30.11.09

Reajuste previdenciário expõe disputa sindical por fatia crescente de aposentados
Caio Junqueira, de São Paulo, Valor Econômico, 30/11/2009

A negociação do reajuste dos aposentados para 2010 tem explicitado o fortalecimento de uma categoria historicamente desorganizada e que agora tem sido alvo de disputa envolvendo as centrais sindicais e a classe política.

Somente neste ano, a CUT e a Força Sindical, as duas maiores centrais sindicais do país, receberam do ministro do Trabalho, Carlos Lupi (PDT), a carta sindical que reconhece o Sindicato Nacional dos Trabalhadores Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sintapi/CUT) e o Sindinapi (Sindicato Nacional dos Aposentados e Pensionistas da Força Sindical).

Para o governo, foi uma manobra de duplo resultado. Por um lado, avoca para si o reconhecimento dos sindicatos de aposentados. Por outro lado, dando legalidade a esses sindicatos, põe as centrais como protagonistas nas negociações do delicado tema da Previdência.

Além disso, ao colocá-los na mesa de negociação, busca diminuir o poder do mais antigo órgão de defesa dos aposentados do país, a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap), existente desde 1985.

Seus dirigentes são críticos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e chegam a classificá-lo de “traidor”. Na véspera do ano eleitoral em que o governo pretende fazer uma eleição plebiscitária entre as eras FHC e Lula, a entidade equipara ambos. O primeiro, por ter criado o fator previdenciário (cálculo previdenciário que acabou por reduzir o valor do benefício) O segundo, por não tê-lo, ainda, extinguido.

“O governo acha que as centrais representam todos os aposentados, o que a gente acha errado”, afirma Warley Gonçalles, presidente da Cobap, para quem os sindicatos devem representar os trabalhadores da ativa, e não os inativos. A entidade não reconhece a legitimidade dos sindicatos.
Entretanto, a Cobap teve de se render ao governo e às centrais e aceitá-las como mediadoras de seus interesses, não obstante seu número de associados, 1,1 milhão, ser maior que o do Sintapi, da CUT, com 23 mil, e o Sindinapi, da Força, com quase 500 mil.

O presidente do Sintapi, Epitácio Epaminondas, contemporiza. Diz que o órgão que comanda nada tem contra a Cobap, mas defende a criação do sindicato: “Temos uma linha política que trabalhamos dentro da CUT”, diz. E complementa: “O aposentado está cansado de lutar e é necessário ter uma estrutura para acertar isso”.

Carlos Andreu Ortiz, presidente do Sindinapi-SP, afirma que a Cobap se julga a única representante dos aposentados e que a vantagem da intermediação das centrais é o acesso ao Executivo: “As associações costumam ter acesso a um ou outro parlamentar. Nós conseguimos uma articulação direta com o Executivo”.

Ambos reconhecem a força política crescente dos aposentados. Para Epaminondas, “o aposentado é formador de opinião, pois vota e influencia o voto das pessoas ao seu redor”. Ortiz diz que “a categoria praticamente elege um presidente, 2010 é um ano eleitoral e estão querendo fazer disso um desgaste para o governo”.

De olho nessa força e com a ajuda do governo, posicionaram-se, ao lado de outras centrais, como negociadoras do reajuste dos aposentados que recebem mais que um salário mínimo, algo em torno de 8 milhões dos 26 milhões de beneficiários da Previdência.

Governo e centrais concordavam com um reajuste corrigido pela inflação mais 50% do crescimento do PIB dos dois últimos anos. A Cobap reclamou e conseguiu unificar com as centrais uma proposta única de correção pelo índice da inflação mais 80% do PIB.

Ciente da condição de maior associação de aposentados do país, Gonçalles ameaça: “Se o governo não aceitar, vamos voltar a defender que o reajuste seja igual ao do mínimo e denunciaremos aos idosos nas eleições 2010 quem não votar como queremos.”

