27.11.05

O teatro dos interesses

Caio

Gushiken era ministro do núcleo duro do governo. Influente e poderoso, comandava toda a comunicação federal. Caiu depois do desgaste sobre as acusações de que a empresa da qual foi sócio teria ampliado a receita de contratos com fundos de pensão. Na verdade, não foi bem uma queda, mas uma perda de status de ministro da Secretaria de Comunicação de Governo para a atual chefia do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência. José Dirceu caiu também. Suspeito de ser o mentor de outro suspeito, o mensalão. Genoino caiu. Não suportou a pressão pelas trapalhadas gerenciais do partido que dirigia. Não é suspeito de muita coisa. Sabe-se que assinou sem ler, não executou, não fiscalizou e foi para a rua. Pesa sobre ele a anuência com o caixa 2, fato que ele diz que não sabia e a ninguém finge que acredita. Isso porque queria governar São Paulo. Passou.

Apenas quem não “passa” aqui é Palocci. E as acusações contra ele são muitas. Por falta de espaço, elenco as principais. A mais grave vem da Polícia Civil e do Ministério Público. De acordo com as instituições, já há provas para indiciá-lo por peculato e formação de quadrilha, sob a acusação de que houve superfaturamento dos serviços de recolhimento de lixo em Ribeirão entre 2001 e 2002, na primeira gestão do hoje ministro. Tem mais. Rogério Buratti, ex-assessor da prefeitura de Ribeirão, afirma ter havido pagamento de propina no valor de R$ 50 mil mensais, que abasteceriam o caixa 2 do PT. Mais uma? As pessoas próximas a Palocci, a chamada “República de Ribeirão”, estão imersas em denúncias. Juscelino Dourado, ex-chefe de gabinete, é acusado pelo Ministério Público de negociar com uma construtora complementos salariais a assessores da prefeitura. A ex-superintendente do Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão, Isabel Bordini, é acusada de superfaturar contratos. O secretário de Palocci, Ademirson Ariovaldo, trocou mais de 1500 telefonemas com Vladimir Poleto, protagonista de uma dos mais constrangedores episódios da CPI dos Correios: a divulgação do teor de uma fita com uma conversa durante seu depoimento, em que contradiz o que dissera minutos antes.
Olhando o cenário de fora, nada em muito diferencia Palocci, Genoino, Dirceu e Gushiken. Os três são petistas-raiz, cresceram com o partido e tiveram papel fundamental na eleição de Lula e em boa parte de seu governo. Agora, por que raios os outros caem e Antonio não cai, se, tanto como os outros, pesam contra ele acusações fortíssimas e se cercaram de gente esquisita?

Por partes, que ajuda a tentativa de elucidação. Primeiro é preciso considerar o fator interno, que também pode ser chamado de fator Lula, ou fator reeleição. A condução da política econômica, apesar de levar a sua parcela de crítica, é o que segura o governo naquela parcela do eleitorado que foi determinante para a vitória de Lula em 2002: o mercado. Ok, é muito genérico e clichê falar “mercado”, mas entenda-se aqui, basicamente, grandes empresários e banqueiros. Infelizmente, o país depende muito desses tipos e caso a economia não os servisse, áqueles a quem os servem no Congresso já teriam, talvez, derrubado o presidente. A manutenção da restritiva política fiscal e da conservadora política monetária interessam, pois, a gente poderosa. Um processo de desestabilização do Ministério da Fazenda colocaria em xeque os conceitos financistas aplicados desde a Era FHC e mantidos no atual governo. Logo, mexer com Palocci é mexer com grandes interesses. Prova disso é o abalo que o mercado tem tido nos dias de depoimento do ministro no Congresso. Além disso, é nítido que a oposição quer evitar que a política econômica dê uma guinada à esquerda em pleno ano eleitoral, já que isso poderia se transformar em forte capital político para os petistas.

Tudo isso explica o carinho com que a oposição trata o ministro, mesmo estando ele tão sujo como seus partidários e ex-companheiros de governo. Porque é muito, mas muito difícil crer que pefelistas e tucanos não batem em Palocci apenas por considerarem boa a gestão por ele comandada da economia brasileira. Invertam-se os papéis. Estivesse Palocci em outra pasta, elementar que não teria o mesmo tratamento. Já estaria na rua. Estivesse ele na mesma pasta, mas com atuação mais desenvolvimentista e menos monetarista, seria interrogado com punhos de veludo?

Passemos a outro ponto, agora o fator reeleição. A celeuma principal entre Dilma e Palocci é quanto à execução orçamentária. Dilma deu uma entrevista ao “Estado de S. Paulo” em que criticou os rumos da economia. Palocci foi à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e disse que a ministra estava errada. Lula deu exemplos de mal-chefia e preferiu deixar a bola de neve crescer. Com o olho em sua reeleição, quis testar como se comportariam o mercado, a oposição e a mídia com o risco Palocci-fora. Concluiu que seria melhor mantê-lo e, simultaneamente, fazer sensíveis alterações na economia: atender ao paloccismo e aumentar o superávit primário e atender à escola Dilma e aumentar a liberação de recursos para investimentos. O resultado final foi um mix entre essas duas conjunturas. Mantém-se Palocci no cargo e a confiança do alto capital continua sustentada. Atende-se aos suplícios de Dilma, avançam-se a execução de projetos e tenta se mostrar em 2006 que esse governo faz.

O diabo é que Lula poderia ter feito tudo isso sem o estardalhaço que o episódio causou nessas duas semanas. Mas em se tratando de um tabuleiro onde o comportamento de todas as peças _situação e oposição_ visam as próximas eleições, a prudência no trato político mais uma vez é esquecida é dá lugar aos interesses pessoais. O presidente quer jogar no fogo o que as instituições pensam da economia que chefia, a oposição quer proteger quem a sustenta e evitar uma gastança em ano eleitoral que beneficiaria o PT.

18.11.05

Na cidade campeã, PSDB nasceu de briga pelo poder local

(Publicada no Valor Econômico)

Caio

“Foi aquela correria para lá e para cá. Fizemos mutirão, o pessoal procurava a gente, a gente ia na casas, e fomos filiando.” Assim o tucano Jones Roberto, secretário de Saúde de Sítio d’Abadia (GO), relata o episódio que fez desta pequena cidade próxima à divisa entre Goiás, Minas Gerais e Bahia a localidade do Brasil com maior número de tucanos em proporção ao eleitorado. Lá, um em cada cinco eleitores é filiado ao PSDB, em decorrência de uma disputa local pelo comando do partido do então recém-eleito governador Marconi Perillo.

A primeira eleição do atual governador goiano, em 1998, foi o que impulsionou a disputa. No ano seguinte a sua vitória, um dos dois grupos políticos da cidade, ligado ao PPB (atual PP), vislumbrou na fundação do partido de Marconi na cidade o melhor meio para retomar a prefeitura, perdida três anos antes para os rivais do PMDB. Percebendo a manobra, os pemedebistas, liderados pelo prefeito, resolveram também entrar na disputa pelo controle do PSDB local. O resultado foi uma guerra. Quem filiasse mais, teria automaticamente mais votos na eleição interna. “Gente do PPB e do PMDB foi filiando para o PSDB”, relata Roberto, à época do grupo pepebista, que acabou derrotado, segundo ele, com auxílio de tucanos de Goiânia. “Nossa turma ia pedir ajuda para os assessores em Goiânia, mas daí eles acabaram vendo que o grupo do prefeito tava com o poder na época e preferiram eles, que já tinham uma infra-estrutura existente. O que o governador fez com a gente foi fogo. Nós demos o partido para ele e ele nos deu o inimigo.”

Essa lógica de que partido bom é o partido do governador não é nova na cidade. Nos anos 90, os prefeitos de Sítio foram do PMDB, partido dos ex-governadores Íris Rezende (1990-1994) e Maguito Vilela (1994-1998). Com a derrota do PMDB para Marconi em 1998, as forças políticas locais buscaram formar o que em breve seria o novo partido forte no Estado, o PSDB. Roberto explica essa avidez por integrar o partido do governador: “Quando você ‘tá fora’, você recebe benefícios. Por exemplo, o governo manda 100 cheques-reforma para a cidade. Quando você é ‘do lado deles’ tem chance de receber o triplo disso. Tem cidadão que é oposição que não consegue nada.” E relata ainda como o PSDB exerce sua hegemonia local: “PFL, PL, PPS e PTB. Isso é tudo controlado pelo PSDB. Se a gente fizer uma coligaçãozinha PFL e PSDB, ganhamos a eleição, mas ficamos com dois, três vereadores. Se juntar com todo mundo, a gente ganha a eleição e a Câmara dos Vereadores”.

Essas artimanhas, porém, não são suficientes para o êxito eleitoral no Sítio . Condição necessária é obter o apoio de lideranças que detém votos de grandes grupos de eleitores, caso da família Moura, ou “os mineiros”, como são conhecidos. Dentre irmão, tios, primos e sobrinhos, são quase 100 eleitores que sempre votam em bloco, o que, em um colégio eleitoral com pouco mais de 2,3 mil eleitores, faz grande diferença. Provenientes de Unaí (MG), o primeiro a chegar da família foi Joaquim Antero de Moura, de 59 anos, que se instalou no local em 1972 em busca de trabalho na lavoura. O ingresso na política aconteceu em 1986, quando o irmão de Joaquim, Aníbal, elegeu-se vereador e deu início a uma espécie de dinastia no Legislativo da cidade, pela qual sempre um “mineiro” marca presença na Câmara. Aníbal foi o primeiro. Outra sina dos mineiros é o fato de sempre apoiarem quem vence as eleições para prefeito, caso de 2004, quando fecharam com o tucano Kesser Reis.

No entanto, esse apoio pode ter o primeiro revés da história da família e da cidade, com a cassação do mandato do prefeito do PSDB. O Ministério Público do Estado de Goiás move contra ele uma ação de impugnação de mandato pela suposta compra de votos de um casal que vive no Povoado Capão, a 35 km do Sítio . Kesser teria oferecido R$ 1 mil mais um cheque-moradia (programa social do governo do Estado) no valor de R$ 1,5 mil. Nos autos do processo, que tramita em Alvorada do Norte (GO), o procurador eleitoral afirma que “no caso, fica patente que a opção e a liberalidade do voto do casal foram contaminados, exclusivamente, pela exploração de sua pobreza e falta de instrução”. Os advogados do prefeito afirmam que houve apenas uma proposta de trabalho na campanha, na qual não foram mencionados valores.

Tocantins e Goiás lideram filiação tucana

(Publicada no Valor Econômico)

Dezessete anos depois de surgir em SP e Minas, PSDB tem o maior peso de filiados no Norte e Centro-Oeste

Caio Junqueira

O PSDB realiza amanhã sua oitava convenção nacional para eleger seu novo presidente, o senador Tasso Jereissati (CE), como um partido radicalmente distinto daquele que, em 1988, foi fundado por dissidentes pemedebistas em desacordo com os rumos do então partido forte do governo José Sarney. Naquele ano, a recém-criada agremiação concentrava sua força nos Estados de São Paulo e Minas Gerais, de onde vinham seus mais importantes quadros, como os senadores paulistas Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas, e os deputados mineiros Pimenta da Veiga e Célio de Castro.

Além disso, a metade da primeira bancada tucana na Câmara dos Deputados era originária dos dois Estados. Também foram neles que os tucanos conquistaram, no mesmo ano, suas três primeiras importantes prefeituras: Belo Horizonte, Contagem e Bauru. Passados 17 anos, a legenda supera 1,1 milhão de filiados espalhados em 97% dos municípios do país, em um processo de crescimento que avançou principalmente para as Regiões Norte e Centro-Oeste e se consolidou nos grotões brasileiros. Hoje, os Estados com maior número de tucanos em proporção ao eleitorado, conforme levantamento feito pelo ValorData, são Tocantins e Goiás. A quinta e a oitava posições estão, respectivamente, com Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A presença de fortes lideranças nesses Estados colaborou para esse novo cenário nacional da sigla, caso do ex-governador tocantinense Siqueira Campos e do atual governador goiano Marconi Perillo, que acabaram por jogar os Estados-raízes tucanos para baixo no ranking: São Paulo aparece na 16 colocação e Minas, na 12. Outro importante Estado na fundação, o Paraná do então senador José Richa, está em 10.

