31.10.08

Sem a máquina, PT perde maior reduto
Caio Junqueira, de São Paulo31/10/2008, Valor Economico


A derrota da petista Marta Suplicy nas eleições de São Paulo colocou em risco a hegemonia de um dos seus principais grupos de apoio político, a família Tatto. Com três dos doze irmãos com representação nas esferas municipal, estadual e federal do Poder Legislativo, seus integrantes assistiram no domingo ao que há alguns anos parecia improvável: a vitória, de virada, de um adversário "da direita conservadora" no seu reduto eleitoral, a Capela do Socorro, na carente zona sul sul da cidade.

Apesar de Marta ter batido o prefeito Gilberto Kassab (DEM) no primeiro turno por 42% a 32%, na segunda rodada ele virou para 50,5% a 49,4%. Um feito inédito, que ganha mais força com a perda de espaço na região do vereador eleito para seu sexto mandato Arselino Tatto ao mesmo tempo em que vereadores aliados de Kassab, como Antonio Goulart (PMDB) e Milton Leite (DEM), aumentaram sua votação. Tatto viu o decréscimo de seu sufrágio de 6,5% em 2004 para 5% neste ano, enquanto Goulart passou de 15,4% para 23,2% e Leite, de 2,7% para 5,2%.
O curioso é que os fatores que consolidaram o poder dos Tatto na Capela do Socorro são os mesmos que agora os obrigam a, no mínimo, ter que dividir o poder em seu histórico reduto eleitoral: a utilização da máquina pública como sustentáculo do pragmatismo político e do assistencialismo em uma das regiões mais pobres da capital paulista. Pior, com grande ajuda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, com bom relacionamento com Kassab e com o governador José Serra (PSDB), destinará até 2010, via Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), cerca de R$ 1 bilhão para a reurbanização de favelas e recuperação de mananciais nas represas Billings e Guarapiranga, que margeia a Capela do Socorro.

"Houve forte uso da máquina da prefeitura e particularmente na zona sul e naquela região da Capela, com clara utilização do dinheiro do PAC sendo usado para potencializar a candidatura de vereadores e do prefeito na região", afirma o deputado federal Jilmar Tatto. Ele diz que, embora seja do mesmo partido que o presidente, são os municípios que controlam os recursos do PAC. "O governo federal manda o recurso para as cidades. Então todo o processo do cronograma de obras de investimento e a locação disso em determinado local é feito pelas prefeituras", diz. Tatto também cita como exemplo de utilização da máquina o "checão" que Kassab deu a Serra para a ampliação do metrô, a duas semanas das eleições.

Mas foram as obras na região, que na avaliação de petistas colocou em xeque a predominância dos Tatto na zona sul. Boa parte delas sendo capitalizadas eleitoralmente pelo vereador Milton Leite, um ex-pemedebista que na gestão Kassab migrou para o Democratas. Empresário ligado ao setor de construção civil e agora integrante do mesmo partido do prefeito, obteve influência dentro do segundo escalão da Secretaria Municipal de Habitação, também comandada pelo Democratas. Isso fez com que, por exemplo, soubesse de antemão as inaugurações e obras em andamento na Capela do Socorro.

"Muitas pessoas ali acham que as obras da secretaria são dele. Tudo é tido como coisa dele. Quando você fica sabendo de um evento da secretaria, o pessoal dele já fez todo o trabalho prévio de divulgação da obra como se fosse do vereador. Isso ocorreu em todas as situações por ali", afirma uma liderança da região, que pede anonimato porque diz que "vive e pretende continuar vivendo na região". No balanço da subprefeitura da Capela do Socorro, mais de 9 mil famílias foram beneficiadas em obras de habitação no bairro. Nem a Secretaria de Habitação nem o vereador responderam aos esclarecimentos do Valor. Em quatro anos, Milton Leite dobrou seu percentual de votos na região, sendo o segundo mais votado neste ano.

A primeira colocação ficou com Antonio Goulart (PMDB), com praticamente um quarto das urnas da Capela do Socorro e a segunda votação em toda a capital. Em 2000 teve 4,4% e em 2004 15,3%. O pemedebista atua no encaminhamento de demandas de uma série de entidades sociais da região. "Se tem feijoada estou na cozinha, se tem churrasco estou na churrasqueira, se tem reivindicação eu tô ajudando a colher assinatura a elaborar documento. São as entidades sociais que me ajudam a construir o mandato" diz ele.