Instado a se posicionar, o Ministério da Previdência informou que “a coordenação política dessa discussão está sendo feita pela Secretaria-Geral da Presidência da República”.
Por envolver uma categoria em constante crescimento no país, a discussão está tendo reflexos dentro da Câmara, na disputa política entre a base governista e a oposição.

Os políticos, qualquer que seja seu lado, estão de olho em um eleitorado que não para de crescer no país. Se nas eleições de 1992 os maiores de 60 anos representavam 10,5% do eleitorado, em 2010 devem ultrapassar 15% de votantes. Em números absolutos, significa mais de 17 milhões de votos.

Hoje, em qualquer tema no Congresso a bandeira dos aposentados é empunhada. A oposição da Câmara obstruiu a tramitação das regras do pré-sal se não for aprovado o projeto em que o aumento das aposentadorias passa a ser atrelado ao aumento do salário mínimo e cujos termos as centrais sindicais e a Cobap tem discutido.

Até parlamentares do Rio e do Espírito Santo, da base ou não, incomodados com os rumos da distribuição do royalties do pré-sal, ameaçam contrariar o governo no assunto se as regras petrolíferas não forem alteradas.

“Os aposentados viraram coqueluche. Todo mundo só fala disso. Perceberam que em 20 anos passaram de 4 milhões para 26 milhões de beneficiários da Previdência”, diz o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), que desde seu primeiro mandato, em 1987, adota a bandeira dos aposentados. Há três anos, seu partido incorporou o Partido dos Aposentados da Nação (PAN).
Anti-petista contido, ele foi o relator na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara do projeto de lei que acaba com o fator previdenciário, cujo autor é o senador Paulo Paim (PT-RS), expoente no Senado em questões referentes aos aposentados.

Faria de Sá conta que utilizou-se do regimento para que o projeto deixasse a Comissão de Finanças e Tributação, onde estava parado havia onze meses. “Usei um artigo que diz que um projeto tem de ter andamento automático para a CCJ depois de quarenta sessões sem apreciação”, afirma.

O projeto pode seguir agora ao plenário, mas a base governista também pretende usar o regimento para fazer com que o projeto retorne à Comissão de Finanças, uma vez que que ele não foi apreciado.

No caso do reajuste, o que tem tirado o sono do governo, mobilizado as centrais e elevado os aposentados à vitrine política é um projeto, do Executivo, de recuperação do valor do salário mínimo. Uma emenda de Paim no Senado fez com que o reajuste de todos os benefícios previdenciários fossem atrelados ao salário mínimo.

O governo não concorda que os aposentados que recebam mais de um salário tenham reajustes como o mínimo. Argumenta que, primeiro, é inconstitucional tomar o mínimo como indexador e, segundo, que isso prejudica a política de valorização do salário mínimo pois causa um rombo de R$ 6 bilhões nas suas contas.

A cifra, em comparação com outras tantas do governo, tem respaldado o discurso da oposição. “O FMI deve ser mais importante que os aposentados, porque o Brasil emprestou para o Fundo mais de R$ 17 bilhões.As renúncias fiscais concedidas para agradar os sindicatos do ABC atingem R$ 3,5 bilhões. Reajustes ao funcionalismo têm impacto de mais de R$ 20 bilhões.
Somente em 2008, ações de propaganda e marketing consumiram R$ 2,2 bilhões (…) na tentativa de alavancar a candidata do governo. “, escreve em seu blog o líder do Democratas na Câmara, deputado Ronaldo Caiado (GO), que na terça-feira declarou a obstrução dos trabalhos na Casa para aprovar os projetos do pré-sal até que o projeto em prol dos aposentados seja aprovado.

Tudo em nome dos idosos: “O governo tem dinheiro para tudo, menos para os aposentados, afinal, eles não podem fazer greve. Isso é falta de respeito, de humanidade. O Democratas faz parte dessa luta para que aqueles que contribuíram, trabalharam, possam finalmente se aposentar de forma digna e justa”, finaliza Caiado no blog.