É certo que essa pulverização tucana rumo ao oeste do país em muito se deve ao inchaço ocorrido na era FHC, em que o partido saltou de 400 mil filiados em 1994 para 1 milhão em 2003. No caso do campeão Tocantins , pelo menos, a oposição petista na Assembléia Legislativa aponta o período entre 1995 e 2002 como negro na política regional. “O que tem de pior na política brasileira o PSDB fez aqui. Houve intensa utilização da máquina administrativa. Distribuiu-se uma rede de cabos eleitorais pelo Estado que detém muito poder. Um cabo eleitoral tucano aqui faz qualquer opositor entrar em dificuldade. A oposição se definhou, muitos capitularam”, afirma o líder do PT na Assembléia tocantinense, José Santana. As acusações são rechaçadas pelo senador Siqueira Campos, o Siqueirinha, filho do ex-governador. Apesar de ressaltar realizações das três gestões de seu pai à frente do governo estadual, como a construção de rodovias e a disponibilização de água tratada em 100% dos municípios, remete o crescimento do partido no Estado ao período posterior a 2002. “Crescemos na oposição. A presença de lideranças nacionais do partido no Estado e a fragilização da oposição com a onda de denúncias de corrupção colaboraram para isso”, diz.

Se o PT e o PSDB do Tocantins discordam quanto às razões de seu Estado ter a maior base tucana do país, a análise da história do partido nas dez cidades em que têm maior número de tucanos do Brasil revela a acomodação do PSDB à política do grotão. É o caso de Senador Cortes (MG), a quinta no ranking, onde o PSDB passou a ter atuação após uma “refundação”, em 1994, por um grupo de vereadores. “O prefeito era do PFL, mas dominava uns seis, sete partidos. Por aqui eles têm essa prática de pegar gente de confiança que nem é ligada à política e colocar no diretório para ter maioria. Tomam o partido, que fica imobilizado. Então recorremos ao diretório regional, que nos permitiu compor uma nova Executiva municipal”, relata o ex-vereador Herminio Guterres, que integrava o grupo e passou, então, a comandar a sigla. A base, porém, só veio a inchar em 2002, fruto de uma disputa local pela presidência tucana. Guterres, que venceu novamente, conta a estratégia de seu grupo. “Fizemos reunião no clube, convidamos o pessoal. Vinham famílias inteiras. Fizemos tipo uma convenção, colocamos frase de impacto, cartazes, e depois teve um forró, um churrasquinho, e o pessoal foi aderindo.”

Em Santa Isabel (GO), a terceira no ranking, a lista de filiados teve por base a de eleitores. Quem conta é uma das fundadoras, a professora Selma Maria da Silva. De acordo com ela, em 1995 uma pessoa remeteu a lista de todo o eleitorado santa-isabelense ao Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, como se todos fossem filiados ao PSDB. “Ele chegou aqui com um edital do diretório estadual afirmando que havia sido nomeado presidente de uma comissão provisória. Fez outro livro de ata, pegou o que eu tinha feito e sumiu. Tirou cópia do rol de eleitores e encaminhou ao TRE, falando que era de filiados. Excluiu apenas presidentes e vereadores de outros partidos. Quando fui ver, o partido tinha mais de 2 mil filiados, quase o mesmo número de eleitores na época.” O responsável pelo ato, segundo ela, foi Manoel da Silva, cuja família possui propriedades na cidade. Não se sabe, porém, seus interesses. O Valor contatou o diretório estadual goiano, que afirmou desconhecê-lo, mesma informação fornecida pelo gabinete do deputado Rubens Otoni (PT-GO), para quem Manoel teria trabalhado nas eleições municipais de 2004 em Anápolis (GO).

Casos de corrupção também fazem parte das cidades mais tucanas do país. Localizada em histórica zona mineradora do Estado, a pequena Fortaleza de Minas assistiu à prisão do seu último prefeito, do PTB, junto com o ex-vice e o ex-contador da prefeitura, ambos tucanos. Segundo Rodrigo Colombinio, promotor de Jacuí (MG) responsável pelo caso, eles são suspeitos de montar um esquema de desvio de recursos por meio de fraudes em licitações, que teria causado um rombo de mais de R$ 8 milhões aos cofres municipais. Na única cidade nordestina da lista, Vila Nova do Piauí, a história de utilização do partido para consolidar um poder local se repete. O prefeito eleito da cidade em 1996, ex-PPB, mas um dos fundadores do PSDB no município, apoiou nas eleições de 1998 um candidato a deputado estadual da coligação de seu ex-partido, que fazia oposição a ele no âmbito municipal. “Ele não votou no partido, não apoiou nosso candidato, e ainda filiou a família inteira ao PSDB para manter o controle sobre o diretório”, relata a professora Núbia Josefa da Rocha, presidente municipal do PSDB. Revoltados, os tucanos da cidade começaram a construir a candidatura de um vereador do partido para sucedê-lo nas eleições de 2000. Na convenção municipal de 1999, ambos concorreram para a presidência do partido e aí os dois lados promoveram guerra de filiações. O vereador venceu, razão por que se desfiliou por definitivo da sigla e rumou a outro partido, desta vez o PPS.

As histórias dessas cidades não são por completo vinculadas à luta obsessiva pelo poder e à superação de obstáculos para alcançá-lo. Em Potim (SP), por exemplo, nona no ranking, o PSDB nasceu pela influência do então deputado federal e estrela crescente do partido Geraldo Alckmin. Localizada próxima a Pindamonhangaba (SP), berço político Paraíba paulista, reduto alckmista no Estado. “O município era distrito de Guaratinguetá (SP) e, quando foi emancipado, em 1992, eu conhecia o Geraldo, era amigo dele, e ele nos nos incentivou. A gente sempre se espelhou muito nele”, diz o presidente municipal do partido o professor de história Luiz Antonio de Moura.

Longe dali, em Abdon Batista (SC), oitava do ranking, Alckmin é venerado, mas nem tanto por seu trabalho, que é pouco divulgado, mas mais pelo temor de que o antitabagista prefeito de São Paulo, José Serra, vença o governador na disputa interna pela candidatura à Presidência em 2006. “Aqui só se fala no Alckmin presidente, pois o Serra é contra o tabaco. Ele diz que o fumo mata, mas a cachaça mata muito mais”, afirma o presidente do PSDB local, João Francisco, fumante há 50 anos. A bronca tem explicação. Santa Catarina tem 200 mil produtores rurais, dos quais 47 mil produzem fumo basicamente em pequenas propriedades, tendo nesta atividade uma das principais fontes de renda.

Brasília (não é) para principiantes

Caio

Tarde de sol forte, 11h40. Chego ao aeroporto Juscelino Kubischek com algumas missões profissionais. A primeira dela é tentar convencer as duas mulheres da Unidas de que posso sim retirar o carro que o jornal alugou para mim, ainda que não tenha em mãos minha carteira de motorista, que já renovou em Bebedouro, mas não foi retirada, dado o fato de eu não mais aí morar. Tento usar, sem êxito, o documento que a despachante me deu. Preciso, então, ligar para uma amiga, esperar dar o seu horário de almoço, pagar um táxi para ela até o aeroporto e pronto. Tenho um Celta prata 2002 1.0 para rodar rumo ao norte de Goiás, onde o jornal me enviou para produzir uma matéria sobre as cidades mais tucanas do país. Antes disso, minha amiga me leva para um breve passeio pelo plano piloto. Ela dirigindo, claro.
A cidade, de fato, é muito bonita. Tudo planejado, tudo setorizado, tudo compartilhado. A Esplanada dos Ministérios é sensacional. Ampla, arborizada. Os palácios e seus traços, acompanhados dos espelhos d´água embelezam ainda mais. À exceção da catedral, que é cafona demais. Há o setor hoteleiro, onde (dã) se concentram os hotéis. Há o setor de mansões, setor dos tribunais, grandes vias que se entrecruzam, eixão, super quadras, postos de gasolina a cada n metros, tudo muito organizado. Organizado até demais. Mas para eles, não para nós, neófitos do Distrito Federal.

Esse limiar entre o belo e o não-belo é rapidamente quebrado com minha transformação de passageiro em motorista. No volante, e sozinho, a cidade é o terror. Após deixar minha amiga em seu trabalho, parto rumo à BR-040. Mas a sensação é de que parto mesmo para o desespero, a raiva, o incômodo da dificuldade de se transitar por aqui. “Como pego o Eixão Norte?”. “Contorna o prédio dos Correios, pega a primeira avenida, vira á esquerda, abaixa e passa pelas tesourinhas (ã?) e segue à direita”. Tento fazer tudo isso, mas não dá em nada. Parto para a segunda tentativa. “Como pego o Eixão Norte?”. “Retorna pelo eixo central (ã?), pega o primeirão balão, mas não entra nele (como?), faz uma curva quase reta (que?), volta, e vira à direita”. Novamente tento fazer tudo isso, mas novamente, nada. Pergunto então a um taxista. “Como pego o Eixão Norte?” “Volta por ali, pega a segunda a direita, vai reto, e antes do viaduto virá a direita ejá ta nele”. Faço isso. Mas antes, no semáforo, confirmo com um casal. Ia fazer o caminho errado (há duas saídas à direita no viaduto), mas ok, desta vez acerto.

A primeira impressão que ficou das explicações é que é facílimo andar aqui, mas para quem sabe. Como em qualquer lugar, diriam, mas aqui é em excesso. As explicações são dadas sempre precedidas de um “é fácil” ou “tá tranqüilo” que me irritam, dado que não me julgo tão estúpido a ponto de não conseguir me locomover com certa independência em qualquer local. Poxa, vivo em São Paulo, já rodei até na Polônia sozinho, e não consigo rodar na capital do país?
Pois bem, sigo a viagem. Percorro 250 km até Simolândia (GO), onde durmo em um hotel de beira de estrada, depois, claro, de duas paradas na rodovia para tomar água de côco, que é vendida a R$ 1. Às 7h do dia seguinte, levanto e rasgo ainda mais o cerrado até Sítio D`Abadia (GO), meu destino final, próximo à divisa entre Goiás, Bahia e Minas Gerais. Passo o dia na cidadela apurando, vou até Alvorada do Norte (GO), analiso autos de processo de cassação de registro de candidatura, bato papo com a juíza, com a promotora e pronto. Sigo de volta para Brasília, onde, três horas depois minha saga (e meu terror) recomeçam. Cansado e melado de suor, preciso urgentemente de um hotel. Preciso de água, banho, sabonete, jantar, assistir ao Jornal nacional e cama. Mas quem disse que é fácil conseguir tudo isso numa quarta-feira à noite em Brasília.

Primeiro, a dificuldade é chegar ao já malfadado setor hoteleiro. Após três perguntadas, chego lá. Agora a missão é outra: achar vaga em hotel. Tudo bem que procurar isso às 19h no meio da semana não é tão aconselhável, mas cazzo, até em Simolândia eu achei um hotel fácil, não é possível não encontrar isso aqui. O diabo é que como os hotéis estão concentrados, você estaciona o carro no estacionamento comum e sai em busca de quarto. Queria um três estrelas. Na real, até um dois estrelas servia, desde que com ar-condicionado, uma vez que o calor aqui é alto e a umidade baixa, o que dá aquela sensação de sufoco constante. Hotel Gran Bittar, tem ar mas não tem vaga. Hotel El Pilar, não tem ar nem vaga. Hotel Mirage, com ar, mas o casal que pegou o que seria meu quarto preenchia a ficha no balcão. Hotel Bittar, muito caro. Desisto dessa quadra, sigo para o setor hoteleiro sul (sim, há um setor hoteleiro norte e um sul, mas não há um leste e um oeste, o que poderia até aumentar a oferta e diminuir a minha procura). No setor sul, após duas tentativas, acho um hotel antigão, com decoração retrô, um ar-condicionado barulhento e funcionários com ar blasé. Desmaio.

No dia seguinte, outra missão. Durmo bastante, acordo tarde e vou ao Congresso. Tenho uma entrevista agendada às 15h, mas chego antes para conhecer a Câmara e o Senado. De terno, a andança começa. “Onde fica o comitê de imprensa?”. “Siga no saguão, sobe a escada, vai até o fim, faz um L (ã?) que é lá.” Só que não é lá. Ou eu errei mesmo. Afinal, o que é “fazer um L”? Uma boa pernada depois e chego no comitê. Pego minha credencial e parto para um breve turismo. Mas o Congresso parece um labirinto, com corredores, escadas, elevadores, salas, gabinetes, restaurantes, plenárias. E ninguém aqui te dá um mapa (tudo bem, mapa não, seria meio ridículo eu com um mapa da Câmara, na Câmara, na frente dos outros colegas jornalistas). Após longas caminhadas, vou para o Senado para minha entrevista. Só que preciso de outra credencial. “Onde fica o comitê de imprensa (do Senado)?”. 22o andar. Ufa, desta vez foi mais fácil. Mais fácil? Entrevista cancelada. “O quê?”. “Hoje o dia está corrido, Palocci pode cair, tem depoimento na CPI dos Bingos e o avião do senador é às 16h”, diz o assessor. Ok. Mas não quero perder o dia. Ligo para a sucursal, explico o ocorrido e me ponho à disposição para ajudar em eventuais pautas do dia. Eis que ganho duas, acompanhadas de uma boa dose de desespero (meu, evidentemente). Era o que faltava um début em Brasília com uma atuação queima-filme com a chefia daqui. No decorrer do dia, as coisas acabaram andando bem. Uma pauta caiu (sobre lei de microcrédito) e a outra deu trabalho, mas foi ok (sobre retirada de assinaturas do requerimento que prorroga a CPI dos Correios).

