31.5.04

Rio do Rio

Caio Junqueira

Parece piada, mas é verdade. Está em estudo no Rio um projeto de separar o Estado da capital. Parece que o Rio ficou muito mal acostumado sem o leite do Estado e anos depois busca uma solução paliativa para enfrentar a sua economia pífia e seu orgulho grande.
A socióloga Aspásia Camargo, o secretário municipal Alfredo Sirkis e o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) são algumas das “cabeças do movimento”.
De acordo com a socióloga, o Rio sofreu dois “estupros institucionais”: deixar de ser a capital do país, em 1960, e ter sido obrigado a unir-se ao Estado, em 1975.
“A mudança da capital dos Estados Unidos, da Filadélfia para Washington, levou décadas, quase cem anos. A mudança de Bonn para Berlim levou dez anos, foi muito negociada, Bonn fez um pacto para redefinir suas novas funções, que incluiu dinheiro. O Rio, ao contrário, perdeu a capital e nada foi negociado. No espaço de um ano tudo acabou.”
Em outras palavras, ela diz que se Bonn ou Filadélfia tivessem virado capitais de seus países rapidamente teriam “sofrido” com a transição, assim como o Rio “sofre”, desde os anos 60 e 70 devido a perda do status quo de capital brasileira.
Esquece a socióloga que a mesma Berlim foi arrasada durante a Segunda Guerra Mundial e em alguns anos o seu lado ocidental _mesmo sem ser capital do Alemanha, já era muito mais desenvolvida que o seu lado oriental, que era capital de Estado.
Ocorre que deve ser muito difícil acostumar-se com mais de 100 anos de realeza e paparicos oficiais e de repente ver-se sem as amamentações que a fizeram grande.
É preciso enxergar que o que fez Bonn ou Filadélfia continuarem sendo boas cidades não foi o longo processo de transição, mas a cultura americana e alemã, focadas no trabalho, na disciplina e na visão de planejamento, virtudes que não fazem parte da maioria dos cariocas, paulistas e brasileiros.
Contudo, se por um lado o projeto é condenado pelas próprias razões que o motivam, por outro lado ele pode servir de uma colírio oficial aos cariocas, que poderão por meio dele refletirem sobre os reais caminhos que conduzem uma cidade ou um Estado ao desenvolvimento.

GRANDES FORAS DA VIDA DE UM FOCA
Roda de jornalistas cercam a dondoca-prefeita-mulher-de-gringo-bonitão Marta Suplicy, no dia seguinte em que o piloto americano fez um fuck you para as máquia fotográfica da Polícia Federal, no aeroporto de Cumbica.
Entre perguntas diversas, "das que a prefeita gosta de responder", vira o repórter Pantaleão Pantoja:
-Prefeita, o que a senhora achou da atitude do piloto americano que fez o gesto ontem?
-Não sou obrigada a responder isso, diz a loira sangue-azul, na frente de todos os jornalistas, deixando Pantaleão magoado.
Pantaleão concorda que não foi uma pergunta sobre um grande assunto. Mas também concorda que a prefeita não pode se esquivar de responder alguma coisa que tenha sido manchete de todos os jornais do dia.
Pantaleão jura que deu vontade de repetir o gesto do piloto americano para a prefeita Marta.

"DEUS ME DERA TIVESSE EU NASCIDO MUDA"
Aconteceu durante coletiva com o ex-presidente FHC durante inauguração do Instituto FHC, em São Paulo.
Na mesa, alguns ilustres, como os ex-primeiros-ministros da França, Lionel Jospin, e o filósofo espanhol Manuel Castells.
Uma jornalista de um canal de TV faz a pergunta:
- "O senhor não acha contraditório criar um instituto de pesquisa com esse orçamento mensal (R$ 150 mil mensais) em um país com tanta miséria como o Brasil?"
-"Contraditório é ter esse pensamento que você está tendo. Um país com tanta miséria precisa mesmo é de centros de estudos e pesquisas, como o iFHC", diz o FHC, o homem que ficou oito, mas que se pudesse ficaria dezoito.

LEMBRETE
São Paulo nunca foi capital do país. Há pouco mais de 120 anos era uma vila pobre, suja, periférica e abandonada pelo governo.

LIECHTENSTEIN TROPICAL
Se o sucesso do Rio depende da sua condição de capital brasileira, que a cidade se transforme em um reinado, independente do restante do Estado e do país. Benedita da Silva seria a cara da monarquia carioca.