O relator do projeto, Pepe Vargas (PT-RS), rebate. “A oposição não tem autoridade para falar de Previdência. Criaram o fator previdenciário e nunca deram aumento real às aposentadorias. Agora usam os aposentados para fazer disputa política”.

Também da base, o presidente da Frente Parlamentar em Defesa, criada neste mandato, o maranhense Cleber Verde (PRB, ex-PAN), ex-funcionário do INSS de São Luís, defende a correção pela inflação mais 80% do PIB. E comemora a nova condição de coqueluche dos aposentados. “Muitos querem discutir projetos dos aposentados, pois eles saíram de casa e estão vindo às ruas. O Congresso sempre foi movido por pressão externa”.
PT vai às urnas na tentativa de sobreviver a Lula
Caio Junqueira, Valor Econômico, 20/11/2009

Os filiados que o PT convoca para a eleição interna neste domingo vão, mais do que escolher a direção que conduzirá o partido na disputa de 2010, dar início à retomada do protagonismo petista num horizonte em que, pela primeira vez, Luiz Inácio Lula da Silva não é presidente ou candidato. A tentativa do PT é agregar a popularidade lulista e retomar a autonomia na relação com o Palácio do Planalto, que o partido pretende continuar ocupando a partir de 2011.

Sob o governo Lula, o partido cresceu. Passou de 828,7 mil filiados em 2002 para 1,35 milhão no Processo de Eleições Diretas (PED) deste domingo. No Executivo, passou de 174 prefeitos para 545 e de 3 governadores para 5. No Senado, de 7 para 10, mas minguou na Câmara Federal. Elegeu em 2006 seis deputados a menos do que em 2002.

O desafio de imediato é, a partir da candidatura da ministra Dilma Rousseff, impor a hegemonia do partido frente à aliança partidária que lhe dará sustentação. A aliança com o PMDB e com outros partidos que não os históricos aliados à esquerda (PCdoB, PSB e PDT) é amplamente defendida pelos candidatos no PED, em diferentes escalas de maior ou menor simpatia. Nenhum deles, porém, abre mão das rédeas da elaboração do programa de governo de Dilma.

A mais do que provável eleição já em primeiro turno do ex-presidente da Petrobras e da BR Distribuidora José Eduardo Dutra é o retrato mais acabado desse momento do partido. Carioca de nascimento, foi senador por Sergipe entre 1995 e 2002, mas nunca teve grande atuação na máquina partidária petista. Os cargos que desempenhou no governo o aproximaram de Dilma e o PT conta com isso para que sua relação com ela difira da relação submissa que tem com Lula.

"Não adianta querer ser protagonista se não tiver voto, por isso a prioridade também é aumentar as bancadas", afirma Dutra, que não acredita em grandes alterações na relação do partido com o Planalto no pós-Lula. "Será um governo de coalizão, assim como este".
A ausência de Lula, porém, tem sido ventilada pelas hostes petistas. "É um cenário novo porque coloca em prova o que sempre defendemos: ter várias lideranças. Todo partido quer sempre ter mais presença, mas não há uma obsessão em crescer no governo", afirma o presidente do PT, deputado Ricardo Berzoini.

O fato de a eleição ser dada como certa em 1º turno - a primeira desde José Dirceu em 2001 - explica-se por uma reaproximação de forças que não se compunham desde o mensalão, em 2005, e deixou em alerta as correntes adversárias.

O que ficou conhecido como Campo Majoritário, cujo núcleo de poder esteve na cúpula do governo e do partido no primeiro mandato de Lula - Antonio Palocci, Luiz Gushiken, José Genoino, Delúbio Soares e Dirceu -, hoje está rebatizado de Construindo um Novo Brasil (CNB) e lança Dutra presidente com o apoio de antigos integrantes: a corrente Novo Rumo, de Marta Suplicy, e a PT de Lutas e de Massas, de Jilmar Tatto. Juntos, os mais otimistas falam que o grupo pode chegar a 60% dos votos.

Para esses grupos, a aliança pró-Dutra é uma convergência em nome do projeto Dilma. Para as outras candidaturas, é mais uma tática eleitoral para manter a maioria que sempre deu as cartas no partido no momento em que se configura um futuro incerto sem a presença de Lula.