Tudo terminado, pego o telefone da TAM para antecipar meu retorno a São Paulo de sábado para sexta. Aqui, fica a certeza de que nessa cidade ou se vive ou não se visita. Não é para principiantes.

4.11.05

Consultas populares e seus desafios

Caio

Com a vitória do ‘não’ no referendo do último domingo, somam-se três os resultados em que o eleitorado nacional, convocado a deliberar diretamente sobre temas nacionais, decidiu pela manutenção do status quo. No primeiro deles, em 1963, a população rejeitou o parlamentarismo, regime instaurado dois anos antes. Trinta anos depois, novo plebiscito e a opção pela manutenção da república presidencialista como, respectivamente, forma e sistema de governo. No domingo, a maioria dos brasileiros novamente preferiu não mudar as regras vigentes e permitiu a continuação do comércio de armas no país. Embora não se possa dizer que a população tenha um caráter conservador, visto que nas ocasiões em que consultada, nada alterou, esse fato está longe de ser algo depreciador ou restritivo do instrumento das consultas populares, em especial ao se considerar que, nas três vezes, o fator conjuntura sócio-política foi determinante nos resultados.

Explica-se. Nos anos 60, o parlamentarismo foi visto pela população como um artifício golpista para diminuir os poderes do então presidente de esquerda João Goulart. Em 1993, a facilidade da queda no ano anterior de Fernando Collor de Mello derrubou o principal argumento dos parlamentaristas de que no presidencialismo não se derruba presidente. E, neste ano, a falta de uma eficiente política de segurança pública em todas as esferas de governo aliado ao atrelamento do voto “sim“ ao governo federal, imerso em denúncias de corrupção, também colaboraram para manter a linha anti-reformista do eleitorado.

Como é patente que qualquer ida de cidadãos às urnas, para votar ou para “opinar”, é naturalmente contaminada pela conjuntura, o que se concluiu é que a não-alteração das regras vigentes pela terceira vez no país não significa que nas próximas vezes o comportamento será o mesmo, tampouco que o instituto (plebiscito ou referendo) será banido. Muito ao contrário. Em se considerando a quantidade de projetos sobre consultas populares tramitando no Congresso, os brasileiros podem se preparar para mais consultas em assuntos diversos: aborto, financiamento público de campanha, voto em listas partidárias, criação de Estados, unicidade ou pluralidade sindical, redução da maioridade penal e transposição das águas do rio São Francisco (essa, específica para os estados afetados). Há temas específicos como a escolha do valor do limite máximo dos benefícios concedidos pela Previdência entre R$ 2,4 mil, R$ 3,6 mil e R$ 4,8 mil, ou sobre a forma como devem ocorrer os processos licitatórios da Agência Nacional de Petróleo.

O número de propostas e o seu caráter genérico revelam o sentimento no Congresso de que a democracia participativa ganha força no país, em um movimento que segue o de outros países, em especial da América Latina. A partir da redemocratização na região, os vizinhos Chile, Bolívia, Argentina, Uruguai e Venezuela recorreram à população para discorrer sobre temas importantes como privatização de estatais e permanência de seus chefes de Estado. No Brasil, atualmente, apenas o Congresso pode convocar a população para plebiscitos e referendos, mas há projetos que pretendem flexibilizar essa regra. É o caso da proposta de emenda constitucional do deputado Babá (PSOL-PA), que dá à população a possibilidade de auto-convocação mediante a assinatura de 1% do eleitorado nacional. Outra idéia, também defendida pelo PSOL, é a do plebiscito revogatório de mandatos, pelo qual a população opta em manter ou retirar do cargo o governante.

Este arsenal de projetos de consultas e sobre consultas endossa a idéia de que, mesmo com a vitória do “não” que, mais uma vez, manteve uma norma, as consultas populares tendem a aumentar no país. Um paralelo pode ser feito com a derrota da Constituição Européia no referendo realizado em maio deste ano na França. Da mesma maneira como aqui, houve uma força inicial do “sim”, mas o desgaste do governo Chirac impulsionou o “não”, que recebeu 55%. Nem por isso o instituto da democracia direta está sendo posto em questão na Europa.
No entanto, há resistências às consultas populares que podem frear esse processo de amadurecimento. Sabe-se que propostas que envolvem maior representação e participação popular nas decisões do país são, ainda que de forma velada, rejeitadas por boa parte dos parlamentares, que ficam omissos ao tema, faltam em reuniões das comissões relacionadas ao tema, de forma a evitar que o quórum necessário seja constituído. Um exemplo desse tipo de atitude ocorre na Comissão Permanente de Legislação Participativa. O órgão, criado em 2001 para avaliar e encaminhar outro item da democracia participativa, os projetos de lei de iniciativa popular, sofre desde o início com o descaso da maioria dos deputados e partidos. Como é “feio” ser antidemocrata, a oposição, como acima dito, é camuflada e manifestada, por exemplo, na distribuição das quotas partidárias para as comissões permanentes da Casa. Os deputados nunca querem participar do órgão, encarando a missão como um castigo.

Ressalte-se que as resistências à democracia participativa também vêm daqueles que são, em tese, os maiores beneficiados desses instrumentos: os eleitores. Vários depoimentos de populares pôde ser vistos na mídia acusando o Congresso de jogar para a população uma responsabilidade que “não lhes cabia”. Isso resulta, sem dúvida, não do instrumento da consulta popular em si, mas da falta de amadurecimento político da média da população brasileira e também da forma despropositada com que o primeiro referendo do país foi jogado ao país, com conflito de dados, discussão rápida e sem que, nem os “esclarecidos” soubessem ao certo o que resultaria de uma ou outra opção. Tudo ao final ficou restrito a um jogo de interesses e sem qualquer menção às causas de fundo da violência, como a falta de uma educação pública decente, a marginalização, o preconceito, desemprego e a injustiça social.

Além da imaturidade política da maioria dos eleitores e da falta de vontade do aprofundamento do debate e do cerne dos problemas, outros fatores colocam em xeque a eficiência das consultas, como a delegação da decisão de temas importantes a uma maioria momentânea que pode ter uma opinião cambiante sobre determinado assunto. Também preocupante é a atuação de poderosos grupos econômicos no direcionamento dos resultados, fato muito visto nos Estados Unidos, em que a força do capital é altíssima e determinante nas consultas populares. Caso da Califórnia, Estado que usa com freqüência essas consultas. No próximo dia 8, seus cidadãos vão às urnas para decidir sobre diversos temas, dentre os quais a liberação de alguns medicamentos. Não precisa muito esforço para imaginar o lobby que a indústria do setor montou em prol da aprovação do que lhe interessa. Há ainda o personalismo de alguns governantes que, sob uma aparência democrata, mobilizam massas por meio de consultas para perpetuar o que bem quiserem, em uma forma de autoritarismo democrático.

Há, evidentemente, um mito de que quanto mais o povo for às urnas mais forte será a democracia. Isso, porém, deve ser visto com ressalvas. Uma democracia forte é feita com as salvaguardas necessárias que impeçam que outras forças que não os cidadãos se façam presente, como o dinheiro, a ignorância ou o ego. Saber balancear as situações de forma a preservar a vontade da maioria sem prejudicar a minoria dissonante é a virtude de um país democrático. Estamos longe disso, mas o amadurecimento só virá quanto maior e mais freqüentes forem os debates.

Nossos políticos adolescentes

Caio

Pareciam cenas de recreio de colégio, com os valentões, os grosseiros e os sem educação. Começou com o líder tucano no Senado, Arthur Virgílio (PSDB-AM), sempre armado para a guerra e para o afronte, agora macho até as unhas para bater no presidente da República por uma suposta espionagem do governo federal em cima de seus filhos. Depois foi a vez do projeto de avô, ACM Neto, também ameaçar bater no presidente por também estar sendo, supostamente, espionado. No vácuo dos dois, a senadora Heloisa Helena, nobre representante da esquerda, mas que de tão esquerda por vezes se confunde com a direita, na mostra de que um lado e outro muitas vezes podem estar juntos quando extremados no trato de seus interesses próprios (lembre-se aqui que a Itália de Mussolini, de “direita”, era tão absolutista quanto a União Soviética de Stálin, dita de “esquerda”).

Aos bravos parlamentares somou-se o acanhado e escapista Lula, que chamoujornalistas de sem educação por terem berrado perguntas a ele dentro do Planalto, em uma clara manifestação de desapreço pela prestação pública de contas à população. Fato esse que Lula, ou melhor, sua assessoria, mudará daqui para a frente, a começar pela próxima segunda-feira, com a participação no programa Roda Viva. Mas se engana quem pensa que o presidente se arrependeu por sempre ter evitado falar à imprensa nos três anos de governo. Sua ida ao programa pode ser considerada o começo da campanha para 2006, já que é difícil imaginar candidato que evite a imprensa, ainda mais quando se trata de reeleição, em que a prestação de contas de governo é o cerne do discurso dele, e da oposição.

Voltando, porém, aos colegiais, o que se nota no comportamento político brasileiro é algo quase que adolescente, de gente que mente, enfrenta, foge, xinga, bate, arrepende-se e se prostitui (com ou sem dinheiro) com a mesma facilidade que pensam não fazer nada disso ou que pensam perceber que ninguém nota a infantilidade dos seus atos. E que muitas vezes o efeito de toda a bravata agressiva pode ser contrário, já que ninguém gosta de ver marmanjos de ternos com mandatos eletivos envoltos a um jogo de ameaças físicas e verbais. Na mesma linha, perde Lula ao faltar com educação com jornalistas que ali estão a trabalho e que podem usar de seus veículos para um contra-ataque desfavorável, como fez o Jornal Nacional na data do ocorrido, ao atacar a atitude do presidente para uma audiência de 50 milhões de brasileiros.

Misturar política com adolescência é uma péssima opção, ainda mais em um país com baixa oferta de gente decente e alta demanda de cargos políticos, o que acaba por criar um déficit de pessoas capacitadas para exercer cargos no Legislativo e no Executivo.

Talvez a agressividade do senador Arthur Virgílio tenha sido inspirada na delicadeza do ato de seu filho, que há cerca de um ano foi preso por atentado ao pudor e desacato a autoridade por abaixar as calças e urinar em plena praça pública de Manaus. Ressalte-se que o ousado tucaninho é deputado estadual e tinha, à época, 25 anos.

Também é bom lembrar que Lulinha, filho do presidente Lula também deu de malandro ao receber, em janeiro deste ano, um investimento de R$ 5 milhões da Telemar, que tem empresas públicas como acionistas. Em ambos os casos, fica difícil saber se a influência veio de baixo para cima ou de cima para baixo.

O fato é que toda essa confusão politicagem-molecagem não é tão nova. Reflete, em seu viés profissional, um modo de ser dessa espécie “político brasileiro padrão”. Por outro lado, é algo que chega a ser explicado pelo próprio desenvolvimento da sociedade moderna, que passou a produzir um outro tipo de adulto, mais voltado para a satisfação dos seus instintos do que para os seus deveres morais e com a sociedade em que vive. Algo em sentido semelhante ao que diz o sociólogo inglês Frank Furedi aponta em artigo publicado no caderno Mais! da Folha de S. Paulo. No jornal, diz-se estarrecido com a decadência do prestígio da vida adulta entre os jovens na Inglaterra e nos Estados Unidos e menciona que os jovens atuais não mais querem deixar a “segurança” e a “proteção” da casa dos pais ou cultivam nostalgias precoces da infância comendo bolinhos coloridos e colecionando bonequinhos. A tese pode abrigar a maioria dos políticos brasileiros, que parecem querer se furtar de suas reais responsabilidades assumindo comportamentos infantis. São adolescentes ligados a cargos muito maiores do que suas capacidades. Pobre do país com esse cenário.


Vergonha bebedourense


O mês de outubro foi aquele em que a hora trabalhada dos vereadores de Bebedouro rendeu bem. Houve cinco segundas-feiras no mês de outubro, mas como há aquela regrinha safada de que vereador bebedourense não pode trabalhar cinco sessões por mês, o valor da hora trabalhada aumentou no mês passado. Com as quatro sessões realizadas em outubro (e considerando que a sessão dura três horas), os vereadores receberam R$ 250/hora. Se fossem cinco sessões_ que o bom senso e o respeito ao erário pedem, receberiam R$ 200/hora. Só para comparar, segundo o IBGE, o rendimento médio MENSAL nominal do bebedourense é de R$ 656,90. Querer cobrar moralidade de corruptos nacionais, estaduais ou municipais é fácil. Duro é se autocobrar moralidade, ainda mais em pequenas coisas, aquelas que (imaginam) ninguém saberá.