A mais conhecida delas é a Sociedade Beneficente Equilíbrio de Interlagos (Sobei), presente há mais de 20 anos na região e cuja vice-presidente é mulher do vereador. Seu principal ramo de atuação é a administração de creches, atendendo cerca de 4.000 crianças. Antes da gestão Kassab, a entidade administrava duas, uma desde 1988 e outra desde 1999. Goulart, que integrou a base de Marta entre 2000 e 2004 passou a apoiar Kassab.

Na atual gestão, conseguiu que a Sobei administrasse mais quatro creches. "Todas as entidades que ajudo têm alto nível. Tenho relacionamento com várias. A Sobei é só mais uma e existe muito antes do Goulart ser vereador", afirma. Além da atuação com as entidades assistenciais, o vereador também capitalizou votos com uma ponte que melhorou o trânsito na região e que leva o nome de seu pai, Vittorino Goulart, e com a estação de trem em Grajaú. Ele sonha agora com a construção de avenidas marginais nas represas Billings e Guarapiranga.

A força de Goulart na região fez com que a coordenação de campanha de Kassab deslocasse seus correligionários para organizar o comitê do Democratas na região. "Em um primeiro momento, procuramos atuar com discrição. Existe uma animosidade e uma defesa do território muito grande pelos petistas aqui", afirma Vanderlei Taconi, responsável pelo comitê.

Ele conta que na campanha do primeiro turno o foco foi a "conversa ao pé-de-ouvido", por meio dos visitadores que casa-a-casa apresentavam o desconhecido prefeito e suas realizações na região. O resultado foi um salto de 8 pontos na pesquisa para 32% dos votos nas urnas. Isso fez com que no segundo turno eles "escancarassem", segundo suas palavras, a campanha nas ruas. "Enquanto os petistas se preocuparam em manter o que tinham, nós queríamos crescer onde não tínhamos. E acabamos virando o jogo", diz. O prefeito, porém, foi pouco à Capela. Fez mais visitas como prefeito do que como candidato. "Temíamos represálias dos adversários", afirma.

O receio se justifica por um confronto que marcou as eleições municipais de 2004. O candidato desafiante, José Serra, foi até a Capela fazer campanha e o maior embate daquela disputa se instaurou. "Aqui tucano não entra", brandiam os aliados dos Tatto. Houve tumulto e provocações diretas a Serra, que se viu em meio a um empurra-empurra. O episódio acabou na delegacia. Era o auge da força dos Tatto, que com Marta prefeita, teve nomeado Jilmar Tatto para a quatro importantes secretarias (Abastecimento, Transportes, Subprefeituras e Governo). Arselino foi eleito presidente da Câmara. A subprefeitura e o serviço funerário da Capela do Socorro foram concedidas a aliado e o processo de filiação em massa consolidou seu poder dentro do PT paulistano, com reflexos até hoje: dos 82 mil filiados da capital, cerca de 10 mil são do diretório da Capela.

Por outro lado, essa concentração de poder já começava a incomodar petistas locais, que se sentiam alijados das principais decisões do grupo e sem espaço para crescerem no partido. Exemplo disso é que, até hoje, o diretório da Capela do Socorro controlado pelos Tatto engloba também Grajaú e Parelheiros, áreas mais pobres ao sul e onde eles têm melhores votações. Foi lá que a diferença entre Marta e Kassab foram das maiores na cidade, o que os Tatto apontam como contraponto à avaliação de que perderam força em seu reduto. Mas também foi por lá que desponta uma das dissidências do grupo, o vereador eleito Alfredinho. Ele foi o terceiro mais votado no Grajaú, nono em Parelheiros e quarto na Capela, com 3.806 votos, 2.500 a menos que Arselino.

Além da concentração de poder, outra crítica que se faz na própria zona sul é de que o pragmatismo dos Tatto sufocou a luta orgânica dos movimentos sociais da Capela do Socorro, predominantes na fundação do partido na área. A preferência dada foi a atendimento de demandas locais em detrimento do debate ideológico.