O projeto de não ter projeto

Caio Junqueira

O presidente nacional do PSDB e candidato às eleições municipais paulistanas José Serra têm sido um bom exemplo do nefasto hábito dos políticos de utilizarem eleições para fazer aumentarem o volume de suas vozes.
Serra foi derrotado nas eleições presidenciais em 2002. Nada mais justo. A estagnação do nos dois últimos anos do governo FHC selaram a derrota do tucano, candidato do ex-presidente e visto pela população como partícipe no crime de colocar o país no sinal vermelho em que se encontra.
Após titubear, ficar em dúvida, despistar jornalistas e correligionários, resolveu, em um rompante, ser candidato. Ainda que seja passível de perdão a dúvida recorrente que o ex-ministro da Saúde teve até a sua decisão (afinal, ser prefeito da terceira maior cidade do mundo não é algo que se decida de uma hora para outra), o que mais impressiona nessa candidatura às pressas é a falta de projetos do tucano para a cidade.
Se ele demorou tanto tempo para tomar a decisão de enfrentar a prefeita Marta Suplicy no segundo turno deste ano, quanto tempo mais irá levar para apresentar o que de fato quer fazer com uma cidade que de problemas _e de promessas_ está cansada?
Por onde vai e dá entrevistas, ele se limita a dizer que São Paulo não tem prioridade, que ele quer ser prefeito porque é da Moóca, que os CEUs não são o caminho, blá, blá, blá. Ou seja, ele fixa-se nas críticas gerais à Marta, algo que qualquer vovô paulistano contrário ao petismo faz.
O único “projeto” apresentado até agora foi o mirabolante “entubamento” do Minhocão, algo que ficaria interessante se a avenida Duque de Caxias (por cima da qual passa a obra malufista) fizesse parte do Hopi Hari ou do Beto Carreiro World.
Da maneira como age, Serra faz da capital paulista um grande palanque não para as mudanças que a cidade precisa, mas para o seu partido, que governou o país por oito anos e sonha em voltar ao topo do Executivo nacional, se possível com ele no comando, a partir de 2007.
Do alto de sua capacidade gestora, o tucano precisa saber separar o cargo partidário que exerce do cargo eletivo que almeja, porque essa divisão, muito embora ele possa pensar o contrário, o eleitor paulistano, que convive com a violência, o trânsito, as enchentes e acompanhará as inaugurações que a gestão Marta Suplicy têm programadas até o final do ano, saberá separar o que é um projeto que poderá melhorar a sua vida do que é um projeto que poderá melhorar a vida do candidato Serra.

A hipocrisia tucano-malufista

Virgilio Abranches

Convenhamos que o quase fracasso petista no governo federal não pode ser generalizado. Dizer que é petista numa roda de amigos ficou parecendo crime. A rejeição à candidatura de Marta Suplicy mostrada pela última pesquisa Datafolha deve-se, em parte, ao desgaste do governo Lula. A outra parte fica por conta da própria Marta, com sua arrogância insuportável e suas taxas intermináveis. Mas sejamos serenos. Apesar dos defeitos, a prefeita fez um verdadeiro governo da reconstrução em São Paulo, que estava arrasada pela irresponsabilidade corrupta e ordinária da dupla Maluf/Pitta. Há muito o que discutir. Talvez o modelo educacional dos CEUs (Centros Educacionais Unificados) não seja o ideal. Talvez o túnel da Faria Lima não fosse tão necessário agora. Enfim, talvez talvez. Sobre as taxas especificamente: a hipocrisia tucano-malufista vai além da nossa capacidade de compreensão. O alvo predileto são as taxas. Pois bem. Ambos, Serra e Maluf, quando questionados se acabariam com a cobrança, tergiversaram e afirmaram que vão “estudar” o caso. Eles sabem _principalmente Maluf, que é especialista no assunto_ que a situação financeira do município é caótica e que as taxas são essenciais. Se Marta merece continuar no posto é uma outra história. Se ela é a melhor candidata, também é outro caso. Agora, não dá para dizer que todas as administrações petistas são um fracasso só porque o presidente da República enfia os pés pelas mãos. E não dá para aceitar impunemente os discursos oportunistas de um ex-prefeito que sabemos do que é capaz e de um homem que, mais uma vez, viu sua candidatura cair do céu sem sequer ter um plano de governo para a cidade. Comprovo o que digo: sobre Maluf, basta citar as contas no exterior. Sobre Serra: ele propôs construir paredes no Elevado Costa e Silva, o “Minhocão”. Francamente.

SABIDONA
Ainda bem que Vera Fischer é só atriz e que Lula não ouve a ela como ao Duda Mendonça. Veja o que a bela disse à colunista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, sobre a situação do país: ‘Ou alguém vem e vira um ditador, ou vai continuar assim. Homeopaticamente não funciona. O Brasil é um país de índio, de bugre”. Agora dá pra entender o Felipe Camargo. Arre.