20.10.05

A febre aftosa e as alternativas de modelos econômicos

Caio

A descoberta de focos da febre aftosa revela um caso evidente de contraste entre ideologia política-econômica e a vida real. Explico. A classe supostamente letrada do país tem uma ligação maior com setores à direita da classe política. Isso se comprova com a análise de resultados eleitorais de qualquer das últimas eleições. Maior concentração de riqueza, maior votação em grupos políticos vinculados à classe média e alta, como PSDB e PFL. Como exemplo, cito as eleições de 2004 em São Paulo, onde nos bairros mais afastados e pobres, como São Mateus e Guaianases, a candidata petista Marta Suplicy teve mais do que o dobro dos votos do tucano José Serra, ao contrário do glamour falido dos Jardins, onde ocorreu o inverso.

Pois bem, os setores ruralistas em geral são vinculados a partidos, em tese, de direita, com política econômica liberal e monetarista, que privilegia a produção e circulação de capital. Evidente que outro não poderia ser seu engajamento, visto que essas características são inerentes à sua atividade produtiva. Ocorre que a atenta observação dessa forma de condução macroeconômica deveria, às vezes, suscitar não o elogio e o incentivo de certos grupos econômicos _no caso, o ligado à terra_ mas, ao contrário, a revolta. E é aí que chega oa febre aftosa no rebanho bovino do país.

O atual governo segue a cartilha econômica dos anos FHC, que, por sua vez, seguiu o chamado Consenso de Washignton, com, entre outras medidas, política de metas inflacionárias e de superávit primário dentro de um padrão excessivamente liberal que interessa prioritariamente aos detentores de riqueza financeira e aos investidores de curto prazo. Nesse sentido, o ajuste a esse regime de metas leva a um bloqueio na liberação de recursos de modo que elas possam ser cumpridas. No caso da agricultura, e das conseqüências do freio na liberação de recursos, fica patente essa esquematização na análise da liberação de verbas deste ano.

Os primeiros recursos para a defesa sanitária em 2005 saíram no final de fevereiro. Foram R$ 37 milhões. Depois disso, vieram R$ 40 milhões no final de abril. Não como dinheiro em caixa, mas como limite para movimentação e empenho (ou seja, para contratar a despesa planejada). No total, saíram neste ano R$ 91 milhões de R$ 169 milhões previstos para a defesa agropecuária. O resultado está aí: perda de rebanho e de credibilidade com importadores da carne brasileira.

O curioso no episódio é justamente o fato de que o setor ruralista é, em sua maior parte, é, junto com outros grupos, forte apoiador dessa política econômica contigenciadora. Chegam a considerá-la o único setor louvável nesse governo, uma vez que o país apresenta excelentes índices de emprego, controle de inflação e produção de riqueza. É, paradoxalmente, onde se encaixam as suas convicções com os estafantes e repetitivos discursos que Lula faz em defesa da economia. Ledo engano. Visto sob a ótica internacional, a boa fase por que passa a economia é sofrível e não acompanha a ótima fase que vive a conjuntura nacional. Em uma lista de crescimento econômico entre 2003 e 2005 de quinze países periféricos, ocupamos a 13ª posição. Ou seja, apesar do mesmo impulso, o crescimento foi diferente.

O que revolta em todo esse cenário é que fomos vítimas de um estelionato quanto ao programa econômico eleitoral do então candidato Lula em 2002. Se esse governo possui relevante inclusão social em alguns programas, como de transferência de renda e de educação, por outro lado foi covarde em não acatar a tradição do pensamento desenvolvimentista brasileiro de esquerda que foi incorporado em importantes documentos políticos do PT como “Outro Brasil é Possível” e o “Programa de Governo 2002”. Essa covardia até pode ser compreensível do ponto de visto do risco que correria o país frente a uma mudança drástica, haja vista que, bem ou mal, houve alguma coisa de melhora na cartilha tucana dos anos 90, como a estabilidade da economia. Mas a que preço? Vale mais um país estável economicamente, mas que não cresce e se enche de filas de desempregados?

Olhar para o lado, nesses casos, pode ajudar. Na Venezuela, o governo Chávez investe em um modelo de desenvolvimento endógeno, com enfoque para a produção para o consumo local e nacional e o incentivo às vocações de cada região e a organização de cooperativas. Não que esse seja o modelo que o Brasil deveria adotar, já que cada país tem sua realidade. Nosso país vizinho, por exemplo, tem um histórico de dependência crônica do petróleo e precisa ajustar sua realidade econômica à sua demanda. No caso, diversificar sua economia.
Virando o olhar para o Oriente, vê-se outra alternativa econômica adequada à realidade intrínseca do país: a China. Lá, ao contrário da América Latina, que caminhou para uma economia de mercado como resposta a crises econômicas graves, os chineses se moveram ao capital por razões políticas: a Revolução Cultural, entre 1966 e 1976, e o massacre da Praça da Paz Celestial, em 1989, deixaram horror ao esquerdismo por suas características opressoras. Aliados a isso, veio o colapso soviético e a conseqüente insegurança no Partido Comunista Chinês quanto à rigidez burocrática.

Apesar das experiências ao redor do mundo, por aqui a ousadia econômica passa longe. Percebe-se, no comportamento deste governo desde a transição que uma eventual inovação no campo econômico poderia acabar de vez com todo o projeto petista de poder, visto que, se falhasse, seria a legenda eternamente condenada como autora da perda da estabilidade conquistada nos anos 90. Mas, enquanto se mantiverem as amarras ao já reduzido Orçamento brasileiro, não só a febre aftosa, como outras demais conseqüências dessa política, serão parte da vida do brasileiro. Em 2006, o eleitor poderá optar pela libertação ou não desses entraves. Poderá ser a oportunidade para aniquilar os mais de dez anos de estabilidade sem crescimento, e de, por exemplo, focos de doenças no campo em um país predominantemente agrário.

14.10.05

As cidades mais petistas do Brasil

(publicada no Valor Econômico)

Caio

Entre esses 4.637 municípios em que o PT está organizado, há um colégio eleitoral excepcionalmente petista: dez cidades espalhadas por sete Estados de todas as regiões do país têm uma média de 9% de filiados petistas em seu eleitorado. A média nacional é de 0,68%. Os números foram obtidos pelo cruzamento da lista de filiados petistas por cidade com a distribuição municipal do eleitorado. Os petistas dessas cidades votaram maciçamente no primeiro turno no candidato do Campo Majoritário, Ricardo Berzoini, salvo dois deles, que preferiram Valter Pomar. A manutenção do grupo que comanda a legenda há dez anos, porém, não embaça a postura crítica dessas localidades sobre os rumos do partido no governo. O PT surgiu nesses lugares em circunstâncias muito distintas das de sua fundação, em 1980, pela efervescência operária-sindical no ABC paulista. Hoje tornaram-se os verdadeiros ‘grotões’ petistas. São municípios pequenos, de no máximo 12 mil eleitores, e economia predominantemente agrária. A única semelhança com o petismo de 25 anos atrás é a intensa presença de movimentos sociais.

Com 12 em cada 100 habitantes filiados ao PT, Pontão (RS), a 300 km de Porto Alegre, no noroeste do Estado, é a cidade brasileira com maior número de petistas do país em relação ao eleitorado. É lá que está localizada a Fazenda Annoni, onde, há 20 anos, foi feita a primeira ocupação do Movimento dos Sem Terra (MST). O antigo latifúndio foi transformado em glebas de terra onde hoje vivem 400 famílias que participam ativamente das atividades petistas. Nas reuniões, decidem desde temas cotidianos, como o melhor atendimento da rede de transporte rural, até quais devem ser os candidatos do PT a vereador e a prefeito. Foi assim que se decidiu pela pré-candidatura do atual prefeito, Delmar Zambiasi, de 38 anos. Filho de empregados rurais que trabalhavam na Annoni, Zambiasi nasceu na fazenda e participou da ocupação. Apesar de não mais morar lá, parte de sua renda -além dos R$ 4 mil que recebe da prefeitura- vem da Annoni, com a plantação de soja e um "camping" construído nos 30 hectares que recebeu no assentamento às margens de uma bela represa. Tem churrasqueiras, piscina de azulejo (um toboágua será colocado para o próximo verão), campos de futebol e vôlei e chalés com diárias a R$ 50. A data da ocupação da Annoni- 29 de outubro - transformou-se em feriado municipal depois que Pontão elegeu, em 1996, o primeiro prefeito sem-terra do país, que foi reeleito em 2000 e passou o cargo em 2004 a Zambiasi. A bandeira do MST tem local privativo no gabinete do prefeito e na Mesa da Câmara, que também é presidida por um sem-terra. Na parte urbana do município, uma pequena avenida se estica por um quilômetro na cidade, com a prefeitura ao meio delimitando a luta de classes que os petistas afirmam haver: à esquerda da prefeitura, ficam as terras dos assentados; à direita, as propriedades das 22 famílias cujas rendas somadas são maiores que a renda do restante da população pontãuense.

A tensão do conflito agrário já foi maior na época das primeiras ocupações, mas sempre reaparecem no período eleitoral. Às vésperas da eleição, os assentamentos ficam em vigília contra os chamados "ranchos", grupo de pessoas supostamente enviados por grandes proprietários rurais para trocarem cestas básicas por votos. Após as últimas vitórias eleitorais, houve atentados: uma escola e um posto de saúde foram incendiados na Annoni em 1996 e 2001, respectivamente. Neste ano, após a terceira vitória consecutiva do partido nas urnas, as ameaças por ora se restringem ao prefeito que, em uma das primeiras realizações de seu governo, desapropriou 10 hectares de uma fazenda colada à parte urbana da cidade. A crise do partido, segundo o prefeito, ainda não chegou à cidade. "As pancadas sobre o Lula não chegaram aqui e talvez nem cheguem", afirma. O otimismo pode ser explicado pelos projetos sociais do governo federal que chegam à cidade, como a distribuição de 180 bolsas-família, 60 cestas básicas e a construção de 400 habitações rurais.

Nas reuniões em que avaliam a conjuntura, os petistas locais apontam as alianças "com a direita" feitas nas eleições de 2002 e o esquecimento "do povo" após assumir o governo como principais causas da crise. "Uma coisa errada neste governo foi não governar com o povo . Perdeu uma grande oportunidade. Agora, não vejo outra saída a não ser fazer como o Hugo Chávez, que o povo segura no governo para ele fazer as mudanças", diz Odacir Valério, vice-presidente eleito do PT. No âmbito nacional, Pontão elegeu Valter Pomar com mais de 90% dos votos. No segundo turno, direcionarão essa ampla votação para Raul Pont. Os petistas de Pontão atribuem a força do partido no local às gestões dos prefeitos assentados, que, de acordo com eles, priorizaram necessidades locais como alargamento e manutenção das estradas rurais, formação de uma satisfatória rede de transporte escolar, reforma do posto de saúde e a ampliação da eletrificação rural. No entanto, o modo de operar dos petistas de Pontão são contestados pela oposição, que os acusam de privilegiar os assentados em detrimento do restante da população. Também apontam um empreguismo exagerado e falta de transparência administrativa. De acordo com Rudimar Banaletti (PTB), também assentado rural, mas duro oposicionista, desde que o PT assumiu a prefeitura em 1996 o número de cargos de confiança passou de 160 para 300, ocupando hoje 56% da folha de pagamento do município. "Não é que o PT é maioria aqui, é que a maioria aqui não se interessa e nem quer se comprometer", diz Benaletti.