Vindos do Paraná nos anos 70, eles se instalaram na zona sul paulistana, tendo ativa participação nas Comunidades Eclesiais de Base. Na época, a igreja na região era chefiada pelo progressista dom Antônio Gaspar, bispo auxiliar do também progressista dom Paulo Evaristo Arns. Dom Paulo solicitou ao Vaticano a criação da diocese de Santo Amaro e que Gaspar a comandasse.
Na esteira do conservadorismo do papa João Paulo II, a diocese foi criada, mas sua administração foi delegada a dom Fernando Figueiredo, tido na região como muito conservador. Essa troca enfraqueceu os movimentos progressistas que desenvolviam seus trabalhos na região.
Simultaneamente, as duas principais lideranças que fundaram o PT por lá, Marco Aurélio Ribeiro
e Airton Soares, deixaram o partido em protesto contra o não-apoio da sigla a Tancredo Neves durante o colégio eleitoral em 1985.

Esses dois fatos deixaram um vácuo político na região, que propiciou o surgimento dos Tatto na política. A família tinha atuação em alguns movimentos, como o que incentivava a ocupação clandestina de terrenos. A vitória de Luiza Erundina, então no PT, colocou-os na máquina pública pela primeira vez. Um dos irmãos, Leonide Tatto, passou a comandar a subprefeitura da Capela do Socorro. Arselino foi eleito vereador. Nos anos 90, Arselino foi reeleito sucessivas vezes.
Eventuais reflexos da perda de espaço na Capela do Socorro nas disputas internas do partido são rechaçadas pela família. "A ação do nosso grupo transcende os limites da Capela. Na cidade elegemos quatros vereadores além do Arselino, sendo que três deles são da zona leste, onde há a maior concentração de eleitores da cidade", afirma o deputado estadual Ênio Tatto. Mas para um dos principais petistas da região, Glauco Piai, secretário de Organização do PT municipal, é preciso resgatar as origens do petismo na região para combater o avanço de Kassab. "Temos que resgatar os canais de comunicação perdidos com os movimentos progressistas da Igreja e com as associações de bairro. Foi uma derrota que vai se transformar em uma grande vitória".

24.10.08

Crise põe em risco promessas de campanha

Caio Junqueira e Marta Watanabe, Valor Econômico, 24/10/2009
De São Paulo

Depois de um primeiro turno que consagrou a reeleição de governantes com receitas em ascensão, a crise financeira que se agravou durante a campanha do segundo turno pôs em risco as propostas mais vistosas dos candidatos a prefeito nos cinco maiores colégios eleitorais que vão às urnas neste domingo. Em São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre os postulantes prometem grandes realizações desconsiderando os impactos que a crise financeira pode vir a ter em suas receitas e nas dos governos estaduais e federais, que em boa parte dos casos embasam as promessas, além da iniciativa privada, também ameaçada pela crise.

Grandes obras viárias, expansão do metrô, congelamento de tarifas de ônibus, escolões, hospitais e reforço e valorização do funcionalismo público foram proposições correntes na campanha do segundo turno. Todas essas propostas foram colocadas nos planos de governo no primeiro semestre deste ano, quase que simultaneamente à elaboração dos orçamentos municipais dentro de perspectivas econômicas otimistas para 2009, com crescimento de PIB de 4,5% e câmbio de R$ 1,71. As novas projeções de mercado a partir do boletim Focus, do Banco Central, porém, apontam para 3,35% de acréscimo do PIB e dólar a R$ 1,87.

As conseqüências imediatas da mudança no cenário econômico são menos recursos a serem aplicados em 2009, principalmente em investimentos, área central das promessas dos candidatos. Nas secretarias de finanças, a crise já começa a chegar. Quatro das grandes capitais que terão segundo turno prevêem para 2009 um crescimento de receitas menor do que a elevação que havia sido estimada nos orçamentos de 2008. Algumas delas já fazem novas projeções de PIB e inflação para o Orçamento que diferem das estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias encaminhada em abril às Câmaras.

O caso que mais chama a atenção é São Paulo, onde a previsão de crescimento do PIB caiu de 4,3% para 3,6%, o que significa menos R$ 3 bilhões para investir. “Há uma defasagem entre as previsões de abril e de setembro, com uma mudança substantiva. Se usássemos os mesmos critérios da LDO, a previsão seria de R$ 32 bilhões, e não de R$ 29 bilhões, como encaminhamos. Estamos trabalhando com um cenário de 2009 ruim”, afirma Walter Aluísio Rodrigues, secretário de Finanças do prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, Gilberto Kassab (DEM). Ele refuta, porém, a idéia de queda de receita. Afirma que o que ocorre é apenas uma “diminuição do ritmo de crescimento”.

