4.5.10

PT e PMDB já disputam comando da Câmara
Caio Junqueira, De Brasília, Valor Econômico, 03/05/2010

A poucas semanas de oficializar a aliança para presidente da República, os dois maiores partidos do Congresso travam nos bastidores o que tem sido classificado de uma guerra surda por ocupação de espaços com o objetivo de angariar apoios para a campanha dos seus candidatos a presidente da Câmara em 2011: o líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), e o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).Desde fevereiro, os dois partidos passam por desentendimentos crescentes e o mais recente deles tem ocorrido a portas fechadas, para tratar dos cargos que irão gerir a discussão do primeiro Orçamento do próximo presidente da República.

Na semana passada, houve embates para definir os dez subrelatores temáticos, cujas áreas mais disputadas não à toa são as que envolvem maior volume de recursos. Nesta ordem: Infraestrutura, Desenvolvimento Urbano, Integração Nacional e Fazenda.Algumas indicações diretas ou apoiadas pelo PMDB desagradaram aos petistas, que apontaram nelas uma campanha precipitada para fechar o apoio junto ao chamado "baixo clero" da Câmara. Na principal subrelatoria, Infraestrutura, a disputa se deu entre José Guimarães (PT-CE), e Leonardo Quintão (PMDB-MG), com vitória do mineiro. Guimarães teve de se contentar com a de Desenvolvimento Urbano. Outras duas indicações causaram irritação aos petistas: a concessão da subrelatoria da Fazenda a Romulo Gouveia (PSDB-PB); e o comitê de Avaliação de Receita a Bruno Araújo (PSDB-BA), ambos oposicionistas.

Ficou pendente para esta semana a definição de relatores para alguns créditos especiais abertos pelo governo para este ano. No caso, um do Ministério dos Transportes, na ordem de R$ 234,6 milhões. Por serem créditos especiais, eles podem ter sua destinação alterada na comissão e direcionada para obras de interesse dos parlamentares.

Antes desses episódios, o embate maior havia se dado na disputa pelas comissões da Câmara. Na de Fiscalização e Controle, o PMDB indicou Nelson Bornier (RJ), um ex-tucano e antipetista declarado. O PT queria Devanir Ribeiro (SP), mas perdeu a disputa. Depois, as divergências foram ampliadas na votação da emenda Ibsen Ribeiro (PMDB-RS), que, a contragosto do governo, alterou a redistribuição dos royalties do petróleo. Na ocasião, Henrique Alves, embora relator de uma proposta alternativa, acabou liberando a bancada de seu partido para votar como quisesse.

Foi o discurso do líder do PMDB na Câmara para justificar seu posicionamento que fez os petistas apontarem o início da campanha para 2011: "Admirador e seguidor do velho Ulysses Guimarães, vou usar o exemplo dele para dizer de alma limpa, sem qualquer ressentimento ou decepção, que, pelo contrário, acatar a vontade deste plenário me alegra, porque, antes de tudo, o meu compromisso é com esta Casa, com este plenário, com esta Instituição", disse Alves, para plena satisfação da maioria dos deputados e dos prefeitos que lotavam as galerias do plenário.

O PT resolveu iniciar um contra-ataque a partir dos cargos do Orçamento, mas até agora sem sucesso. Por ter a maior bancada, o PMDB tem prerrogativas que o regimento da Câmara lhe confere. E os tem feito dentro de uma estratégia de encampar nomes sem grande expressão na política interna da Casa, mas provenientes de Estados com grandes bancadas e até mesmo da oposição, o que lhe abre a possibilidade de negociar com um Palácio do Planalto eventualmente ocupado por José Serra (PSDB) a partir de 2011, de quem o partido é, no momento, adversário.

O PT não trabalha com essa hipótese, o que aumenta seu incômodo. Em recente reunião da bancada, um deputado questionou se não haveria planos para o caso de a candidata governista, Dilma Rousseff (PT), perder. Foi defenestrado pelos seus pares e ouviu que a única estratégia é ter a maior bancada na próxima legislatura, com algo entre 100 e 110 deputados, com Dilma presidente, de modo que a dependência do PMDB diminua.

Os pemedebistas já perceberam essa estratégia e a têm considerado na atuação dentro da Câmara. Fora dela, projeta uma campanha proporcional que lhe permita fazer entre 90 e 100 deputados. Nesse cenário, consideram Henrique Alves não "um candidato natural" à presidência da Câmara, mas "o candidato natural" da Casa.