Localizada na região do Bico do Papagaio, extremo norte do Estado do Tocantins, Sampaio é a segunda na lista das cidades mais petistas do país . No início dos anos 80, o padre Jozimo Tavares chegou ao Bico do Papagaio, onde fez trabalhos de evangelização com trabalhadores rurais que se encontravam imersos em intensos conflitos por grilagem de terra. Integrante da Comissão Pastoral da Terra e adepto da Teologia da Libertação, instalou-se para pregar na cidade que margeia o rio Tocantins e foi importante centro de distribuição dos produtos que chegavam do porto de Imperatriz (TO). Ali estava o embrião do PT na região, fruto da junção entre a Igreja e os trabalhadores rurais. Desde então, o petismo local só cresceu. Na comparação, por exemplo, com São Bernardo do Campo (SP), cidade natal do partido, Sampaio tem mais de dez vezes a proporção de petistas. Esse crescimento, porém, ocorreu paralelamente ao declínio e ao esquecimento econômico da cidade, iniciados pela construção de estradas federais nas proximidades no fim dos anos 80 e nos anos 90, tirando do rio e da cidade sua importância estratégica. Todo esse quadro não foi acompanhado por Jozimo, que foi assassinado por fazendeiros em 1986, pouco tempo depois de sua chegada ao local. Em meio à maior crise da história do partido, a terra de Jozimo cobra da cúpula petista um olhar para o passado com a consulta às bases, pilar formador da legenda. "A crise pegou todo mundo de surpresa aqui. Ninguém imaginou tudo isso. A gente sempre trabalhou pelo partido, com poucos recursos, no sufoco, e fomos esquecidos. Todas as informações que tivemos foram pela imprensa. Ninguém falou conosco, parece que a gente trabalhou à toa. Construímos o partido com camadas populares, com setores realmente comprometidos com a transformação do país. Queríamos que esse debate fosse ampliado, que fossem ouvidos os que estão há 25 anos na luta, os que se sacrificaram. Queríamos ser ouvidos. Isso tudo que está acontecendo é muito triste", afirma Carlos Luna, 33, integrante da Executiva municipal de Sampaio. De acordo com ele, nos encontros regionais que precederam as eleições internas do PT houve um consenso de que a antiga cúpula envolvida nas denúncias de corrupção deve se explicar às bases enquanto a nova cúpula que vencer as eleições neste domingo deve expulsar os petistas comprovadamente envolvidos."Tem que ter coragem para chegar e dizer às pessoas que elas não correspondem mais às expectativas."

Avaliação semelhante tem José Maria Rigo, presidente recém eleito do diretório de Floriano Peixoto (RS), o quinto município com mais petistas do Brasil. "O partido cresceu muito rapidamente e foram entrando pessoas descompromissadas com as raízes do PT", afirma. Apesar das críticas dos dirigentes de Sampaio e Floriano à forma como partido cresceu e ao esquecimento da consulta à militância, em ambas as cidades o Campo Majoritário, tendência que controla o partido há mais de dez anos, venceu as eleições com a quase totalidade dos votos. Os sampaienses deram a Ricardo Berzoini 95% dos votos, enquanto os florianos o elegeram com 90%. Rigo, porém, nega ter havido em sua cidade a filiação em massa incentivada pelo Campo em nível nacional. "Aqui o crescimento foi automático, decorrente das políticas públicas que implementamos". As melhorias a que o dirigente se refere são a finalização da eletrificação rural e a construção de poços artesianos em quase todo o município de Floriano Peixoto, medidas importantes em se considerando o caráter disperso deste pequeno município gaúcho, distante 300 km de Porto Alegre, com população basicamente descendente de imigrantes alemães e poloneses espalhados em 16 comunidades em um raio de 3 km. Antigo distrito de Getulio Vargas (RS), o petismo local nasceu com o movimento de pequenos agricultores contra a barragem de Machadinho (RS), cuja construção alagaria 30% da área do então distrito. Emancipada em 1997, a cidade passou por duas administrações petistas, mas perdeu a última. A alguns quilômetros dali fica Xavantina (SC), que apresenta traços parecidos com Floriano Peixoto. Terceira no ranking de filiação petista, vive da agricultura e pecuária. A população de 4.100 habitantes se espalha por 15 comunidades e descende, na maior parte, de imigrantes italianos, poloneses e alemães. Lá, o PT nasceu do movimento sindical agrário e, ao contrário de Sampaio e Floriano Peixoto, nas eleições internas Valter Pomar venceu Ricardo Berzoini.

Longe do ambiente agrário e do sul do país, também houve espaço para o forte crescimento do PT. Foi em Icapuí, cidade cearense limítrofe com o Rio Grande do Norte que tem economia focada na pesca de lagosta. Com quase 100% de filiados pescadores, é a quarta com mais petistas do Brasil, fato esse explicado pela cidade ter vivido sob a égide do partido durante cinco gestões seguidas. Por ter colocado a totalidade das crianças da cidade na escola, a cidade foi finalista do prêmio Município Amigo da Criança, promovido pela Unicef. Nas eleições de 2004, perdeu a prefeitura para o PSDB, mas na linha da administração Luiz Inácio Lula da Silva de abrigar petistas derrotados nas eleições, acomodou dois de seus principais líderes no governo federal: os ex-prefeitos José Airton, que foi para a Associação Nacional de Transportes Terrestre (ANTT), e Dedé Teixeira, que virou assessor da Secretária Especial de Aqüicultura e Pesca. Sobre a crise do partido, os petistas pescadores dividem suas opiniões. Uma parte culpa o deputado federal e ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu, por todas as práticas contrárias ao que a sigla previa. Outra parte crê que, ainda que esses erros possam ter ocorrido, foram feitos devido a uma "boa causa". Nas eleições internas, os votos se dividiram entre o vencedor Berzoini e a deputada gaúcha Maria do Rosário.

Se a história destas cidades revela a propagação do partido por meio de suas bases históricas, há também nas cidades mais petistas do país flagrantes de incoerência com esses traços. É o caso de Iaras (SP), única paulista na relação e nona no ranking. Distante 282 km a noroeste de São Paulo, este pequeno município com cerca de 3.500 habitantes viu o PT ser criado já em um cenário nacional de partido grande e de filiação em massa. "Sou político aqui há muitos anos. Em 2001, analisei o quadro e, acreditando que o Lula seria eleito presidente, fundei o partido. O PT nunca existiu antes aqui", afirma o bancário Edílson Xavier, ex-PTB que rompeu em 2000 com antigos correligionários. Ele trava na Justiça um embate por uma nova anulação das eleições de 2004, em que perdeu para um antigo aliado do qual fora chefe-de-gabinete na primeira gestão após a emancipação do município, em 1992. No Estado vizinho do Mato Grosso do Sul, em Caracol, décima no ranking, algo parecido ocorreu. O partido foi fundado em 1994 em decorrência de uma greve de professores do setor público municipal. Hoje, a cúpula é formada por pecuaristas. Em contraste com os feudos petistas, as cidades com o menor número de filiados da legenda não estão nacionalmente distribuídas. São município maiores, com população que varia entre 50 mil e 100 mil habitantes, concentrados no Nordeste. Paragominas (PA), é a cidade com menos petistas do país. Há 26 em 50 mil eleitores (0,052%). Na seqüência, aparecem São Gonçalo do Amarante (RN), Itapecuru Mirim (MA), Acarau (CE), Monte Santo (BA), Tutoia (MA) e Maranguape (CE).

8.10.05

A fé move rios

Caio

Em se considerando que valeu a lógica de que é melhor matar um projeto do que um homem, a greve de fome do bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, acabou relativamente bem para o governo, que, ainda que tarde, soube dar a relevância que o caso pedia e deslocou um dos seus principais ministros para Cabrobó (PE) para propor o adiamento do diálogo sobre a transposição do rio São Francisco. Também acabou bem para o bispo, que não matou a si próprio e, de quebra, deu sobrevida às discussões das obras.

O projeto, aliás, é uma babel. Afastado do eixo político-econômico do sul do país, nada sabemos e tampouco queremos saber sobre o projeto, já que por aqui temos água e outros problemas para resolver. Mas, para o governo federal, é um projeto essencial. Ali estão em jogo o futuro político do nordestino Ciro Gomes e o grande projeto social do PT para a região mais pobre do país.

Política aparte, o que chamou mesmo a atenção no episódio foi a capacidade que um jejum religioso teve de mobilizar milhares de pessoas que mal sabem quem é Ciro e PT, muito menos o que significa transposição. Peregrinaram pelo sertão nordestino em busca de algo que não sabiam, mas que queriam, visto que movidos por uma fé cega que lhes direcionavam diretamente ao bispo, o candidato à martir que poderia lhes fornecer não mais que uma benção, uma atenção, uma voz.

O processo ali ocorrido foi semelhante ao da formação dos outros mitos regionais, como Padre Cícero e Antonio Conselheiro. Imersos na miséria que os faz ignorantes, suados e sofridos sob o sol escaldante, o cenário pobre ao qual a parte rica do país pôde acompanhar com emoção contagiante contrapunha com a luta solitária de um homem letrado, o bispo, apoiado por uma massa em busca do seu Dom Sebastião, completamente desconectada com a causa da luta dele, mas que, mesmo assim, chegaram até a, ao seu lado, iniciar também um jejum. Erro, pois, o bispo dizer que os "letrados" não entendiam a sua luta, apenas o "povo simples". Oras, esse "povo simples" mal sabia o que fazia lá. Rezavam, louvavam, como fazem sempre, eis que a saída para a vida ingrata que levam. Carência de mitos de um povo, pois.

O que é mais correto dizer é que qualquer um entende a luta do bispo, dentro, evidentemente, de suas realidades. Se aos sertanejos há uma intensa paixão, no sentido bíblico do termo, aos letrados, de uma forma geral, há respeito pela bravura de passar dez dias sem comer, apesar do desinteresse pela causa. Isso, claro, se considerarmos parte desses letrados, já que muitos assistiram ao espetáculo da devoção como uma novela das seis, sem os toques da dramaturgia global, o que, na verdade, até pode ter desagradavel, já que muito pobre junto não enche os olhos de ninguém. Ou enche. De desgosto.

A greve de fome, como qualquer forma de protesto, é válida. Ela pode até ter ares de uma arrogância pacífica, haja vista que, levada até o fim, alguém morre, mas deixa a grande derrota para o adversário. Nesse sentido, cabe questionar o posicionamento de parte da Igreja ao condenar a atitude. Essa conversa de que ninguém é senhor da própria vida merece uma boa dose de relativismo, ainda mais quando se sobrepõe à essa vida a causa que a sustenta. Assim, para pessoas que têm uma motivação a lhes conduzir, por vezes maior que qualquer outra coisa, até mesmo a própria vida, vale dela abdicar.

Não tenho filho, mas não conheço um pai ou mãe que não daria a sua vida pela dos filhos. Transpondo-se isso para o bispo Cappio, que chegou a Bahia em 1974 só com a roupa de frei e o hábito de franciscano _sequer tinha documentos, o que fez com que a ordem franciscana confirmasse sua identidade, é compreensível sua atitude.

É direito da instituição religiosa questionar os atos de alguém de alto cargo como um bispo, mas a instituição também deve ter a humildade de delimitar e se perguntar até onde quer e pode chegar sua influência. A Igreja, perita em marketing há 2.000 anos, deve reconhecer a greve de fome do bispo com esse mesmo efeito marqueteiro. Ele conseguiu chamar a atenção para os supostamente esquecidos nos debates da transposição do rio São Francisco, e surtiu efeito, com o adiamento da execução da obra. Sua luta foi em vão? Evidente que não.

O quanto o governo cederá em relação ao projeto original ainda é dúvida. Alguns movimentos sociais, como o MST e a Comissão Pastoral da Terra já reivindicam a realização de um plebiscito sobre o projeto, que seria uma solução para o intenso confronto entre defensores e opositores do rio. Atualmente, dois projetos referentes a um plebiscito sobre a transposição tramitam no Congresso. A dificuldade maior será atrair atenção nacional para um projeto regional. Nem greve de fome conseguirá.

20.9.05

A improvável travessia petista

Caio

Após a fundação do Partido dos Trabalhadores, em fevereiro de 1980, a data mais importante para os militantes, filiados e para os que odeiam a sigla é amanhã, quando os mais de 800 mil filiados poderão comparecer às urnas para decidir o futuro do partido. Afora o independente Gegê, ligado ao movimento de moradores, e o trotskista Marcus Sokol, disputam de fato o pleito o representante do Campo Majoritário _tendência que domina o PT há dez anos e responsável por sua guinada à direita e os outros quatro candidatos da chamada esquerda do partido. Para quem torce contra o partido, o ex-ministro de Lula é o nome mais apropriado para digamos, torcer-se.

Egresso do grupo que maculou o PT e introduziu no partido práticas comuns em outras siglas, como a aceitação de recursos de grandes empresas e de banqueiros para as campanhas eleitorais, a introdução do marketing eleitoral e a adequação do programa partidário ao bel sabor das classes mais abastadas da sociedade, a tendência ruiu o PT.

A que se ponderar, porém, essa observação. Como teria o partido ruído por essas adequações se foram elas que os fizeram vencer eleições e se tornar uma máquina eleitoral? E antes, quando todo o processo era feito, os milionários valores inundavam as eleições, onde estava a inquirição de todos acerca da proveniência do dinheiro? Parece hoje muito fácil a esquerda do partido atacar a conduta do Campo, de Dirceu e sua turma, mas não é difícil afirmar que, sem elas, o caminho ao poder com o discurso de estatização, calote na dívida externa e fora FMI seria quase impossível por vias democráticas.

