17.6.08

União supera SP em contratos com Alstom
Caio Junqueira, Valor Econômico 17/06/2008

Os governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fizeram pagamentos a Alstom de cerca de R$ 7 bilhões, entre 1995 e 2008, mais que os R$ 5,5 bilhões que os tucanos Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra desembolsaram no mesmo período com a empresa francesa alvo de uma investigação internacional por suspeitas de pagamento de propina a políticos brasileiros. A era FHC é a que fez as maiores transferências: R$ 5,7 bilhões, concentrados no segundo mandato. Já o petista acumula desde a posse, em 2003, dispêndios para a Alstom no valor de R$ 1,2 bilhão. Os números gerais devem ser maiores, já que Eletrosul e Chesf não informaram os dados.

Em comum, o histórico dos contratos revela a migração de dirigentes de estatais federais e paulistas para a cúpula da Alstom e vice-versa. A diferença é a área de concentração dos contratos. Enquanto em São Paulo a maior parte dos recursos foi destinada à aquisição de trens urbanos e metrô, nos contratos federais a área energética foi a mais beneficiada, principalmente para material para usinas hidrelétricas. O maior contrato foi feito com a Eletronorte para a expansão da usina de Tucuruí (1999). Tem o valor atualizado de R$ 1,8 bilhão, divididos entre Alstom, GE, Inepar e Odebrecht. O segundo maior foi com Furnas (2005): R$ 534,3 milhões, também em consórcio para obras de modernização da usina Luiz Carlos Barreto de Carvalho, no Rio Grande, divisa de Minas e São Paulo. Todos os valores foram atualizados pelo IGP-DI.

No levantamento feito pelo Valor, com base em dados fornecidos pelo Tribunal de Contas da União, Portal da Transparência, ONG Contas Abertas e pelas próprias estatais, foram localizados serviços da Alstom em 12 Estados: Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Ceará, Amapá, Pará, Distrito Federal, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Alguns desses contratos foram considerados pelo Tribunal de Contas da União prejudiciais à União. Em um deles, para compra de equipamentos destinados à implantação do Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, os valores dos materiais orçados pelo ministério da Integração Nacional foram feitos com base na cotação de preço fornecida pelas quatro habilitadas na disputa: Alstom, Flowserve, KSB e Sulzer. O tribunal considerou "tal fato mais inusitado em função do resultado da concorrência, em que cada empresa/consórcio habilitada foi adjudicada para um dos três lotes: Flowserve (Lote I), Consórcio KSB/Sulzer (Lote II) e Alstom (Lote III)". Também condenou a concorrência para um lote único, em desacordo com a Lei das Licitações. O ministério fez um pedido de reexame e o tribunal acabou por acatar suas alegações.

Por ora, as investigações no Brasil focam os contratos assinados pelo Estado de São Paulo e é encampada pelos ministérios público federal e paulista. O Ministério da Justiça, que tem recebido informações sigilosas a respeito da investigação internacional promovida na Suíça, não informou se os europeus também apuram eventuais irregularidades nos contratos com a União.

Processo contra executivo está no STJ
De São Paulo

A investigação do Ministério Público suíço sobre os contratos da Alstom com governos do PSDB em São Paulo não foi suficiente para que a Assembléia Legislativa de São Paulo entrasse no caso. Foi no Congresso Nacional que se autorizou a primeira audiência pública sobre os contratos da multinacional francesa, a ser realizada amanhã na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara.

O principal convidado é o último presidente da empresa no Brasil, Aloísio Vasconcelos. Fora do cargo desde março, ele é irmão de Ronaldo Vasconcelos (PV, ex-PMDB e PTB), vice-prefeito de Belo Horizonte, capital comandada por Fernando Pimentel (PT). Em maio deste ano, o Ministério Público denunciou Aloísio por formação de quadrilha, desvio de recursos e gestão fraudulenta de instituição financeira. Na mesma ação, foram denunciados Zuleido Veras, dono da Construtora Gautama, e o ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau. Todos foram citados na Operação Navalha, da Polícia Federal, que também envolveu o governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e de Alagoas, Teotônio Vilela (PSDB). A denúncia foi recebida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Vasconcelos entrou no rol dos acusados porque presidiu a Eletrobrás entre agosto de 2005 e dezembro de 2006, por indicação dos senadores pemedebistas José Sarney (AP) e Renan Calheiros (AL).