HOJE, SÓ AMANHÃ
O presidente Lula aguarda passar as eleições municipais deste ano para fazer uma nova reforma ministerial. Talvez esteja esperando para ver quais petistas serão os perdedores para presenteá-los com cargos no governo. Foi assim em 2002, né?

A FONTE
O deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB) qualquer dia ganha o Prêmio Esso. É dele que parte a maioria das informações que abastecem jornalistas que resolvem divulgar “segredos” sobre o novo Airbus do Lula. Deve estar doido pra dar uma voltinha.

MALDADE
Dizem por aí que Lars Grael deve ser o candidato a vice na chapa de José Serra, em São Paulo. Dizem também que vai ser um governo sem pé nem cabelo. O dó.

29.5.04

Sonâmbulo

Virgilio Abranches

Alguém precisa beliscar o presidente. Solução arcaica, método absolutamente rudimentar, mas necessário em alguns momentos em que o banho de água fria não resolve. Lula já tomou vários. Do PIB negativo em 2003 ao assessor trambiqueiro com o qual dividia o teto. Não adiantou. O presidente continua vendo coisas onde elas não existem ou não vendo coisas onde elas são elementares. Lula está dormindo. Não sei se o sono dos justos, mas parece confortável. Não existe outra explicação para os discursos esquizofrênicos que o presidente brasileiro desanda a fazer pelos recantos do mundo. “Todo o nosso sacrifício não impediu que se mantivessem inalteradas ou, pior, se agravassem as estatísticas da fome, da pobreza, do desemprego, da desesperança.” Ótimo. O trecho acima foi dito por Lula na 3ª Cúpula América Latina-Caribe-União Européia, em Guadalajara, no México. Seria uma autocrítica? Se sim, desimportante, porque só falar não adianta. Mudar “todo o nosso sacrifício” que é bom, nada. Se não, é uma crítica a quem? Aos governo anteriores, que adotaram um modelo ortodoxo menos ortodoxo do que o atual? Esquizofrenia. Hipóteses: ou o presidente não descobriu o que faz um presidente quando quer mudar, ou descobriu o que faz mas não sabe como, ou vai botar os pés em solo brasileiro e promover uma revolução coerente com o que diz (o que é improvável) ou só fez mais um discurso bonito pra turma ver. A pergunta: Lula acredita no discurso bonito que faz, mesmo sabendo que na realidade ele não é tão bonito assim? A resposta: provavelmente sim. É por isso que precisa de um beliscão daqueles.

VIROU TABU
A primeira-dama se constrangeu. Recusou um convite da organização da Cúpula de Guadalajara para uma viagem, com outras primeiras-damas, a Tequila, no México. A cidade é turística e terra da bebida símbolo do país. Talvez Marisa ande lendo muito o “New York Times”.

SINGER DO DIRCEU
Será que vai chegar o dia em que Merval Pereira vai assinar sua coluna do Globo como porta-voz oficial da Casa Civil?

OS LADOS DA MOEDA
Toda notícia ruim tem seu lado bom, e toda notícia boa tem seu lado ruim. Com o crescimento do PIB no primeiro trimestre de 2004, Henrique Meireles fica fortalecido na presidência do Banco Central.

HERCULE POIROT
A tendência para a corrupção do ex-assessor do ministro Humberto Costa era mesmo imperceptível. O ministro tem razão ao dizer que foi enganado. Tão imperceptível, que mal chegou ao ministério, em agosto de 2003, e já foi rapidamente introduzido no esquema que fraudava as compras de hemoderivados da pasta. Ou Costa é muito lerdo, ou os membros da quadrilha alojados em seus gabinetes são muito espertos. Ou as duas coisas. Ou nenhuma coisa nem outra. Só mesmo o famoso detetive de Agatha Christie.

28.5.04

A moda que veio pra ficar

Marcio Pinheiro

Um juiz eleitoral de Barra Mansa (RJ) emitiu nesta semana portaria na qual determina a proibição de galhardetes - aquelas faixas horrendas com nome, números e (com a maior falta de modéstia do mundo) a foto das beldades que se candidatam- em lugares públicos. Você deve estar se perguntando: “o que eu tenho a ver com isso?”. Resposta: “A sua cidade vai ficar mais limpinha nas eleições”. Errado! Gente, já pensou se a moda pega em todo o país? Vai ser mais uma lei de fachada pra nossa coleção! Como umas e outras a que estamos assistindo.
Embora tenha gente que se preocupe com a lisura do processo eleitoral, só para termos uma idéia de como a coisa já está sendo desrespeitada, basta ligar a TV bem na hora em que você a desliga: na hora do programa “partidário”. Curioso é que nesses programas “partidários” só aparecem imagens e discursos de pré-candidatos.
A moda é antiga, mas vem se institucionalizando. Quem não lembra do “talk show” de Roseana Sarney (que era tratada só como “Roseana”, sem sobrenome, em programa também “partidário” de dezembro de 2001, quando ela chegou a alcançar posições inacreditáveis em pesquisas de opinião para a Presidência)? Ou mesmo o programa partidário do então candidato Lula, em que ele aparecia falando da infância sofrida, chorando. Coitado. Da gente!