Com todo o decorrer da crise, entre petistas se busca sempre seu efetivo início, sem consenso naturalmente. Alguns lembram a Carta ao Povo Brasileiro, em 2002, que acalmou o mercado e os endinheirados com a promessa de garantia dos contratos. Outros vão a 2000, na imposição de Lula de que só concorreria pela quarta vez à presidência se ganhasse. Há ainda a lembrança de 1995, quando foi aceito o grande capital na campanha, ou, no mesmo ano, a não-depuração interna feita ante as denúncias do ex-petista Paulo de Tarso do suposto esquema operado pela cúpula do partido para arrecadação de dinheiro em prefeituras administradas pela legenda.

O fato é que essas medidas não devem ser vistas isoladamente, mas como parte de um processo, o qual alguns tentaram impedir e foram sumariamente expulsos_ outros fingiram que não viram, já que o que interessava era o poder, e mais outros _Campo Majoritário basicamente_ aceitavam-no como o caminho para o poder.
As opiniões expressas em geral remontam a paixões dos seus emitentes, tal qual ocorre no que por aí se prolifera em relação a crise política. Ao escutar um petista convicto defender Lula, é possível que seus argumentos sejam coerentes, baseados no ele-foi-traído-e-nada-sabia. Com tucanos e pefelistas, o mesmo, com fundamento no mas-que-presidente-omisso-ou-ladrão-é-esse.

Nesse mesmo sentido, não faz sentido torcer para a derrocada terminal do Partido dos Trabalhadores, ainda que isso possa ocorrer. Isso porque um partido, antes de se firmar por quadros ou condutas, ele é construído em meio às idéias dos seus formadores, e é aí que o PT sempre se diferenciou dos seus pares e se tornou um dos principais fatos políticos do país no século 20 (assim como seu fim pode ter o mesmo título neste início de século).

Imaginar que a cassação do registro do PT ou sua desmoralização possa abafar o que por trás dele é, ou foi, representado, é um erro, vez que o partido pode passar, mas a massa desassistida que, ao menos em tese, foi objeto de cuidado da legenda, não passará tão cedo. Os anseios dos intelectuais que formaram o PT e as demandas da população menos favorecida continuarão, ainda que o partido passe. Nessa linha, a forma de representação encontrada pelas causas embrionárias do PT pode muito bem mudar de sigla e serem abrigadas em outra casa, e aí está o PSOL em franco crescimento.
No entanto, o que pode salvar o PT, neste momento crítico, é uma vitória da esquerda do partido concomitantemente com uma adequada visão política de futuro, coisa que, convenhamos, nunca foi muito o forte dos partidos de esquerda. Basta lembrar que das poucas vezes em que um partido de operários chegou ao poder, na Itália dos anos 20, o sonho durou pouco e logo o governo foi entregue ao ditador Benito Mussolini.

Colocados lado a lado, a esquerda petista que hoje concorre se divide entre mais próxima ao Campo Majoritário (a deputada gaúcha Maria do Rosário); uma de centro, que divide sua plataforma entre críticas à política econômica e apoio a Lula (a do terceiro vice-presidente Valter Pomar); uma que apóia Lula mas tece críticas mais duras ao seu governo (a do ex-prefeito de Porto Alegre Raul Pont); e, finalmente, a de ultra-esquerda, que ataca Lula e todo o seu governo, num discurso que se aproxima do da oposição (a do economista Plínio de Arruda Sampaio).

Desse modo, assim como na atmosfera política de qualquer nação, dentro do universo petista há uma linha que vai da extrema direita (Campo Majoritário) para a extrema esquerda (Plínio Sampaio). E não é forçoso dizer que a vez da direita petista chegou ao fim. Se o modelo a que o petismo se rendeu é o utilizado ampla, tradicional e historicamente pela maioria dos partidos políticos do país, o grupo petista que fez essa escolha deve ser bem punido pelos militantes com a sua saída do comando da sigla.

Esse, frise-se, seria o primeiro passo. Reorganizar o partido com todas as premissas que o formaram respeito à diversidade de opinião e a estrutura partidária. A travessia será difícil, ainda mais com a permanência do Campo Majoritário do partido. Qualquer que seja o resultados das eleições e do período pós-eleitoral petista, a certeza que fica é de que a causa embrionária do petismo nunca lhe pertenceu, e o eventual fim simbólico do partido tampouco a eliminará. Ao contrário, dará força para que as novas tendências de esquerda aprendam como não fazer com o PT e permeiem seu trabalho por uma fidelidade às práticas que suas causas pedem.

1.9.05

A irresponsabilidade como requisito político

Caio J.

O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), foi, assim, dizer, o personagem da semana. Não que ele precise fazer muito para torná-lo. É o típico homem que aparece e acontece, perdoem-me o chavão. Mas essa semana houve algo como um superdimensionamento de sua figura, do atraso dos costumes políticos e da pieguice personalista por ele representada. Em entrevista à Folha de S. Paulo, defendeu a complacência com a corrupção. Para quem não se divertiu com a entrevista-piada-tragédia de uma página, em suma, o tosco parlamentar afirma que os deputados que comprovarem a utilização de recursos ilegais em suas campanhas merecem penas mais brandas, como uma advertência, enquanto os que receberam recursos em troca de apoio deveriam ter uma pena mais grave.

O problema em si não está propriamente na gradação de uma pena para a outra, visto que, de fato, a natureza dos são crimes diferentes. Em uma, burla-se o sistema para ter mais recursos, e, assim, mais chances de vencer a eleição. Em outra, burla-se a alma, a convicção, a ideologia ou a ausência desta stricto senso, e se troca o direito fundamental de um parlamentar e símbolo máximo da sua representação popular, o voto, por dinheiro. Ambos os casos corrompem o sistema, mas, em se considerando que um homem pode perder tudo, que continua tendo a sua alma, se esta é vendida, perde-se ela e aquele ao qual a ela se vincula.

Ocorre que aqui não se fala de um cidadão comum. O parlamentar, na atribuição de suas funções, possui um caráter diferenciado, vez que a ele é delegado o poder popular. Nessa linha, quando se vende, ou quando corrompe um sistema, seja ele eleitoral, fiscal ou até mesmo do clube a que pertence, iguala-se na quebra do que se usa chamar decoro, que nada mais é um nome chique para a quebra da safadeza implícita que não se deve deixar emergir quando se está ali, trabalhando e recebendo por delegação popular, ainda que isso seja ignorado pela maioria dos que lá estão.

Desse modo, caixa 2 e venda de voto podem até ter uma diferença no cerne de suas motivações e finalidades, mas nunca devem ter tratamento desigual quanto à gradação de suas punições. As duas devem ser vergastadas com a devida propriedade. Mas a situação é tão crítica que, como a punição exige autoridade, resta um quadro em que ficam escassas as lideranças para fazê-lo. O problema, como diz a piada corrente, não é de política, é de polícia. O presidente do Conselho de Ética, por exemplo. Soldado malufista, abateu-se durante os desvios dos recursos destinados a pagar precatórios judiciais nas gestões Maluf e Pitta em São Paulo. “Ele (Maluf) usou o dinheiro dos precatórios para fazer obra'', afirmou na época.

Há suspeitas dos motivos que levam Severino a ser tão brando com suas exigências. O presidente da Câmara declarou à Justiça Eleitoral ter gasto R$ 60 mil em sua última campanha por Pernambuco. Não declarou gastos comuns em qualquer campanha, como combustível. O jornalista Ricardo Noblat, conforme relata em seu blog, ouviu cinco pessoas do Recife habituadas com campanhas: três deputados federais, um estadual e um ex-ministro. Todas calcularam que a campanha de Severino não saiu por menos de R$ 600 mil, uma vez que se baseou na distribuição de cabos eleitorais nos grotões do Estado. Isso porque não houve gastos com gasolina.

O diabo em tudo isso, não bastasse o fato isolado deste homem ser o terceiro da linha sucessória, é uma velha prática de nossa sociedade: o afago, o puxa-saquismo. Neste país do status, não importa o caráter e os valores de uma pessoa para ela ser, digamos, agraciada com a boa educação da comunidade que o rodeia. Aqui, basta o poder, seja ele político ou financeiro, para capacitar alguém ao cargo de personalidade passível de congratulações e receber os beneplácitos de uma comunidade. Isso a despeito de práticas sujas empresariais que ele tenha praticado para chegar ao bom saldo financeiro em que chegou. Isso a despeito da condução impoluta de sua vida política. Tudo em nome do interesse. O ricão, ou o politicão tem, no Parlamento, nas grandes e nas pequenas cidades, a garantia de seus egos agraciados com o séqüito que os seguem e acabam os cegando, por, na realidade, estar cercado de devotos de uma fé suja, pois maculada por sub-interesses que não os da amizade e admiração, mas o do medo e do interesse. Daí decorre outras bizarrices vistas nesta semana em Brasília. A força com que os petistas-governistas-lulistas, como Devanir Ribeiro (PT-SP) e Arlindo Chinaglia (PT-SP), saíram em defesa de Severino após o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) trocar ofensas com o pernambucano e pedir sua deposição, em razão de suas declarações à Folha mostram isso. Fato pior foi a condecoração de Severino com a Grã-Cruz do Rio Branco, a insígnia de mais alto grau da diplomacia brasileira, concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma ofensa a mundialmente reconhecida diplomacia nacional. Revela, assim, interesse e medo.

No entanto, não seria justo atacar somente os que dele precisam nesta crise. Cabe questionar quem o colocou lá. E aí aparece a oposição, tucanos e pefelistas que, em optar pela integridade e chatice do petista Greenhalgh, preferiram achincalhar o governo e eleger ele, Severino, em uma operação que hoje virou reversa, haja vista o explícito interesse do presidente da Câmara em segurar processos contra os governistas. O que comprova que, no quesito responsabilidade, ninguém passa. Pobre país.

18.8.05

Os teóricos mudos

Caio

A construção da teoria da formação dos agrupamentos de esquerda no planeta sempre se conceberam, e assim não poderia ser diferente, da valorização da sabedoria popular, tida como força motriz de qualquer revolução que se pretenda fazer. A valorização do senso comum e o entender das idéias como concepções partilhadas das pessoas a respeito de qualquer fatos em contraposição e intelectualmente superior ao que a sociedade civil constituída _formadores de opinião, acadêmicos, profissionais liberais_ pensa foi, para situarmos a questão ao Brasil, um dos pilares da formação do Partido dos Trabalhadores em 1980. Em oposição, a idéia de que o senso comum é um saber, e não uma falsa consciência, sempre encontrou resistências nas classes mais altas do país. Sempre foi difícil imaginar que um peão, sujo e ignorante, possa saber tanto ou mais do que o grupo dos com-universidade, já que ele, não teve à sua frente livros e ensino de qualidade que os outros tiveram e, assim, tornou-se incapaz de fazer análises inteligentes sobre os mais diversos aspectos da vida, quiçá, sua própria condição de sujo e ignorante.

Nesta semana, porém, assistimos à manifestações públicas que desmascaram tanto um quanto outro argumento e que revelam que aquilo que buscamos todos, é poder e conforto. Na terça, a linha chapa branca das históricas entidades de classe representativas _UNE e CUT_ atacou a corrupção, mas não o governo. Como se uma não se relacionasse com o outro. Demonstraram, além da cegueira, o que querem. Preservar um governo que enfim lhes dão cargos no alto escalão e dinheiro todo mês. Poder, pois. Com amparo no PT e no PC do B, partidos dos quais a maioria dos seus integrantes fazem parte. No dia seguinte foi a vez dos excluídos deste governo protestarem. E mais partidos por trás, desta vez, o PSTU e o PSOL, em plena campanha. Não que protestos não devam ser feitos, muito ao contrário, devem ser incentivados. Mas parece claro que em meio a uma crise gigantesca como tal todos querem tirar sua lasca e nessas situações a sabedoria popular tão proclamada no momento de formação desses agrupamentos se esvai e se transforma em massa de manobra em nome de um projeto de poder. Falta credibilidade à UNE e a CUT defender um governo que as sustenta na mesma proporção que falta credibilidade ao PSTU e ao PSOL combaterem um governo e defenderem um golpe branco, no caso, a antecipação das eleições.

Os mesmos teóricos que elevaram a sabedoria popular como ponto central de qualquer projeto revolucionário de poder também firmaram em suas teses a figura do filósofo espontâneo, que seria o intelectual orgânico que soubesse bem captar o fluxo de idéias que corre no andar de baixo das sociedades e se transformar na voz desses milhões, a partir de suas ricas experiências pessoais. Dois exemplos cabem aqui. O primeiro, da ex-primeira-ministra britânica Margareth Thatcher. Ao iniciar as reformas estruturais que fez na economia de seu país, como a privatização de estatais e a austeridade fiscal, foi duramente criticada pelos desenvolvimentistas que sempre acreditaram que o limite de gastos dos Estados deveria sempre ser aproveitado. Como filha do dono de uma marcenaria, passou a infância na venda do pai e, com base nisso, respondeu ao manifesto que mais de 300 economistas fizeram contra ela: o Estado é como uma loja, a receita deve bater com a despesa e não de pode gastar mais do que tem. O outro filósofo espontâneo que retrata essas teorias é o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva. Na greve geral de 1979, que o consolidou como figura do cenário nacional, defendeu já a ação ilegal quando a legalidade impedia a ação. Válida ou não, a partir desse preceito Lula sacudiu o então agonizante regime militar.