De acordo com a denúncia, ele participou, quando presidente da estatal, de fraudes no programa "Luz para Todos", umas das vitrines do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os procuradores afirmam que a Eletrobrás arcou "sempre, através dos fundos setoriais referidos, com custos bastante superiores ao acordado", tendo liberado verbas sem que a meta de consumidores tivesse sido atingida, além de ter celebrado um aditivo reduzindo praticamente à metade essa meta, para que ela pudesse ser alcançada. O Valor procurou o advogado de Aloísio Vasconcelos, José Gerardo Grossi, que não quis se pronunciar sobre o caso. A Alstom não informa seu paradeiro, nem o nome dos presidentes que assumiram interinamente a empresa no Brasil.

Especialista em energia, Vasconcelos integra o grupo político do PMDB mineiro. Sua ligação maior é com o ex-governador de Minas Gerais Newton Cardoso (1987-1991), do qual foi secretário. Com a posse de Itamar Franco no Palácio da Liberdade (1999), foi indicado para a diretoria de distribuição e comercialização da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), onde ficou entre 1999 e 2003. No período, foram assinados contratos com a Alstom por dispensa de licitação, conforme consta em ata do Conselho de Administração do dia 24 de fevereiro de 2002.

Na Eletrobrás, Vasconcelos foi um dos entusiastas da construção de Angra 3. Depois de deixar o comando da estatal de energia, assumiu a presidência da Alstom em abril de 2007 e a deixou em março. A eleição de Aécio, em 2002, tirou-o da Cemig e o levou ao governo Lula. Assumiu a diretoria-técnica da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), sob o comando do recém-criado Ministério das Cidades de Olívio Dutra (PT). Ficou no cargo até março de 2004. Nesses dois anos, a CBTU repassou cerca de R$ 14 milhões à Alstom. Saiu em 2004 para a diretoria de Projetos Especiais e Desenvolvimento Tecnológico e Industrial da Eletrobrás, onde, um ano depois, assumiu a presidência.

O presidente anterior da Alstom, José Luiz Alquéres, também foi presidente da Eletrobrás nos anos de 1993 e 1994, quando o mineiro Itamar Franco (PMDB) era presidente da República. Depois migrou para o setor privado, no banco Bozano, Simonsen. Também especialista na área energética, tem vasto currículo no comando de empresas do setor, públicas e privadas: Alcoa do Brasil, Banco Calyon, Holcim S.A., Cemig, BNDESPAR, Itaipu, Furnas, Chesf, Escelsa, CEG, CPFL e Comgás. Atualmente, é presidente da Light. Entre 2000 e 2006, comandou a Alstom. Foi Alquéres que esteve em 19 de julho de 2005, ao lado de Lula e do então governador Geraldo Alckmin (PSDB), e do ex-ministro das Minas e Energia Silas Rondeau, na cerimônia de 50 anos da empresa no Brasil, em Taubaté, Vale do Paraíba. Na ocasião, Lula classificou-a de "grandiosa empresa brasileira" e disse que ela era "uma empresa que deu certo, que acredita neste país". Alckmin afirmou que "o Metrô de São Paulo está rodando em razão da qualidade da Alstom". A empresa marcou a data com a publicação do livro "Infra-Estrutura de Energia e Transportes - Um desafio para o Brasil", cujo artigo de abertura é da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef.

Há dois anos, uma operação da Polícia Federal prendeu um diretor da Alstom, Osvaldo Panzarini, suspeito de integrar um grupo que dava golpes contra hidrelétricas. Também foi preso José Roberto Paquier, ex-assessor do senador Valdir Raupp (RO), flagrado em conversa telefônica com um funcionário da Alstom pedindo dinheiro para liberar um pagamento de outra empresa.
Incorporação da Nossa Caixa pelo BB deve render R$ 12 bilhões a SP

Caio Junqueira
Valor Econômico, 29/5/2008

O governo José Serra (PSDB) pretende levantar R$ 12 bilhões na operação casada de incorporação da Nossa Caixa pelo Banco do Brasil. Metade deste valor, R$ 6 bilhões, viria do valor esperado pelo Palácio dos Bandeirantes para a venda do banco paulista. O montante corresponde ao dobro do seu patrimônio, avaliado em cerca de R$ 3 bilhões. Os outros R$ 6 bilhões são esperados com o leilão da Companhia Energética de São Paulo (Cesp), cuja renovação das licenças pelo governo federal de suas usinas geradoras é condição necessária para que a transação entre os bancos ocorra.