"Ninguém sabe qual será o impacto de Dilma presidente sobre a vida interna do PT. É evidente que os ex-integrantes do Campo Majoritário pensaram nisto quando buscaram montar uma chapa única para o PED: querem se fortalecer para atuar num ambiente desconhecido", afirma o secretário de Relações Internacionais do PT, Valter Pomar.

Para ele, a melhor mostra de que se trata de uma tática eleitoral, e não de unidade, é a diferença entre os partidários de Dutra quanto a apoiar ou não a candidatura do deputado Ciro Gomes (PSB-CE) ao governo paulista. Pomar integra a corrente Articulação de Esquerda, cuja candidata a presidente é a deputada Iriny Lopes (ES). A previsão é de que ela tenha 15% dos votos.

A vitória no 1º turno dependerá da mobilização dos filiados nos principais colégios eleitorais: SP, RJ, MG, BA, RS e BA. São nesses locais que a CNB tem mais força. Em se mantendo o patamar de votação de 30% das últimas eleições, a vitória é tida como certa. Mas o otimismo em demasia preocupa dirigentes. Muitos filiados, por acreditarem nisso, não vão votar.

Candidato pela segunda vez, o deputado José Eduardo Martins Cardozo (SP), da corrente Mensagem ao Partido -uma dissidência do antigo Campo Majoritário- avalia que há chances reais de 2º turno. "Estamos confiantes. E se houver, pode ter mudanças profundas no quadro", diz.
Ao lado do deputado federal pelo DF e candidato pela corrente Movimento PT, Geraldo Magela, Cardoso concentra-se na crítica à forma como a CNB conduz o partido. As duas correntes avaliam que, em geral, a hegemonia do ex-Campo permanece, embora com "cara e jeito diferentes". Integrantes do Movimento acreditam na possibilidade de chegar a 14% dos votos.

Havendo segundo turno, as chances de as correntes minoritárias terem maior participação interna aumentaria, embora a atual direção garanta que isso já ocorra. A candidata da AE, deputada Iriny Lopes (ES), aposta que o PT, qualquer que seja o resultado de sua disputa interna, deve focar a busca pelo protagonismo não apenas pelo poder, mas para comandar uma efetiva discussão programática.

"A importância do PT não será medida pelos ministérios, mas na articulação no Congresso e sobretudo na condução do programa de governo. O PT será fortalecido na medida em que tiver participação na construção do projeto vencedor numa terceira etapa", diz.

Berzoini garante que essa terceira etapa terá a participação de todas as correntes. "É pouco relevante fazer mais de 50% dos votos. O que importa é valorizar todas as chapas". Pode ser o prenúncio de uma nova fase do PT. Se Dilma vencer as eleições.

16.11.09

Livros e apostilas fomentam disputa PT x PSDB
Valor Econômico - 16 de novembro de 2009
Caio Junqueira, de São Paulo

A crescente participação dos grupos privados nas redes municipais de ensino do Estado de São Paulo colocou em rota de colisão, as políticas educacionais dos dois principais partidos para a sucessão presidencial, PT e PSDB.

Enquanto o Ministério da Educação amplia, ano a ano, a distribuição gratuita de livros didáticos para todos os alunos da rede pública nacional, proliferam nas prefeituras paulistas os sistemas particulares e suas apostilas, em comunhão com as diretrizes da Secretaria Estadual de Educação.

Hoje mais de um terço dos alunos das cidades paulistas usam apostilas privadas e tem toda a condução e assessoramento de sua política pedagógica coordenada pelos maiores grupos de educação do país, como COC, Anglo, Objetivo e Positivo.

Trata-se do Estado com o maior índice (7%) de escolas que se recusam a receber, gratuitamente, os livros fornecidos pelo MEC. Depois, vêm Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Paraná, com 1%. Nos demais, a recusa não chega a um dígito.