Em Belo Horizonte, o secretário de Finanças, José Afonso Beltrão da Silva, afirma que uma reavaliação de rotina do Orçamento de R$ 6,1 bilhões, o maior da história da cidade, está programada para o fim de novembro. “O que vai valer efetivamente para nós, do que estamos esperando receber em 2009, é na reunião da junta orçamentária. É aí é que vamos ver se as projeções que vamos fazer estarão diferentes do cenário”, diz. Entretanto, já prevê que em um cenário de crise os R$ 500 milhões de investimentos seriam os primeiros recursos a serem comprometidos, nos quais se incluem pequenas obras viárias sugeridas a partir das audiências do Orçamento Participativo — uma das vitrines da gestão de Fernando Pimentel (PT) e de seu candidato, Márcio Lacerda (PSB).

Tanto em um caso quanto em outro há a expectativa de que 2009 se inicie com contingenciamento de caixa, algo já adotado desde 2005 em São Paulo e que seria uma novidade em Belo Horizonte. Na capital paulista, desde que José Serra (PSDB) assumiu o expediente é utilizado. Uma avaliação da execução orçamentária por secretaria da gestão Serra-Kassab aponta que as áreas que costumam sofrer maior aperto são as sociais e de obras. Em 2005, ano com maior aperto da gestão, a secretaria de assistência social teve liquidados 34,6% do Orçamento previsto e a de infra-estrutura e obras, 31,7%. No ano seguinte, a secretaria do Trabalho teve 42,2% dos recursos contingenciados, e a de infra-estrutura 40,8%. A Secretaria de Finanças informou que esses cortes foram feitos após um congelamento linear em todas as áreas e “observando sempre a projeção da receita e o ritmo de execução dos gastos”. Para a candidata Marta Suplicy (PT), a prioridade deve ser “preservar as atividades que atendem à população que mais tem necessidade de serviços públicos” e cortar “investimentos ou obras não emergenciais”.

Em Porto Alegre, o contingenciamento, normalmente de 20%, segundo Clóvis Magalhães, coordenador de campanha do atual prefeito da capital gaúcha, José Fogaça (PMDB), também pode vir a ser ampliado. “É natural que façamos uma readequação orçamentária face aos efeitos da crise”, reconheceu. Já na campanha adversária, da candidata do PT, Maria do Rosário, o coordenador, Ubiratan de Souza, apesar de confirmar que haverá uma revisão orçamentária, considera baixo o percentual de investimentos da gestão atual, o que possibilitaria, mesmo com a crise financeira, um aumento de recursos neste item.

O Legislativo municipal também será envolvido nas readequações orçamentárias. “Aguardamos o resultado do segundo turno para efetivar as audiências públicas com secretaria de finanças, e possível equipe de transição. Se for o entendimento do Executivo, é salutar reavaliar as projeções”, afirma Sami Jorge (DEM), presidente da Comissão de Finanças da Câmara do Rio de Janeiro. Na capital fluminense, a vereadora Aspásia Camargo (PV), do mesmo partido do candidato à Prefeitura, Fernando Gabeira, diz que várias das receitas do Orçamento do Rio não devem se concretizar no próximo ano. Entre elas, a receita prevista de R$ 2,67 bilhões de ISS e R$ 1,27 bilhão em IPTU. Para ela, a redução das receitas e o impacto da desvalorização cambial para as dívidas em dólar deverá dificultar cumprir o superávit de R$ 747 milhões.

A vereadora, que foi presidente do Ipea, resiste em dizer que o quadro pode provocar corte de investimentos. Ela acredita que será possível equilibrar as contas com corte de despesas, principalmente em custeio, com redução de cargos em comissão e maior racionalização nos programas e gastos municipais. “Além disso podem ser implantadas políticas para aumento de receita por meio de atração de empresas, principalmente para a modernização de serviços da cidade”, diz. Além das capitais, a crise ameaça o conjunto das cidades brasileiras.

“Ainda não há como medir os efeitos, mas o cenário é preocupante”, diz Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Ele explica que um eventual desaquecimento econômico deve afetar todos os 5.546 municípios. Nas capitais e grandes cidades, pode significar redução de arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS), principal tributo das prefeituras com forte arrecadação própria. Os municípios menores, com alta dependência dos repasses obrigatórios dos Estados e da União, também devem ser afetados porque a fonte das transferências são tributos que também poderão sofrer queda de arrecadação. As transferências, somadas ao ISS, representam praticamente metade do total de receitas correntes das prefeituras.