Se a esquerda tanto se vincula a sabedoria popular e aos líderes que saibam a conduzir, o momento de crise por que passa o país cabe a reflexão de ao menos tornar esses pilares mais transparentes e flexíveis. Assumir o desejo do poder é característica que poucos se deixam transparecer. Vincular esse desejo ao comando de manifestações, idem. Quanto ao líder, é preciso reconhecer que a beleza e a graça do filósofo espontâneo se limita ao momento em que este e sua turma se aproximam do poder, seja de um sindicato, de um partido, ou de uma República. Mas para que esse reconhecimento seja efetivado, é preciso que ele venha de cima para baixo, a partir do próprio líder, que, intelectual espontâneo que é, captaria esse anseio daqueles que os representam e em seqüência a isso tenta conciliar a práxis com o discurso que ouve. Lula está hoje neste limiar. Ou escuta ou se tornará o Lech Walesa tapuia. Leva a vantagem de poder ver o pífio fim que levou o operário polonês depois de um governo desastroso que frustrou esperanças dos poloneses. Resta ver se será capaz de evitar as coincidências que rumam para desenhar a história.

28.7.05

FHC, Lula e Jobim na aula de direito casuístico

Caio

Crê-se que toda crise política deve ser seguida de uma renovação no quadro dos representantes, a se realizar nas eleições. Cansados e perplexos pela mesma história repetida por outros atores, a população brasileira, ávida por justiça, mas sem se lembrar de quem votou nas últimas eleições e portanto sem cobrar deles a atuação devida, vai às urnas e pune os delúbios, os dirceus, os genoinos e os silvinhos. Ainda, repito, que venham a se esquecer dos novos escolhidos pouco tempo depois, mas isso faz parte da nossa história, cíclica que é.

Outro aspecto da mudança é a própria mudança. Do sistema. Esse sim o grande culpado pelos péssimos hábitos dos puritanos burocratas das máquinas partidárias. O financiamento privado de campanha e as facilitações que proporciona é o alvo da vez. Discute-se o financiamento público, a fidelidade partidária, a prestação mensal de contas no período eleitoral. Enfim, discute-se tudo. Agora. Antes não. Quando todos estavam centrados na reeleição ou não dos integrantes da Mesa da Câmara, quando todos discutiam a viabilidade de aumentar seus salários, quando todos tiravam e continuam a tirar seus três meses de férias o que era esse tal financiamento público imerso num longo texto de uma tal reforma política? Mais um tema subtraído às vistas alheias da sociedade, visto que não de muito interesse no perfazer-se diário do objetivo real por qual quiseram obter seus cargos: dinheiro e poder.

No entanto, hoje, com a revelação do envolvimento amplo, geral e irrestrito (só para ficar no slogan setentista dos hoje envolvidos) de tucanos, vermelhos, pefelistas, liberais, trabalhistas em um valerioduto que a cada dia é renovado ou por novos integrantes ou por novos esquemas espúrios de burlar a Viúva, todos se voltam à causa principal de toda a lama: o sistema. Não, não é o homem o culpado. Esnobam a inteligência alheia ao perpetuar a tese de que somos nós, homens, os culpados. Nossa natureza, se me fazem entender. Retomam a filosofia para afirmar que o poder corrompe os homens. Nesse caso, perdoem-me, não. O poder os revela.
E cada um a sua maneira. Não de revelá-la, claro, mas de justificá-la. Dom Fernando Henrique e sua pompa inova nesse aspecto ao criar novas figuras jurídicas para defender os seus pupilos que fizeram a lição de casa errada. O senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), tucano de bico vistoso, usou a lavanderia do seu Marcos Valério em 1998. Dom Fernando não achou tão grave. Acha que denúncias como essa desviam o foco das denúncias contra os rivais petistas. Inova no direito tapuia. Cria a figura do flagrante de crime eleitoral, ou um habeas corpus político preventivo. Lula, por sua vez, em sua triste e equivocada omissão sobre tudo o que se passa no país, cria uma legítima defesa política. Acha que buscar o amparo das massas é válido em meio ao bombardeio da oposição. Esquece primeiro que esse bombardeio, apesar de por vezes dimensionado, fundamenta-se nos fatos, esses sim, as excelências de toda a crise. E segundo, mostra confiança em demasia no trambiqueiro Duda Mendonça, mentor dessa movimentação. Ser aclamado pelo povão é bom, vale a foto da capa, dá manchete. Mas é cálculo de risco à medida em que os fatos, que não escolhem data para aparecer, sucedem-se e fatos são fortes o suficiente para, se não quebrar o mito, tirar-lhe a aura de superior às incorreições e impurezas do homem bom.

A esses movimentos de Lula há _triste país o nosso_ até suporte jurídico do maior representante do setor no país. Trata-se do grande jurista Nelson Jobim, presidente do STF, o juiz político, peemedebista e governista, sempre que assim se faz necessário. Ao iniciar uma rodada de conversas com líderes dos partidos políticos advertindo-os de que o país ficará ingovernável nos próximos dez anos se a oposição tentar derrubar Lula, criou a figura do atenuante para crime cometidos por presidentes carismáticos. Aqui, não importa o grau de envolvimento do presidente da República, qualquer que seja ele, com eventuais atos de improbidade e afins.

Se tem carisma, o povão gosta, e a deposição via impeachment abalará o país, melhor deixar quieto. A rigor, a tese é verdadeira. Mas impedir quem quer que seja de cair por risco de instabilidade é uma tentativa de blindagem que fracassa diante, novamente, dos fatos. É, mais do que isso, confundir os interesses eleitorais dele e de seu futuro partido, o PMDB, e tentar apegar-se a um presidente que aparece ainda imbatível em pesquisas eleitorais.

Aparte defesas cegas e propostas de mudanças por conveniência, o que precisamos agora é de sangue, muito sangue, escorrendo do Congresso, dos partidos, de Brasília. Cortar na carne os malfeitores, cassar-lhes os direitos políticos, afastá-los em definitivo da vida pública. E lembrar que punir apenas a porta de saída é dar chance de que o sistema seja mantido, mude-se ou não suas regras, já que o lado de lá, a outra face do esquema de corrupção, será mantida. A porta de entrada, em que lavagem de dinheiro e financiamento ilegal da política estão intimamente ligados por relações subversivas entre políticos e empresários são o outro vetor condicionante da corrupção. Se uns usam do poder dos votos para intermediar seus interesses eleitorais, os outros usam o poder econômico para defender seus negócios. Se uns são corruptos, outros são corruptores. Permitir que os ricaços que tanto como os políticos mamam nas benesses do Estado, via facilitações contratuais, tráfico de influência, off-shores e afins é corrigir uma parte do defeito, e, portanto, não corrigi-lo. Melhorar o sistema envolve vários fatores e, desse modo, há vários envolvidos nesse processo. Os eleitores, pela análise do que há por aí, e os políticos e a Justiça, pela punição de todos os envolvidos. Não pode sobrar ninguém.

14.7.05

Aos corvos

Caio

Em Ilíada , de Homero, o prenúncio da vinda dos corvos revela o ânimo forte desses corvídeos ansiosos por destruição do que caminha para a morte, ou do já morto ("Corvos virão lacerar-te as tenras carnes, aos bandos, batendo, ruidosos, as asas"). No Brasil atual, da dinherama das malas e das cuecas, os corvos se fazem mais do que presentes. Há dois tipos. Os que estão dentro da estrutura do poder, explorando a carne de um Estado podre e viciado, e os que estão fora do comando, apreciando com escárnio toda a sujeira.

Os primeiros, dito aparelhadores, formaram-se neste governo sob o comando do Zé. Era a turma do Zé, previamente estruturada em seu partido desde sua ascenção á presidência da sigla, em 1995. Mais do que a fome de poder, a necessidade transcendental de mantê-la aos moldes de como fora instaurada na legenda _e que deu certo, já que foi reeleito por duas vezes_ poderia ,por que não, ser facilmente aplicada na Casa Civil. E o foi. Sua atuação em ambas as esferas foram semelhantes. Estrutura-se, coloca-se "gente sua" nos principais postos, articula-se ao seu gosto e ponto. Para que investir na organização e na mobilização da sociedade civil para viabilizar o projeto de poder do partido quando o caminho mais fácil é pelas facilitações do poder, que podem ser divididas sem qualquer compromisso com ideologia, como, aliás, sempre foi feito no país. Zé e sua turma são os principais culpados do desmoronamento do governo petista. Acharam que corromper pelas suas causas era diferente de corromper em causa própria. Ignoraram que a corrupção pública, aquela que não visa o enriquecimento prório, chega até a ser pior que a privada, vez que esvazia as instituições e sobrepõe um poder ao outro, no caso, o Executivo sobre o Legislativo. Um erro de estratégia do ex-brilhante oponente do regime militar. Lula também deu grandes contribuições para o enfraquecimento de seu governo. Como falta espaço para listá-la e aqui não é o principal tema, fico com apenas seu hábito herdado do sindicalismo de ouvir, ouvir, demorar, demorar e nada, ou muito pouco, resolver. Faltam-lhe muitas vezes a energia, o raciocínio rápido e a sensibilidade política necessária para um comandante do país, já que, em política, a demora em tomar decisões pode agravar situações.

Mas voltemos ao Zé e a sua estrutura. Se ela ruiu, o governo federal treme, mas ainda se segura. Ao menos por enquanto. Lula tentará, daqui para a frente, desligar-se publicamente do partido enquanto aguarda, ineternamente, que ex-ministros tentem salvar a agremiação, aproximando-se do governo. Na prática, os dois querem se aproximar. Mas um, Lula, não o pode fazer de forma tão explicita, já que o PT hoje está manchado na opinião pública. Ele consegue seguir presidente sem a legenda que fundou, mas sabe que em 2006 precisará dela para se candidatar. E, como ela precisará estar firme e forte, ainda que recauchutada, para o que promete ser uma das campanhas mais polarizadas da história, deslocou seus ministros para a operação-resgate.
Isso tudo, claro, se as denúncias não chegarem ao presidente. Como todo o esquema foi montado e coordenado no mesmo prédio em que Lula trabalha, é mal-visto, aos olhos da população, pensar que o presidente não sabia de nada. Dá ares de leniência, desleixo, ingenuidade ou, pior, participação. É ele quem governa mesmo? O que salva o presidente é sua trajetória e seu simbolismo, que faz com que até mesmo a oposição tema qualquer envolvimento seu. Seria frustrante demais para a população descobrir qualquer relação do presidente com as denúncias. Ademais, nas ruas, o resultado disso é imprevisível, mas também prejudicial aos setores direita. O afastamento de Lula antes das eleições de 2006 dará, no entendimento popular, ares de golpe e possibilidade de uma convulsão social, já que se trata ali _e aqui falo do Lula pré-poder_ de um símbolo da ascensão do pobre, do miserável, ao poder, subvertendo toda a lógica da história brasileira. Afastar Lula é perigoso. Daí porque, como já anunciado pelo presidente do PFL, Jorge Bornhausen, seria melhor condená-lo a ser candidato, para perder nas urnas. Se o presidente tem ou não culpa, as investigações e, principalmente, a quebra de sigilo telefônico do Zé deverá mostrar. Resta esperar.

Ocorre que os outros tipos de corvos _aqueles que não comandam o país_ assistem a todo o lamaçal do camarote, comendo pipoca e gargalhando, torcendo para que a dinâmica das denúncias seja mantida, fazendo a lógica do quanto pior, melhor. Padecem de um sentimento que julgam ter, mas que passa longe deles. O de brasilianidade. Não é nada satisfatório ou divertido ver o que acontece hoje no país. O eventual fracasso da estrela vermelha que subiu ao poder é também o fracasso das práticas que esses mesmos setores sempre fizeram quando comandaram o país. Ao atacar o fisiologismo, o conchavo petista, a máquina burocrática partidária de produzir votos e abafar ideologias, atacam a si mesmo, afinal, implementaram o esquema lá atrás e sempre assim o mantiveram. Claro que a vingança na política é um fator crucial nessa alternância de poder. Se petistas exageraram ao pedir o Fora FHC em 1999, se fizeram muitas vezes a oposição cega, se se julgaram os únicos detentores da ética e da moralidade pública, hoje a fatura chegou. É a vez da revanche. Da mesma maneira que os própios petistas já tiveram a sua em 1992, quando foram implacáveis contra Collor, que os derrotara três anos antes.

