou a coibir quem chega sem vínculo empregatício. Garça (409 km a noroeste de SP), também gerida por um tucano, criou um Núcleo de Apoio ao Migrante. Em Guariba, o prefeito Caseri (PTB) atende pessoalmente os pedidos da população carente três vezes por semana — a maioria migrantes— e costuma freqüentar seus festejos. Neste ano, bancou cestas básicas e ônibus de volta para cerca de 300 maranhenses que desembarcaram na cidade sem emprego.

Por ora, não é possível avaliar o impacto dessas atuações frente a um possível eleitorado migrante. Mas ele pode ser grande, tendo em vista que em muitas cidades o número deles se aproxima do de eleitores, como em Dobrada (318 km a noroeste de SP), onde em 2006 havia 1.500 deles para 7.775 eleitores; em Palmares Paulista (411 km a noroeste de SP), onde havia 4.000 migrantes para 6.589 eleitores; em Pradópolis (320 km a noroeste de SP), com 4.000 migrantes para 11.523 eleitores; e Santa Ernestina (325 km a noroeste de SP), com 1.800 migrantes para 3.847 eleitores.Embora relevantes, os maiores problemas desses trabalhadores escapam da alçada municipal, que é apenas o receptor final de suas necessidades.

Em comparação com os anos 80, os salários diminuíram e a produtividade aumentou. A média salarial, antes de dois salários mínimos e meio, passou para um e meio. Naquela década, o trabalhador cortava cerca de seis toneladas por dia. Hoje, essa média é de 10, chegando em alguns casos a 12 toneladas diárias. Com o crescimento, passaram a ser mais constantes casos de doenças relacionadas ao excesso de esforço físico, como Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e as chamadas doenças osteo-musculares. Entre 2004 e 2007, 19 migrantes morreram no Estado de São Paulo, supostamente em decorrência do corte da cana.

O problema é que melhorar as condições de trabalho dos cortadores de cana significa mexer no método de produção do setor sucroalcooleiro, que tem surtido resultados econômicos altamente positivos para os empresários e para o país. Isso explica por que não há no meio político estadual e federal quem encampe com muita ênfase suas reivindicações. Além disso, usineiros são grandes financiadores de campanhas.

O sindicalismo rural, outrora importante braço de luta, perdeu a força que teve nos anos 80, quando protagonizou levantes por melhores condições de trabalho em diversas cidades do interior —o mais famoso deles em Guariba, em 1984. Hoje duas entidades atuam no Estado, a Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo (Feraesp), menos representativa e ligada a CUT, e a Fetaesp (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de São Paulo), que possui mais sindicatos associados e tem perfil mais moderado. A divisão é apontada como um elemento enfraquecedor da categoria, que passou a atuar isoladamente, fazendo greves pontuais contra algumas usinas.

A ausência de uma política de governo específica para assistir a essas pessoas fez com que o Ministério Público passasse a ser o ente público mais atuante em sua defesa. O que vem ganhando mais forçaé a tentativa de obrigar os empresários sucroalcoleiros a cumprir e o governo federal a fiscalizar a execução do Plano de Assistência Social (PAS) que prevê, com base em uma lei de 1965, a aplicação, pelos empresários, de 1% do preço do saco de açúcar, 1% do preço da tonelada de cana e 2% sobre o litro de álcool em assistência médica e educacional, financiamento de cooperativas e de culturas de substência nas terras utilizadas pelos trabalhadores e na promoção de programas educativos, culturais e de recreação. Esses recursos vinham sendo aplicados até o início dos anos 90, quando houve a desregulamentação estatal do setor a partir da extinção do Instituto do Açúcar e do Álcool pelo então presidente Fernando Collor de Melo.Por meio de ações civis públicas, o Ministério Público tem tentado forçar os empresários a fazer esses investimentos.

O governo federal também participa como réu nessas ações, na medida em que teria a obrigação de fiscalizar a aplicação desses percentuais. De 2005 para cá, a Justiça Federal em São Paulo já concedeu cinco liminares contra usinas do interior do Estado. Na mais recente delas, proferida no final de novembro pela Justiça Federal de Jaú, a União foi condenada a, em 120 dias, fiscalizar a aplicação desses recursos e as empresas a elaborar, a partir da próxima safra, um plano de aplicação dos valores.A justificativa oficial dos usineiros para o não-cumprimento é que a lei que a instituiu foi automaticamente extinta com a Constituição de 1988. Segundo a Unica (União da Indústria da Cana-de-Açúcar), a principal entidade representativa das usinas paulistas, a lei não é mais obrigatória porque contraria “os princípios constitucionais adotados na nova Carta Magna” e “conseqüentemente, nenhum de seus dispositivos pode hoje ser aplicado”. A União segue a mesma linha de defesa, afirmando que para fiscalizar seria necessário a edição de uma nova lei.