Em 2008, a estimativa da CNM é de que essas fontes de receitas somem perto R$ 121 bilhões, o que significa uma elevação de 18,6% nominais em relação ao ano passado.Para Amir Khair, especialista em contas públicas e ex-secretário de Finanças da prefeitura de Luiza Erundina, em São Paulo, um dos primeiros impactos que os municípios irão sentir em 2009 deverá ficar por conta do repasse da União, via Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O fundo tem como base o Imposto de Renda, tributo pago pelas empresas sobre a rentabilidade, índice que pode cair antes que a crise na economia real afete o nível de consumo. “Os lucros das empresas já estão sendo afetados pela crise financeira. O crédito já escasso e mais caro reduzirá rapidamente o de lucro das empresas”, diz. Com isso, os novos prefeitos já poderão receber níveis bem menores de repasses da União já no primeiro período de sua gestão.

Caso a crise também seja forte na economia real, com queda no nível de consumo da população, os municípios também sentirão a redução nos valores de distribuição da sua parte no ICMS recolhido pelos Estados. Atualmente 25% do ICMS arrecadado com o imposto é transferido aos municípios. O repasse de ICMS, diz Ziulkoski, é a principal transferência obrigatória às prefeituras. Neste ano esse repasse deve atingir R$ 55 bilhões, segundo cálculos da CNM. A transferência pelo fundo da União deve atingir R$ 43 bilhões. Khair lembra que, mesmo numa perspectiva de cenário adverso, as prefeituras não têm muito interesse em corrigir totalmente os valores de orçamento.

Com previsão de receitas um pouco mais altas, os administradores garantem para o decorrer do ano seguinte um valor maior de margem de suplementação. “Ou seja, o percentual do orçamento que pode ser realocado livremente pelo Executivo sem autorização da Câmara dos vereadores.” Isso é especialmente verdadeiro nos municípios nos quais o prefeito atual tenta reeleição ou ainda pode reeleger quem apóia. É o caso de quatro das cinco grandes capitais que terão segundo turno. A renovação da estrutura de governo e a adaptação a um cenário de desaquecimento econômico é mais viável nos locais onde acontecerá troca de prefeitos. Considerando o consolidado dos municípios, isso acontecerá com dois terços da administração. “Esses novos prefeitos precisarão aproveitar a posse para recompor a gestão porque poderão sentir a queda de crescimento de receitas logo nos primeiros meses”, diz Ziulkoski. Ele acredita, porém, que o corte será um desafio para alguns administradores.“O gasto com pessoal não pode ser eliminado de uma hora para outra no setor público e esse dispêndio é significativo, com participação média de 44,5% nas despesas totais, fora a destinação obrigatória para a saúde e a educação”, esclarece. (Colaborou Gulherme Manechini)

10.10.08

Em Santana, tradição religiosa, culto à família e aversão a taxas definem o voto anti-petista
Caio Junqueira, Valor Econômico, 10/10/2008

Nem a presença da Paróquia de São José Operário, Patrono dos Trabalhadores, é capaz de levar os eleitores do bairro de Santana a votar na candidata à prefeita de São Paulo pelo Partido dos Trabalhadores, Marta Suplicy. É neste bairro da classe média e alta paulistana, o primeiro ao norte do rio Tietê, que ela assiste , eleição após eleição, sua votação despencar. De 2000 a 2004, caiu 25%. Neste ano, 53%.

Encontrar um eleitor petista nas tortuosas ruas deste bairro é tarefa árdua. Na melhor das hipóteses, o que se vê são ex-petistas (arrependidos) que, quando optaram pelo 13 nas urnas, o destinatário foi o presidente Lula. Bem antes de ele tentar ser presidente. “Só votei no Lula em 1986 porque eu trabalhava com metalúrgica. Depois nunca mais. Trabalhei com a Erundina. Para consertar um banheiro eles faziam reunião. Se Moisés fosse petista ainda estava no Egito consultando as bases pra ver se fugiam do Egito”, diz Ruth Guiness, 63, dona-de-casa, caminhando por uma das feiras livres do bairro na fria manhã de anteontem.