Na prática, isso significa que os prefeitos paulistas têm cada vez mais abdicado dos livros didáticos e optado por comprar um pacote em que se incluem apostilas, programação de aulas, avaliações externas e internas, treinamento de professores e funcionários e capacitação tecnológica. O preço varia entre R$ 150 e R$ 300 por aluno, contra cerca de R$ 18 que o MEC, em média, gasta com o programa de distribuição de livros per capita.

Há ganhos incalculáveis em visibilidade eleitoral, já que as apostilas privadas dão a seus alunos a oportunidade de estudar com o mesmo sistema de ensino que seus pais não poderiam arcar na rede privada. Ainda que isso deflagre inquéritos do Ministério Público apontando irregularidades nas transações ou condenações do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que se viu obrigado a baixar uma norma há dois anos obrigando os municípios a fazerem licitações para a escolha dos grupos.

A participação dos grupos de ensino nas campanhas municipais também cresceu consideravelmente. Em 2004, não há registros significativos de doações. Em 2008, elas somam R$ 185 mil, pouco se comparado a outros setores da economia, mas muito se comparado às eleições anteriores.

Apesar de os governos federal e paulista não terem autonomia para interferir diretamente nas escolhas dos governos municipais, ambos têm visões diametralmente opostas do assunto e travam uma guerra silenciosa sobre o tema. O PSDB vê a "apostilização" com bons olhos. "Em geral há um preconceito quando se fala da questão da apostila, como se fosse algo de menor qualidade. Se fosse assim 95% das escolas privadas não as usariam. Elas trazem uma sistematização das disciplinas ao longo do ano, com encadeamento de conteúdo, treinamento de professores e acompanhamento da evolução", afirma o secretário de Educação do Estado de São Paulo, Paulo Renato Souza (PSDB), que considera "defectivo" usar o termo "apostila". "São sistemas de ensino", justifica.

A defesa dos "sistemas" que Paulo Renato faz se relaciona com a política pedagógica prioritária do PSDB: uniformização curricular da rede permitindo que todas as escolas sejam avaliadas de maneira mais equânime, de modo a facilitar a aplicação de sua política de localizar deficiências e premiar os educadores cujos alunos se saiam melhor nos exames estaduais.

Tanto é assim que a ex-secretária de Educação Maria Helena Guimarães de Castro, do mesmo grupo político-pedagógico de Paulo Renato, iniciou em sua gestão a confecção de apostilas para a rede estadual de ensino, que são distribuídas gratuitamente ao aluno e ao professor em complemento aos livros didáticos do MEC. A partir de 2010, o material será oferecido também à rede municipal de ensino. Foi este material que, em março deste ano, acrescentou mais um Paraguai e excluiu o Equador do mapa da América.

O PT é contra. Argumenta que as apostilas limitam a autonomia intelectual e pedagógica do professor, que vê seu universo de atuação circunscrito a uma imposição diária que define o conteúdo a ser dado em cada aula, sem que isso tenha sido previamente discutido entre os educadores de cada cidade. Avalia ainda que o processo de escolha dos livros didáticos é mais democrático, pois cada professor escolhe os seus mediante lista prévia do MEC.

"Os professores não precisam de muletas para dar aulas. Eles precisam de autonomia, não de tutela de terceiros. Não queremos um sistema rígido e reducionista como as apostilas", afirma a secretária de Educação Básica do MEC, Maria do Pilar, ex-secretária de Educação de Belo Horizonte na gestão Fernando Pimentel (PT).

Para ela, aumentar cada vez mais a oferta de livros didáticos e programas de formação de professores é a melhor resposta que o ministério dá a onda da "apostilização". "Temos a certeza de que quanto melhor prepararmos o professor, menos ele irá aceitar a imposição das apostilas por quem quer que seja", diz. O ministro Fernando Haddad não quis falar ao Valor sobre o assunto.

O problema é que não há conclusões assertivas sobre os efeitos dos sistemas apostilados na rede pública. Muitos professores no Estado reclamam, tanto das apostilas privadas quanto das do Estado. A principal pesquisa existente foi apresentada pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo. A conclusão foi de que os municípios que adotaram as apostilas privadas melhoraram suas notas (veja quadro nesta página), embora isso não possa ser atribuído com segurança à adoção desses métodos.