Eleito pela primeira vez pelo então MDB em 1972, aos 21 anos, sua segura reeleição neste ano o levará ao 11º mandato. Há quatro anos vem sendo eleito por aclamação para liderar cerca de 90 dos 513 deputados e, mais que isso, pacificar a bancada, após anos de conflitos internos.

Tal currículo faz com que seus correligionários e outros partidos ainda indecisos entre Serra e Dilma vejam nele o mais credenciado para o principal posto da Câmara, qualquer seja o presidente da República. Alves e seu grupo, aliás, foram parceiros do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em seu primeiro mandato e fiéis aliados durante o segundo mandato. Foi com um acordo com os tucanos de alternância na presidência da Câmara que Michel Temer (PMDB-SP) se elegeu duas vezes para comandar a Casa.

O acordo foi importado pelos petistas no segundo mandato de Lula. Arlindo Chinaglia (PT-SP) presidiu a Câmara em uma eleição que garantiria a Temer a sucessão. Para 2011, o PT pretende levar esse acordo e vê defecções na estratégia pemedebista de agradar o baixo clero. Avaliam que, desde a ascensão do então maior expoente desse grupo, Severino Cavalcanti (PP-PE), em 2005, o que dita a eleição de um presidente da Câmara é o acordo entre as duas maiores bancadas, ao qual o baixo clero adere.É assim que pretende eleger Vaccarezza no próximo ano.

Baiano com trajetória política em São Paulo, é um dos parlamentares com mais rápida ascensão na Casa, graças a uma histórica proximidade e boa relação com os próceres do PT paulista -José Dirceu inclusive. Em seu primeiro mandato, passou de líder do PT a líder do governo e é ainda um dos coordenadores da campanha de Dilma.Contra ele, tem Alves e o fogo amigo petista. Chinaglia tem interesse na disputa e opera com os insatisfeitos na configuração política do PT na Casa neste ano: Henrique Fontana (RS), líder do governo no ano passado que queria neste ano permanecer no cargo, e Maurício Rands, líder do PT no ano passado que também queria manter o posto em 2010.


Câmara vota plebiscito para a criação de novos Estados
Caio Junqueira, de Brasília, Valor Econômico - 27/04/2010


O Congresso está prestes a aprovar proposta para que os paraenses realizem plebiscito sobre a criação de dois Estados em sua região sul: Carajás e Tapajós. O projeto já passou pelo Senado e tramita em regime de urgência na Câmara. Se for aprovado, em nome da isonomia, estarão criadas as condições para que seja ressuscitada mais de uma dezena de projetos propondo a criação de Estados. Dois estão mais avançados e prontos também para ser votados no plenário: o do Maranhão do Sul e o da Gurguéia, no sul do Piauí.O principal argumento contra a criação de Estados são os custos. Um estudo do Ipea estima em R$ 832 milhões o custo fixo anual para a manutenção de um novo Estado.

O Congresso está prestes a aprovar a permissão para que os paraenses possam realizar um plebiscito no qual decidirão pela criação ou não de dois Estados em sua região sul: Carajás e Tapajós. O projeto já passou pelo Senado e tramita em regime de urgência na Câmara, onde a expectativa é de que seja apreciado até o fim do mês de maio, com grandes chances de aprovação.

Se passar, estarão criadas as condições para que seja ressuscitada mais de uma dezena de projetos que tramitaram na Casa nos últimos dez anos pedindo a criação de Estados. O argumento principal a ser utilizado é de que, se os sul-paraenses têm direito ao plebiscito, os outros reivindicantes, em nome do princípio constitucional da isonomia, também o têm.
Além disso, a aprovação reforçará o movimento municipalista, que trabalha pela aprovação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que pode devolver aos Estados a competência para legislar sobre a criação de municípios. A estimativa é de que nas Assembleias Legislativas há mais de 500 projetos pedindo a emancipação de vilarejos espalhados pelo país.

No que se refere aos Estados, dois projetos, além dos que devem ser votados neste semestre, estão mais avançados e prontos também para ser votados no plenário: o do Maranhão do Sul e o da Gurgueia, no sul do Piauí.

"Isso é uma jusrisprudência, uma janela oportuna. Estou já requerendo a urgência para acontecer conosco o que aconteceu com Carajás e Tapajós", afirma o deputado Julio Cesar (DEM-PI), autor da proposta do plebiscito da Gurgueia, nome do rio que batiza um vale no sul do Estado, parte mais pobre mas, segundo o deputado, com maior potencial econômico devido à mineração e à produção de grãos do cerrado. Pelo projeto, 60% do território do Piauí ficariam com o novo Estado, onde viveriam 20% da população piauiense com PIB estimado em 15% do total produzido pelo Piauí, hoje na casa dos R$ 15 bilhões. A economia local baseia-se na produção de soja e há projeções para a extração de níquel.