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Outras aberrações que já começam a aparecer na TV é o uso de imagem de um membro de um partido pelo outro. O exemplo da semana foi a aparição do pré-candidato à Prefeitura de Recife do PMDB no programa do PFL! Nem pra disfarçar?! Outra aberração: 130 pré-candidatos (alguns já em campanha, aparecendo na TV) no sul da Bahia já foram considerados corruptos pelo Tribunal de Contas do Município. E ainda são mais de 5.500 municípios por aí! Medo.

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O presidente do PL, o excelentíssimo Sr. Deputado Valdemar Costa Neto já xingou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, de “Sabotador”, já pediu a cabeça do ministro Palocci...
O também liberal José Alencar, o Aureliano Chaves do Lula, não “larga mão” de reclamar dos juros nunca. E o que faz o programa partidário do PL na noite desta quinta-feira (27/5)? Exibe imagens lindas do presidente Lula no dia da posse...É a TV a serviço da conciliação.


É IGUAL, ELE FALOU
No programa “Roda Viva” da TV Cultura, há duas semanas, o pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, José Serra, disse que o PSDB está à esquerda do PT. Depois de rápidas divagações filosóficas, Serra explicou que ser “esquerda” significava gastar mais na área social. O que na comparação entre os governos petistas e tucano é quase a mesma coisa. Então, só dá pra concluir o seguinte: para Serra, PT ou PSDB dá tudo na mesma.

EFEITO HELENINHA ROITMAN
O efeito passou, mas ele voltou. O jornalista Larry Rother, que está na Argentina, escreveu esta semana no “New York Times” artigo esculachando o filme “Diários de Motocicleta” do Walter Salles. E pra variar tem coisas erradas; ele diz que o filme foi baseado em um livro, quando foi em dois, entre outras “besteirinhas”. O que só dá pra constatar que a economia norte-americana é incrível: até quem é muito ruim tem emprego.

“O PARTIDO DA ÉTICA”
Mais um político do PT é envolvido em corrupção. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o mandato do vice-prefeito de Iraceminha (Santa Catarina) Carlos Bernardi. Motivo? Corrupção eleitoral e abuso de poder econômico. Isso porque se trata do “partido da ética”, lembra? Na campanha de 2002 usava-se esse slogan com imagem sobreposta da senadora Heloisa. E agora, quem vai entrar no lugar dela pra fazer papel de santo? O Humberto Costa??!

26.5.04

O Guaraná do Lula

Virgilio Abranches

Os fabricantes do Guaraná um dia resolveram fazer o produto na versão diet para agradar aos gordinhos (que se preocupam por sê-lo), aos anoréxicos, aos diabéticos ou afins. Erraram a mão quando tentaram fazer o genético-para-obesos tão doce quanto o original. Acabou ficando mais doce, daquele enjoativo. Resultado: Guaraná diet é intragável.
Metaforizando a la Lula, o governo do PT seguiu a fórmula da Antarctica e errou a mão de sua gestão. Ao assumir um país rumo à bancarrota, com inflação galopante, juros altos e outros presentinhos da turma da PUC do Rio, os petistas tiveram que mostrar a sua versão light. Cortaram as gorduras. E fizeram bem, a princípio. Abandonaram o esquerdismo irresponsável, aquela coisa albanesa de não pagamento da dívida externa, rompimento imediato com o FMI e outras idéias que as Heloísas Helenas da vida pregavam por aí porque não tinham a menor responsabilidade sobre o futuro do país. Falar é fácil. Basta ter boca e não ser mudo. Na sua versão light inicial, o governo petista cortou o açúcar, dosou os exageros. Mas, tal qual no refrigerante, o corte de um exagero levou a outro. Os Paloccis dos Palácios não conseguirem uma dosagem na medida. Deixaram o radicalismo da esquerda irresponsável e passaram ao radicalismo da direita psicopata. Tentaram transformar um líquido amargo em doce e exageraram no açúcar. Ficou enjoativo. Provavelmente a versão diet do Guaraná não foi feita por um gordinho que vá tomá-la.