O Estado de São Paulo pretende anular a objeção do setor financeiro privado com o negócio realizado entre os dois bancos oficiais judicializando a questão. A expectativa é de que o Supremo Tribunal Federal seja instado a se manifestar sobre o interesse do Estado em comercializar a Nossa Caixa exclusivamente com o Banco do Brasil -por exemplo, pelo PSOL ou pela própria Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Atualmente, há o entendimento pelo Supremo de que os depósitos judiciais só podem ser administrados por bancos oficiais, o que avalizaria o negócio. Uma nova manifestação pode vir a confirmar essa tese. Em caso negativo, o governo paulista chega a trabalhar com a hipótese de negociar separadamente as operações da Nossa Caixa. Seria excluída, por exemplo, a folha de pagamento dos funcionários públicos sobre a qual a Nossa Caixa tem direito. Nessa circunstância, apenas a folha seria aberta a leilão com a participação dos bancos privados.

No entanto, a chance disso ocorrer é remota, na avaliação de dirigentes ligados ao governador. A percepção desses interlocutores de Serra é de que "o Supremo é um tribunal político" e como a transação beneficia tanto o governo federal quanto o estadual, a tendência é de que o Supremo permita que o negócio seja fechado apenas entre os bancos ao qual os dois estão subordinados. Chega-se a fazer a conta do número de ministros do STF que permitiriam a transação: 9, "sete ligados ao Lula mais dois ligados ao Serra". No caso dessa estratégia falhar, a operação seria abortada. De acordo com um interlocutor do Bandeirantes, "não há hipótese de o Estado vender a Nossa Caixa para os bancos privados".

Dos R$ 12 bilhões que o Estado pretende levantar na operação, cerca de 90% serão destinados a investimentos em infra-estrutura no Estado até 2010. Os 10% restantes teriam o objetivo de financiar a agência de desenvolvimento paulista, uma espécie de "BNDES paulista", já anunciada por Serra.

Os investimentos em infra-estrutura, em especial em transportes, além de tentar alavancar a candidatura de Serra à Presidência da República em 2010, também compensariam a indisposição do setor financeiro com o tucano, já que os bilhões irrigariam os cofres de outros setores empresariais, como os empreiteiros. Bancos e empreiteiras são os grandes financiadores de campanha no país.

A previsão é de que em até 120 dias o projeto de lei que autorizará a venda do banco paulista chegue à Assembléia Legislativa, onde deve passar sem maiores problemas. Além de o governo ter maioria na Casa -71 dos 94 deputados são da base aliada de Serra - os próprios petistas admitem que, caso o projeto de lei venha sem a possibilidade de que o banco seja leiloado, que mantenha os direitos dos funcionários e características de "banco social", não haverá obstáculos. Ontem, o governador paulista classificou de "especulação" a venda casada da Nossa Caixa com a renovação de licenças da Cesp. "Não há nenhuma troca, estamos encaminhando separadamente esses assuntos", disse.

O Banco do Brasil assinou anteontem um termo de confidencialidade com a Nossa Caixa para iniciar a avaliação do banco. Para o Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região, a situação da Nossa Caixa já apresentava problemas e caminhava ou para uma venda ou para uma intervenção do Banco Central. Um sinal disso era de que, em 2007, o banco só conseguiu fechar no azul depois da ativação de seus créditos tributários com autorização do Banco Central. De acordo com o presidente do sindicato, Luís Cláudio, a dificuldade veio quando Serra determinou que o banco comprasse por R$ 2 bilhões a folha de pagamento dos funcionários em um momento que o banco investia na expansão de sua rede. Isso fez com que o banco tivesse prejuízo nos terceiro e quarto trimestres de 2007 e precisasse ativar créditos tributários no Banco Central.