"Não é possível relacionar as melhores notas obtidas pelo alunos cujos municípios contrataram esses serviços com os serviços em si e nem afirmar que se todos adotarem, todos irão melhorar. Vimos que os municípios que passaram a adotar as apostilas já vinham aumentando suas notas comparados aos que não adotaram. Então pode ser que um conjunto de medidas melhorem o desempenho, como o engajamento das autoridades e dos educadores municipais tendo como foco o aprendizado do aluno. Assim, a adoção de apostilas pode ser mais uma de uma série de medidas implementadas", afirma o coordenador da pesquisa da FGV, André Portela.

O estudo também mostrou que esses municípios têm perfil semelhante: são pequenos, com população na faixa de 24 mil habitantes e gastam cerca de 10% a mais com educação. Também afirmou "que em termos relativos ao total de prefeituras de um dado partido, PP, PSDB e PMDB são os com maior proporção de conveniados".

Uma outra pesquisa está em andamento. Coordenado por Thereza Adrião, professora doutora da Faculdade de Educação da Unicamp, o relatório com 365 páginas apresentado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) avalia iniciativas de parcerias com o setor privado na rede de ensino público paulista.

Com uma visão crítica dessas parcerias, a professora destaca quatro pontos prejudiciais à "apostilização": falta de controle social ou técnico, fragilidade conceitual e pedagógica dos materiais e serviços comprados pelos municípios, duplo pagamento pelo mesmo serviço - já que o MEC fornece materiais gratuitos, vinculação do direito à qualidade de ensino submetida à lógica do lucro - e padronização de conteúdos e currículos escolares como parâmetro de qualidade.
Durante a pesquisa, um outro componente foi destacado: o viés político das aquisições. "O que percebemos é que isso vem sendo utilizado como moeda eleitoral. O que ocorre quando a oposição vence a eleição? Muda-se o material, muda-se a empresa e a possibilidade de constituição de uma política educacional afeita às necessidades do município é, em realidade, negada", afirmou Thereza em e-mail ao Valor.

No relatório, escreveu: "Na falta de efetivas diferenças político-partidárias locais (nos pequenos municípios), são as medidas governamentais com certa visibilidade que se convertem em diferenciais nas disputas eleitorais: a aquisição do sistema de apostilas de hoje concorre com a construção da praça ou do coreto de outrora."

Foi o que ocorreu, por exemplo, em Taquaritinga (a 330 km de São Paulo). Em 2004, ano eleitoral, o prefeito Milton de Paula (PR) contratou o Sistema de Ensino Expoente para fornecer material didático e assessoria pedagógica ao município. Vitoriosa nas urnas, a oposição fez uma pesquisa na rede em que 90% dos professores optaram pela volta dos livros didáticos. O contrato com a Expoente foi desfeito.

Responsável por julgar as contas paulistas, o TCE notou que aumentava a cada ano o número de prefeitos que contratavam empresas de educação sem a realização de licitação prévia. Resolveu, então, exigir concorrência pública nesses casos.

O Ministério Público Estadual teve semelhante percepção e começou a investigar. Em 2007, o Grupo de Atuação Especial Regional para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado (Gaerco) deflagrou uma operação para apurar possíveis irregularidades na compra de apostilas da editora Múltipla em diversos municípios do interior paulista. Em gravação obtida pelos promotores, o dono da editora, Paulo Cesar Froio, afirma que, ao final do contrato celebrado com as prefeituras, 3% do total vão para o intermediário e outros 10% para o partido do prefeito.

Alguns municípios, como Limeira e Vinhedo, instauraram CPIs nas Câmaras Municipais, que acabaram arquivadas. À comissão de Limeira, Froio negou o esquema, disse que sabia que havia sido filmado e que, por isso, até piscou para a câmera.