Porém, acompanhar o Brasil em frangalhos e gostar disso é falta de sensatez. Não partidarizo a crítica. A torcida contra se revela em diversos setores da sociedade civil. Mostra egoísmo, uma vez que a vida desses setores, de muito pouco vai mudar com um PT ou um PSDB ou qualquer outro partido no governo. Tem suas casas, suas piscinas, plano de saúde privado, os filhos estudam em escolas particulares e tentam ir uma vez por ano ao exterior. Definitivamente, não é a essas pessoas que o país tem de ter as prioridades de suas políticas. Não que devam ser excluídas, mas não é muito imaginar que milhões de pessoas ainda aqui vivam sem quaisquer condições de saneamento, para ficar em um item apenas. Por isso falta civismo em torcer para que um governo de esquerda dê certo. Falta civismo torcer para que qualquer governo não dê certo. Falta também a percepção de notar que esse país só vai melhorar quando for mais justo, mais inclusivo.
E falta informação. Lula não apareceu nesta semana como ainda imbatível nas eleições de 2006 à toa. A pesquisa revela que , mesmo com as denúncias, o sentimento popular de de que "são todos iguais" persiste, reforçado com a descoberta de um bispo-deputado-pefelista com R$ 10 milhões em malas, ou com a relação de Marcos Valério com tucanos mineiros, o que faz com que mantenham a confiança em Lula, "gente como nós". Além disso, mostra que o discurso oposicionista de que o governo parou, se não é errado, é falho. Nenhum governo se interrompe automaticamente com denúncias. Nenhum governo faz só o que os jornais publicam, qualquer que seja o governo. As escolas não param com denúncias, CPI´s não interrompem distribuição de Bolsa-Família, depoimento de testemunhas não pára o porto de Santos. Enfim, país nenhum se interrompe com crise política. O que pára, sim, é o Congresso. Mas vá lá, convenhamos, esse nunca gostou de trabalhar mesmo.

Não sou muito afeito a pesquisas e comparações, pois são relativos, ainda mais quando jogados em épocas diferentes. Mas, apenas para exemplificar, um estudo da revista Inteligência deste trimestre, a melhor revista menos conhecida do Brasil, compara 100 indicadores de desempenho econômico, social e produtivo entre os primeiros biênios das gestões FHC e o primeiro biênio da gestão Lula mostra que, na média geral, o desempenho dos dois primeiros anos do PT é superior aos dois primeiros anos de FHC em 64 dos indicadores. Isso revela que é falsa a tese de que o país está sem governo. Para eventual análise de algum leitor, o estudo está disponível pela internet (http://www.insightnet.com.br/inteligencia/pdf/29/cap01.pdf e http://www.insightnet.com.br/inteligencia/pdf/29/anexo.pdf).

Lula tenta salvar seu governo. Eliminou José Dirceu, mentor do estruturamento que montou. Aproximou-se de figuras apartidárias, como o ministro Márcio Thomas Bastos (Justiça). Encaminhou boa parte de seus ministros ao Congresso, de volta aos seus mandatos e empenhados em formar a tropa de choque do governo em uma das maiores crises da República. Tentarão impor seu trabalho à turminha do PT na Câmara, por sinal, fraquíssima. Não dá, de fato, para confiar a defesa do Planalto em gente fraca politicamente, deslumbrada e despreparada como José Mentor e Professor Luizinho, entre outros. Também mandou um dos seus melhores ministros, Tarso Genro (Educação), para a presidência do PT. Tem de travar a luta contra os corvos de dentro de seu governo e de seu partido, e os de fora, que adoram a crise, apesar de entenderem muito dela.

30.6.05

A solução passa por Minas

Caio

Em se tratando de política, a própria biologia em si é dos seus fatores mais importantes. A idéia de que ninguém, nem nada, é para sempre, nos fornece a constante esperança de que precisamos ter para nos certificarmos que mudanças, se não virão de imediato, poderão vir. Na administração pública, as práticas convivem com as idéias, com a diferença de que as idéias não morrem, mas as práticas sim, uma vez que, para sustentá-las, precisa-se de um ator que as concretize. As idéias não. Ficam ali, boas ou más, à espera de alguém para colocá-las em prática. Em suma, a prática pressupõe a idéia, mas a idéia não pressupõe a prática.

Nesta semana, mais uma vez veio à tona a discussão de uma união entre o PT e o PSDB, os dois principais partidos do país que há anos travam uma luta acirrada, mais pelo poder do que por idéias. Não foi a primeira vez que integrantes da assim chamada nova geração tucana, que tem como figura maior o governador mineiro Aécio Neves, sugeriu, ainda que de forma embrionária, uma aliança entre os dois partidos, ao afirmar que seu partido “está de mãos estendidas” a Lula para ajudá-lo a sair da pior crise política brasileira dos últimos anos.

O gesto, de imediato, causou reações. Mas não na jovem guarda de ambos os partidos e sim na velha geração, já com o acúmulo de todas as rusgas entre ambos os partidos. O pomposo Fernando Henrique, do alto de seu pedestal de presunção e orgulho, desde logo tratou de murchar Aécio e suas pretensões mineiras, diria, conciliadoras. Mesmo tratamento teve o ex-ministro-aparelhador-de-Estado José Dirceu ao prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), quando, no ano passado, mencionou que não havia diferenças entre PT e PSDB senão o projeto de poder.

Aécio e Pimentel tiveram um episódio recente de boas maneiras políticas. Em março deste ano, o governador buscou o apoio do prefeito para a defesa dos seus interesses na reforma tributária, em especial as mudanças no sistema das compensações da isenção de ICMS nas exportações. "O prefeito Fernando Pimentel tem um papel muito importante aí", afirmou.

Hoje, o governo federal se divide quanto ao tema. Basicamente não-petistas, como os ministros Aldo Rebelo (Articulação Política) e Márcio Thomaz Bastos (Justiça) defendem a idéia da aproximação. Assim como Antonio Palocci (Fazenda), para quem divergir seria se auto-atestar possuidor de grande hipocrisia, já que funciona como um Pedro Malan barbado com sotaque caipira. Já a cúpula do partido representada no Planalto, como Olívio Dutra (Cidades), rejeita o pacto. O mesmo para o PSDB. A geração do prefeito de São Paulo, José Serra, do secretário paulista da Casa Civil, Arnaldo Madeira, também a rejeitam. Frise-se que o bonzinho Alckmin o faz mais por interesse político do que pela convicção de que a aproximação não é viável. Mas por que expor isso, se logo posso ser presidente?

O que simboliza os dois jovens mineiros é uma esperança de que a renovação dos dois maiores partidos que hoje se lascam em farpas nem sempre bem fundamentadas possa, em um horizonte não muito longe, tornar a vivência entre ambos algo que não signifique mais disputas envolvendo egos e os melhores cargos, mas governabilidade e defesa dos interesses do país.

PT e PSDB tiveram origens na luta comum pela redemocratização do país. Em 1989, nas primeiras eleições presidenciais da Nova República, o então candidato tucano derrotado no primeiro turno, Mário Covas, subiu ao palanque de Lula no segundo turno para apóia-lo contra o desastre Collor (ícone da elite da época, mas deixa isso pra lá). A partir daí, no que poderia ter sido um movimento conjunto de construção de um projeto de país, transformou-se na ocupação do espaço do jogo eleitoral deixado pelo PMDB, que, aos poucos, foi se esfacelando.

Travam, desde então, disputas de sangue, o que não se justifica, visto que possuem congruências passíveis, senão da divisão do poder, de um apoio recíproco à governabilidade. Poderiam deixar as diferenças conceituais para os eleitores escolherem qual dos dois deve permanecer. Apenas como exemplo, se essa aproximação fosse hoje. O que se defenderia em conjunto seriam as reformas política e tributária, já que não há muitas divergências entre ambos sobre esses assuntos. Assim, para o bem do país, que sejam aprovadas.
E, naquilo em que há diferença substancial, no caso a política externa defendida por ambos (petistas querem ampliar contato com países pobres enquanto tucanos preferem se manter fortalecidos com americanos e europeus), joga-se a decisão para a população, que, nas eleições, ao escolher entre um ou outro, roga a um deles o direito de a executar conforme escolheu a maioria.

O que separa o PT do PSDB não é definitivo. As diferenças entre ambos se mostram em alguns aspectos pontuais, em outros locais, e em um ou outro fator, ideológico. Os mineiros Pimentel e Aécio sabem disso. E com a força da biologia em envelhecer e fazer passar as pessoas que impedem que novas idéias coloquem para trás velhas práticas, não é muito sugerir que um melhor país vai passar pelo caminho que, ainda de maneira tímida, começam a passar por Minas.

23.6.05

Contra-ataque

Caio Junqueira

A crise política por que passa o país suscitou, como necessário, um movimento de defesa dos envolvidos, organizado em várias frentes. O governo tenta implementar uma agenda positiva com a proposta de arrocho fiscal, deixando claro que deseja aproveitar o excesso de arrecadação para apoiar o esforço fiscal e, com isso, reduzir a necessidade de elevar os impopulares juros para conter a inflação.

Para tanto, como para a medida ser aprovada é necessário o difícil trâmite nas duas casas Legislativas, com a aprovação de 2/3 dos parlamentares em dois turnos, o Planalto ataca com a reforma ministerial para ampliar o espaço do PMDB no governo e evitar problemas na votação, que, por si só, será difícil em meio a tantas CPIs instauradas e em fase de instauração. Evita também que o governo se torne refém da oposição nessas comissões, que, apesar de controladas por pessoas ligadas a ele, enfrentará o forte desejo de tucanos e pefelistas de que tudo seja investigado e cabeças sejam cortadas, ainda mais quando se fala em minar o maior adversário político a pouco mais de um ano das eleições.

O PT, por outro lado, escolhe como estratégia a união dos integrantes do partido, sempre dividido por suas diversas tendências, e o retorno a suas bases por meio do apoio dos movimentos sociais, principalmente da CUT e do MST. Porém, esse apoio parece mais ligado à cúpula dessas entidades, estritamente vinculadas ao alto escalão do governo federal, do que às massas em si.

Isso porque é difícil crer que todos os cinco milhões de filiados da CUT e as centenas de milhares dos sem-terra apóiam incondicionalmente Lula e sua política econômica ortodoxa e continuísta, que acabou por prejudica-los, ou, pelo menos, mantê-los na mesma situação que combina desemprego, baixos salários e desrespeito às leis trabalhistas. Ou seja, há um abismo na situação de vida da militância e da cúpula que, em tese, deveria defender sua classe.

Só um aparte a quem pensa que um regime de metas de inflação e manutenção de superávit funciona. Dá certo sim, só que para quem sempre deu certo. Quando empresários estão muito satisfeitos com o governo dito de esquerda é porque algo está errado e a história, está sim, está certa, vez que mantida..

No entanto, essa defesa dos movimentos sociais (ou pelo menos de suas cúpulas) é compreensível. É evidente que Luiz Marinho e João Pedro Stedile são contrários à política econômica tucana de Palocci, mas mais evidente ainda é que sabem que uma desestabilização e enfraquecimento de Lula para as próximas eleições deixariam as classes menos favorecidas incertas quanto a quem poderia substitui-lo como liderança, uma vez que essa pessoa, ao menos a médio prazo, não existe. Pensam, então, que antes um Lula aliado à direita do que um Fernando Henrique contrário à esquerda. Contraditório, visto que economicamente têm gestões similares. Mas a questão aqui acaba sendo mais de confiança, história e relações pessoais do que a qualquer outro fator. O PT tenta, assim, se fortalecer e exercer um estranho papel de oposição sendo situação. Aplicará nesta crise a experiência dos anos em que bravatava contra qualquer cheiro de inidoneidade. Mas hoje, sendo governo, fica em uma situação no mínimo estranha para o olhar popular. Como ser ambos ao mesmo tempo? E como fazer isso com a classe de quem soube ser oposição e atacar o que hoje no poder estabelece tão bem? Falar em golpismo das elites remonta a um PT-raiz que soa ridículo, se não cômico, além de ser uma fuga aos pontos reais de toda a celeuma.

Tudo bem que sempre foi muito claro que parte da chamada grande mídia, em especial a “Veja”, em defesa do liberalismo-tucanês que abertamente defende não perde qualquer oportunidade para golpear o partido, o presidente e seus integrantes. Mas todas as acusações vêm, antes da imprensa, de um inimigo que até há pouco era amigo. Nada fora criado. Veio dessa gente que o PT escolheu para dormir junto. Agora, precisa saber lidar muito bem com as contradições que seu governo e seu partido caíram, sob pena de experimentar a sua maior derrota política e ser eternamente lembrado como a maior ilusão da história do Brasil.