As opiniões expressadas, em geral, trazem consigo uma anedota, um termo pejorativo — como a referência à gestão Lula a um “governo de bebum” e a ojeriza a ele por uma “questão de pele”— e muitas referências a condutas pessoais tidas por inaceitáveis aos políticos. Mais do que ao presidente e ao partido, são esses julgamentos que embasam a maior parte das críticas a Marta, ainda que o bairro concentre o maior índice de divorciados da cidade.“A família dela é muito desregrada. Político tem que ser como um juiz, tem que ter regra. O que ela proporciona para a minha família? Ligo a tevê e ela está na Parada Gay. O que tá indicando para meu filho? Para relaxar e gozar? E o filho dela? Cantor louco de rock, ‘zueiro’, o que proporciona de bom? Sem falar que para ser prefeita tem que ter marido”, afirma a advogada Ariane Leonardi, 32 anos. Atuante na área de direito de família para pessoas carentes, embora a bordo de um Dodge Journey da montadora Chrysler avaliado em cerca de R$ 100 mil, ela pede, no fim da conversa: “Frise a família e a sociedade. O que falta nela é o conceito de família”.

O discurso expõe um componente constante no bairro, a religiosidade. Desde sua fundação, a Igreja tem presença forte no local, a começar pela origem do seu nome: Santa Ana. Formado a partir da doação de uma sesmaria a Companhia de Jesus no século XVII, o crescimento veio no fim do século XIX, com a instalação de um colégio pela Irmãs de São José de Chambéry. Já no início da abertura política ainda durante o regime militar, ficaram famosas as “senhoras de Santana” que atuaram contra o despudor televisivo.

Hoje, a aversão ao PT e a Marta é questionada pelo padre Humberto, da Paróquia São José Operário. “A resposta para isso é uma constante busca minha. Mas acho que há um receio da classe média a aspectos religiosos, políticos e comportamentais que venham de setores progressistas da sociedade”, afirma. Ele conta também que verificou isso quando se instalou no bairro, há cinco anos, e muitas pessoas tinham aversão ao Concílio Vaticano II, documento papal que nos anos 60 modernizou e abriu a instituição para, segundo ele, “tantas realidades”.

Além da tradição e da família, a propriedade também permeia os argumentos contrários à petista. Bairro onde o pequeno e médio comércios compõem o visual das ruas, as taxas do lixo e da luz criadas na gestão Marta, entre 2001 e 2004, são pontos que elevam a rejeição à ex-prefeita. “Eu gostava tanto dela, votava nela, mas depois, com essas taxas não dá mais. Pesou bastante para a gente. Quando mexe no bolso fica ruim, né”, diz Ingrid, proprietária do Empório da Beleza, na avenida Alfredo Pujol, a principal do bairro.

Há, porém, quem estenda as críticas às questões administrativas e ao setor considerado ponto forte da candidata: educação. Presente na rede pública municipal de ensino desde os anos 80, a diretora de escola Jane Garcia, 52 anos, kassabista, teve como chefes em última instância uma seqüência de prefeitos com colorações partidárias diversas: Mário Covas, Jânio Quadros, Luiza Erundina, Paulo Maluf, Celso Pitta, Marta Suplicy, José Serra e Gilberto Kassab. E garante: o chefe atual é o maioral. “Ela fez os CEUs mas e o restante como é que fica? Estou em uma escola hoje que precisava de reformas elétricas, hidráulicas, pintura, ampliação. Só agora conseguimos. Só agora os professores são valorizados com aumentos”, diz, enquanto seu poodle Tara, protegido do frio com um vestidinho azul, descansa em seu colo.

Depois da exposição técnica, cita, tal qual os outros entrevistados, os aspectos pessoais da candidata petista. “Ela é arrogante e tem toda a questão social-familiar”.O anti-petismo de Santana acaba por contaminar a candidatura dos vereadores da legenda. O primeiro integrante da sigla a aparecer na lista dos mais votados é José Américo, na 33 colocação, com 256 votos. Antes dele, predominam políticos do PSDB, DEM, PP e PTB. Quem lidera o ranking, com 3.095 votos, é o tucano Gabriel Chalita, o mais votado da capital paulista. Tendo por lema de campanha “São Paulo mais educada, sua família mais feliz”, descreve em seu site que “foi catequista, ministro da eucaristia e seminarista” e que “considera a família o alicerce da sociedade”.