Os maiores problemas ocorreram em Taubaté (a 123 km de São Paulo), onde o Ministério Público Federal trava uma batalha jurídica com o prefeito reeleito Roberto Peixoto (PMDB) para que sejam devolvidos aos cofres públicos R$ 33,4 milhões (cerca de 10% do orçamento) referentes a gastos com contratação do sistema de ensino Expoente entre 2006 e 2008. Em julho deste ano, o MPF entrou com uma ação de improbidade administrativa. Para o órgão, houve superfaturamento.

No ano passado, durante a campanha eleitoral, o MP representou o prefeito na Justiça Eleitoral em razão da confecção, pela Expoente, de 70 mil apostilas sobre a história da cidade que continham sua foto rodeado por crianças. O custo foi de R$ 1,57 milhão, sem concorrência.
A gráfica da Expoente rodou também 47 mil exemplares de um informativo que destacava investimentos da administração de Peixoto na educação. Neles, vinha escrito: "Cortesia do Sistema Expoente de Ensino".

Neste ano, após Peixoto vencer a eleição com uma diferença de 2.109 votos (1,4% do total), o contrato com a Expoente foi renovado por R$ 10 milhões, de novo sem licitação. O MP, porém, conseguiu que a Justiça o suspendesse liminarmente.

Em nota ao Valor, o Expoente afirmou que não foi o responsável por rodar as apostilas com a história da cidade e que o contrato com o município não foi superfaturado. Afirmou ainda que as escolas de Taubaté com seu material apresentaram notas no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) superiores à média nacional.

São justamente as notas no Ideb que os grupos costumam oferecer ao prefeito como melhor contrapartida de seus serviços. Além disso, outro atrativo é o auxílio gerencial. Para Guilherme Faiguenboim, diretor geral do sistema Anglo de ensino e presidente da Associação Brasileira de Sistemas de Ensino (Abrase), os livros didáticos fornecidos pelo MEC são bons, mas não resolvem o principal problema dos prefeitos no setor educacional: a gestão educacional.

"Chegar e distribuir livro de graça não resolve o problema. Vai ver se os professores estão usando. Não tem currículo, programação, planejamento. E isso tudo nós temos e fornecemos. Uma filosofia unificada de todas as matérias, linguagem comum, de forma organizada. O problema da rede pública é de gestão e os sistemas de ensino apresentam soluções de gestão escolar", afirma.

Ele diz também que o dispêndio de recursos com os sistemas privados acabam tendo retorno com a melhoria dos indicadores educacionais e, consequentemente, do IDH. Isso, segundo ele, torna a cidade atrativa para investimentos e para obter repasse de recursos financeiros. Questionado se há mesmo melhoras nos indicadores, ele diz que "não é uma panacéia que faz milagres, mas permite que o professor se organize para dar aula e que os alunos e pais fiquem motivados com a escola pública".

Faiguenboim rebate as críticas. "O ensino hoje passou a ser dominado por quem tem visão ideológica, e não, pedagógica. Qualquer coisa que se fale de participação de escola particular já acham um absurdo . É a ideologia interferindo no ensino. Isso é muito fácil na hora de escrever tese mas ensinar a criança a ler e a escrever é diferente." A Associação Brasileira dos Editores de Livros (Abrelivros) retornou os pedidos de entrevistas. Segundo alguns editores, o motivo é que, de olho no novo nicho de mercado, empresas que antes editavam livros didáticos tem começado a investir em apostilas, como a Ática/Scipone, Uno, FTD e Moderna.

O MEC tem resistido ao pedido dos grupos de ensino para que suas apostilas sejam avaliadas. O que se configura como outro fator de discordância entre Brasília e São Paulo. "O MEC vai precisar encarar essa realidade. Não pode ficar com essa visão de que todos os sistemas são fracos. Isso na verdade é mais uma razão para eles fazerem a avaliação" , afirma Paulo Renato. Reservadamente, os técnicos do ministério dizem não estar em seus planos fazer do Plano Nacional do Livro Didático um "Plano Nacional das Apostilas".