9.1.06

A (não) esquerda em ação

Caio

O excêntrico nas eleições deste ano em comparação com as outras é o papel inverso que o PT assume. Desta vez, tentará se manter na presidência como partido da situação, com a difícil tarefa de defender quatro anos de um governo com suas intermináveis falhas e seus poucos acertos, equação, aliás, inerente ao que se viu em gestão pública desde a redemocratização, à exceção do governo Sarney, que só errou. Outro aspecto, porém, pode conceber o ar alternativo no pleito deste ano. Apesar de ser grande a possibilidade de, como em 2002, assistirmos a um cenário que contenha apenas candidatos, em tese, da esquerda brasileira, como Lula, Serra, e Garotinho, o PSDB pode trazer de volta o entrave esquerda contra direita, caso Alckmin entre no páreo.

O governador nega se assumir como de direita, mas seu perfil administrativo e político derruba sua contra argumentação. Pela vertente pessoal, vende bem a imagem de boa praça, católico, médico que subiu na vida no núcleo da família cristã. Freqüenta colunas sociais e é amigo da elite. Como gestor, defende o Estado mínimo, a terceirização na prestação dos serviços essenciais à população e a repreensão como solução a criminalidade. Representaria algo como Afif Domingos em 1989, o candidato da classe média alta, capaz de captar os anseios desse segmento, em especial a excessiva carga tributária que sobre ela pesa. Sabe disso bem, tanto que se pôs a reduzir o ICMS de diversos produtos durante seu governo. Com essas características, enfrentaria os esquerdistas Lula, Serra e Garotinho.

No entanto, com a experiência petista no poder e com a ciência de como se comportaram Serra e Garotinho em suas gestões em cargos executivos, fica a dúvida de que seria somente Alckmin o direitista da questão? Serra aprovou nesta semana a terceirização dos serviços da cidade de São Paulo, a começar pela saúde. Enviará novos projetos em fevereiro, para fazer o mesmo com a cultura, educação, entre outras áreas. Lula, apesar de ainda resistir a certos impulsos do capital, como a pressão para dar continuidade nas privatizações, e de ter feito uma política externa essencialmente de esquerda, manteve a política econômica do seu antecessor, com privilégios a quem sempre viveu de privilégios. Já Garotinho, não cabe tentar qualificá-lo como desta ou daquela facção. Mistura o fisiologismo barato que sempre cercou a direita com um populismo assistencialista de esquerda, sem mencionar a confusão entre religião e política que, propositalmente, faz.
Nesse cenário, o que parece ter ocorrido no país nos últimos 20 anos é que foi de muita valia para os partidos de esquerda durante os anos 90 assumir o papel de salvadores e de defensores dos excluídos e, com isso, crescer politicamente, em um quadro que os governos de direita pouco resultados práticos traziam para a população em geral. O ápice disso veio em 2002, quando o eleitorado tradicionalmente de direita, cansado da falta de avanços na economia, da fórmula do "estabilizar sem crescer", e do país ainda concentrar muita renda e abarcar milhões de miseráveis em seu encalço, resolveu optar pelo projeto PT.

Ao mesmo tempo em que esse processo se dava, a direita fisiológica, traduzida predominantemente pelo PFL, PTB, PL e PP, procurou fazer o papel de coadjuvante dos partidos de esquerda, que, com seu discurso supostamente revolucionário, agradava mais às massas eleitorais. Sim, era mais fácil se alçar ao poder ao lado de um intelectual como FHC, com vasta bibliografia sobre terceiro-mundismo do que ir com um Bornhausen ou um Marco Maciel na frente das câmaras tendo que pedir o seu voto e ao mesmo tempo explicar por que mesmo sempre tendo participado do poder, o país sempre continuou o mesmo.

O que intriga é que nunca conseguimos eleger um governo estritamente de esquerda neste país. Quando pensamos que conseguimos, veio junto o pacote dos três porquinhos (PL, PTB e PP) e junto com eles todos os compromissos assumidos em campanha e suas práticas enfadonhas de poder. Evidente que em uma democracia as minorias também fazem parte do todo e devem ser contempladas, mas a cada eleição se distancia mais o sonho da esquerda de ver um governo que adote seus principais preceitos como prioridade na administração: saúde pública decente, universal e acessível; educação gratuita avançada e, na economia, um Estado forte e investidor, desprendido de receitas econômicas que travam o desenvolvimento.
Quem, ao menos no ideal, poderia assumir essa postura seria Lula, em um eventual segundo governo. Pode parecer delírio, mas um segundo governo Lula, pelo menos no aspecto estrutural, poderia contrariar a sina de segundos mandatos serem piores do que o primeiro e trazer algo melhor ao país. Uma aliança escorada no PSB, PC do B e PT, e um novo núcleo do governo formado pela desenvolvimentista Dilma Roussef, pelo apartidário Márcio Thomaz Bastos e pelo dialogador Jaques Wagner não seria de todo mal. Substituiria o maculado núcleo duro (e sujo) do começo do atual governo, formado pelo arrogante Dirceu, o heterodoxo Palocci e o fraco Gushiken. A decisão, porém, é da população. Difícil aceitar que um governo que se melou em podridões corruptas como este mereça uma segunda oportunidade. È o que as pesquisas, até o momento, dizem.

Serra, por sua vez, também traria um pouco de luz à falta de esperanças das esquerdas, mas atualmente é a hipótese mais provável. Centralizador e desenvolvimentista, pode tirar o país das pífias taxas de crescimento. O tucano também é um grande cérebro quando se pensa no país como uma grande estrutura complexa. Exemplo disso é o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) feito por economistas muito ligados a Serra: José Roberto Afonso, assessor da bancada tucana na Câmara dos Deputados, e Geraldo Biasoto, que trabalha na prefeitura de São Paulo. Em suma, duvidam que as parcerias público-privadas (PPPs) ajudem em algo e propõem que projetos estratégicos sejam executados pelo governo com "recursos específicos, captados diretamente no mercado", por meio de empréstimos comuns ou fundos de investimento. Por falta de espaço, não coloco aqui toda a proposta, que está disponível no site do Ipea (www.ipea.gov.br/pub/td/sumex/se1141.htm http://www.ipea.gov.br/pub/td/sumex/se1141.htm).

Com essa mistura constante entre esquerda e direita, e, mais especificamente, campanhas de esquerda com governos de direita, o que seria mesmo um alento na política brasileira é uma aliança entre PT e PSDB. Os dois maiores partidos do Brasil vivem hoje para se degladiar, na tentativa de assassinar um ao outro, sem que sequer um entendimento ao menos nas matérias primordiais para o desenvolvimento do país sejam debatidas. Nessa briga, carregam consigo os partidos tradicionais de direita, que, sem força política para chegar à presidência, utilizam-se dessas siglas para perpetuar-se no poder e manter-se no jogo político. Apesar de algo distante da atual realidade política, passos nesse sentido já poderiam ser dados, para o bem do país.