O outro projeto que aguarda votação é o que cria o Maranhão do Sul. Seu autor na Câmara foi o ex-deputado Sebastião Madeira (PSDB-MA), ex-presidente do Instituto Teotônio Vilela, o órgão de formação do PSDB, e atual prefeito de Imperatriz, a principal cidade do sul-maranhense.
Apesar de ser historicamente contra a separação, a família Sarney apresentou o mesmo projeto após a derrota da governadora Roseana Sarney (PMDB-MA) na reeleição em 2006, pelas mãos do atual ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, então senador. Teve a assinatura também de Roseana e de outro fiel sarneysista, Epitácio Cafeteira (PTB-MA). A proposta teve rápida tramitação e chegou à Câmara, com a insatisfação dos que apoiavam o movimento antes, pois viam nela uma manobra contra a maior derrota do clã em 40 anos no Estado.

Com o avanço de Carajás e Tapajós, porém, o movimento ganhou força. No dia seguinte à aprovação do requerimento de urgência dos paraenses, subiu à tribuna do plenário o deputado Carlos Brandão (PSDB-MA), ligado a Madeira: "Vamos reforçar a pressão, porque agora abriu-se uma brecha, um espaço para colocar os requerimentos de urgência. Não queremos nada mais do que dar o direito aos maranhenses de dizerem se querem ou não a divisão. O Pará obteve resposta mais rápida. Não discriminem o Maranhão", disse.

Aprovado, o novo Estado teria cerca de 25% dos cerca de R$ 31 bilhões que compõem o PIB do Maranhão, 1,1 milhão dos 6,3 milhões de maranhenses e pouco menos da metade do Estado. A região produz basicamente grãos.

Para o caso paraense, o apoio estimado pelos que encabeçam o movimento Carajás/Tapajós é de
mais de 80% do Congresso. A oposição vem principalmente dos paulistas e outros deputados do sudeste, como o secretário-geral do PSDB, Rodrigo de Castro (MG), o presidente do PSDB-SP, Mendes Thame, o ex-chefe da Casa Civil do governo paulista Arnaldo Madeira (PSDB). Alguns petistas também são contrários, como José Genoino (PT-SP) e Devanir Ribeiro (PT-SP).

Dois são os principais argumentos contrários. O primeiro é o de um desequilíbrio federativo com o aumento do número de senadores. Na Câmara isso não aconteceria, mas calcula-se que 16 Estados teriam alteração, para mais ou para menos, na composição de sua bancada. Os separatistas rebatem esse argumento, dizendo que "São Paulo já tem a hegemonia econômica".

Contudo, o principal argumento que os move é o do alto custo que novos Estados acarretam para a União e para as outras unidades federativas. Foi com essa preocupação que em 2008 a Câmara pediu ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) um estudo sobre o assunto a partir de projetos que tramitaram na Casa a partir de 1998. Eis a conclusão: "As simulações realizadas mostraram que muitas das proposições de novos Estados carecem de fundamentação econômica, uma vez que os gastos estimados para alguns dos Estados propostos superam o próprio PIB do Estado a ser criado. Sugere-se que os novos projetos incluam avaliações econômico-financeiras das conseqüências das proposições, de forma que os legisladores possam ter idéias mais claras sobre as propostas em tramitação." O levantamento estima ainda em R$ 832 milhões o custo fixo anual para a manutenção de um novo Estado.

O mais ativo deputado pró-Carajás, Giovanni Queiroz (PDT-PA), contesta a conclusão do estudo. O levantamento estima ainda em R$ 832 milhões o custo fixo anual para a manutenção de um novo Estado. "Os gastos que o novo Estado demanda são os gastos que a população daquela área demanda e não é atendida", afirma ele, um médico e agropecuarista mineiro que chegou na região em 1972. Presidente estadual do PDT, foi eleito prefeito de Conceição do Araguaia (PA) em 1976 e em sua gestão desmembrou o município em quatro. Deputado estadual, apresentou propostas que acabaram por criar mais nove municípios.


Sul do Pará concentra minas da Vale
De Brasília

A quase totalidade dos 29 municípios do Sudeste do Pará, região que daria origem ao Estado do Carajás, tem presença maçica da Vale. A empresa deve investir bilhões na região nos próximos anos, o que tem feito a região crescer vertiginosamente e atrair migrantes dos Estados mais pobres do país, gerando graves problemas sociais.

Um estudo encomendado pela Vale mostra que a taxa de crescimento de emprego chega a 18% ao ano. Oficialmente, a empresa não se manifesta sobre o assunto, embora seja unânime entre os parlamentares que ela será a grande beneficiada com a eventual separação: todos os seus principais negócios no país estarão concentrados em um Estado diminuto, no qual poderá exercer maior influência política e abortar os constantes conflitos com Belém.

"Ou emancipamos ou será o inferno. Não dá para viver com um Estado ausente, não por intenção, mas por dificuldade de ser presente pela longa distância da capital e difícil acesso. A descentralização é o melhor caminho", diz o deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA), defensor do novo Estado. Ele cita a experiência vivida nos Estados mais recentes do país, como Tocantins, desmembrado de Goiás em 1988, e Mato Grosso do Sul, formado a partir do Mato Grosso em 1977, que desenvolveram suas economias após a separação.

Para ele, mesmo Amapá e Roraima, antigos territórios federais transformados em Estados na última Constituição, só melhoraram com a emancipação, muito embora ainda tenham sua receita composta majoritariamente pelas transferências da União.

A comunidade política e civil de Belém, por sua vez, tem se posicionado contrariamente ao projeto. Para a governadora Ana Júlia Carepa (PT), dividir vai na contramão da tendência mundial. "As estratégias de desenvolvimento são para derrubar fronteiras, não para construí-las", diz ela, que garante ter reduzido a sensação de abandono das áreas separatistas a partir da ampliação dos repasses aos municípios e com a criação de um núcleo administrativo em cada uma dessas áreas. Mesmo assim, por que então o projeto avançou sob seu mandato? "É um tema recorrente e tem interesses de todos os tipos envolvidos, políticos e econômicos", diz, assegurando que, entre aprovar no Congresso e a realização de fato do plebiscito "tem muita coisa para acontecer".

O Valor pediu ao governo paraense dados sobre investimentos nas áreas separatistas, mas não teve seu pedido atendido. De fato, a aprovação na Câmara não significa automaticamente a ocorrência do plebiscito. É preciso que a Justiça Eleitoral Estadual organize a consulta e que a Assembleia Legislativa se manifeste sobre ela, se for aprovada pela população. Depois o assunto volta ao Congresso, que precisa aprovar uma lei complementar federal com a estrutura administrativa do novo Estado.

Foi devido a esse trâmite que os separatistas paraenses conduziram as articulações juntos, pois, assim, chegam perto de 40% dos eleitores do Pará. Também contrário à divisão, mas por motivos diversos dos da governadora, o deputado Zenaldo Coutinho (PSDB-PA) é o único da bancada federal paraense a se opor à votação.

"Não há qualquer estudo de viabilidade socioeconômica dos três novos Estados. A consulta popular só é aconselhável se tiver uma projeção da melhoria de vida da população envolvida e uma estratégia de ocupação", diz. Para ele, retirar a região de Carajás inviabiliza as outras duas regiões remanescentes, já que nela estão praticamente todo o minério e grande parte do rebanho bovino do Estado, o terceiro maior do país. Além disso, Tapajós tem mais de 80% de seu território cobertos por reservas indígenas e florestais, que representam 10% do PIB inteiro do Pará atual. "Tapajós será um Estado pobre, totalmente dependente da União, com uma administração cara e grande danos ao meio ambiente pelo processo migratório que vai estimular", afirma.

O governo federal não se manifesta sobre o assunto, embora já tenham sido feitos diversos pareceres favoráveis à criação de novos Estados no Ministério da Integração Nacional - inclusive para Carajás. Isso ocorreu com maior intensidade no primeiro mandato de Lula, quando o deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE) era ministro e, além de ter convicção pessoal sobre benefícios da descentralização, atendia ao estabelecido no programa de governo de Lula em 2002: "Realizar estudos detalhados das propostas para criação de novos Estados, (...) estabelecer práticas de mediação entre os setores interessados, para subsidiar o Congresso na votação da criação novas unidades federadas.

"Para a votação de Carajás e Tapajós, a bancada governista deve ser liberada, embora o líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), seja contrário: "Sai caro para o país, que já paga muito por Estados que não são autossustentáveis". Ele diz, todavia, haver um acordo com os deputados envolvidos para que se vote a realização ou não do plebiscito, mas que ele só seria realizado a partir de 2011. (CJ)