Migrante determina voto em pólo de etanol

Caio Junqueira , Valor Econômico, 29/09/2008
De Serrana

A estudante pede aos passageiros que comprem rifas para os formandos do colégio estadual “Jardim das Rosas”. A manicure vende creminhos de embelezamento da Avon. O motorista é alertado para não esperar pela Neusa porque “Seu Barbosa morreu”. O jovem sofre uma queda de pressão, pois tomara apenas uma xícara de café pela manhã. Basta, porém, esperar alguns minutos para que as eleições de domingo sejam o assunto principal na van que no dia que inaugura a primavera parte para a curta viagem de Serrana a Ribeirão Preto. Nela se acomodam vinte e seis pessoas, a maioria mulheres, que diariamente viajam os vinte quilômetros da rodovia que separam as duas cidades em meio a paisagem canavieira que cada vez mais marca o nordeste paulista.

O fluxo diário de pessoas que esta e outras dezenas de vans realizam é considerada relevante arma política pelos postulantes a cargos públicos em Serrana , que pagam em média R$ 20 a alguns cabos eleitorais para direcionarem as conversas a seu favor ou, sendo um dia em que a política ainda não despertou o interesse dos passageiros, tomarem a iniciativa do assunto. A opção pelas vans também revela outra face na disputa pelos votos locais. São nelas que se concentram boa parte dos migrantes nordestinos e seus descendentes que compõem os mais de 60% dos seus 38 mil habitantes e 28 mil eleitores de Serrana .

Com duas antigas usinas sucroalcoleiras, Pedra e Nova União, Serrana assiste dos anos 70 para cá uma transformação demográfica pela presença migrante com grandes efeitos no seu quadro político-eleitoral. Compõem a cena política local um clã de políticos descendentes de migrantes, a entrada de mineiros do carente Vale do Jequitinhonha atraídos por promessas eleitorais e a transferência de títulos eleitorais às vésperas da data limite em troca de trabalho e aluguéis. São campanhas com viradas eleitorais de última hora por declarações consideradas ofensivas e com chapas em que os migrantes são mantidos como coadjuvantes.

“São os migrantes que elegem todo mundo aqui”, diz o ex-prefeito por dois mandatos e atual candidato a vereador Luiz Paturi (PMDB). Jaqueta do Santos nas costas, auto-intitulado “macaco velho da política” e “botequeiro”— “gosto de fazer campanha no bar”— tem, em frente à sede do único veículo de comunicação da cidade, a rádio “A Voz de Serrana ”, da qual é dono, uma espécie de comitê eleitoral por onde circulam seus eleitores: o simples bar Serra Azul. Nos vinte minutos de conversa, pelo menos três deles, com a cara vermelha e inchada do etanol não-combustível que consumiram, pedem-lhe mais uma dose. “Pega lá dentro, pega lá”, diz.

Paturi é apontado pelos moradores como o grande incentivador da migração mineira na cidade, principalmente os que vêm de Montalvânia, no norte de Minas, divisa com a Bahia. Foi a partir de sua primeira eleição para prefeito em 1988 que o fluxo do Jequitinhonha se intensificou na cidade, atraídos com garantia de emprego e terrenos, segundo os moradores. Ele não confirma nem nega. Copo de cerveja à mão, desconversa. O santista disputará umas das nove vagas da Câmara, atualmente composta por quatro migrantes, três deles do Norte de Minas e um do Piauí. Todos vivem na cidade há anos e compõem o grupo de migrantes já fixados na cidade, em contraposição aos migrantes que moram na cidade na safra de cana, entre maio e novembro, e os serranenses “natos”, descendentes de imigrantes italianos, espanhóis e portugueses.

A equiparação numérica na Câmara dos Vereadores dos “de fora” em comparação com os “de dentro” é um sinal da força do voto migrante, já que suas candidaturas costumam ser minoritárias. Neste ano, pelo menos 31 dos 145 candidatos são de fora, sendo a maior parte do Piauí (10) e do norte de Minas (15). A contabilidade deve ser maior, já que não incluiu os filhos de migrantes nascidos na cidade. E não é só o fato de disputarem o mesmo público que torna a campanha mais acirrada. As características do eleitor migrante, apontado pelos candidatos como assistencialistas, acabam influenciando no modo de se fazer a política local.

Nascido em São Raimundo Nonato, localizada no semi-árido piauiense e até hoje o principal ponto emissor de moradores para Serrana , o vereador Dewilson dos Reis (PV), o popular Deú, analisa essas características. “É um eleitor que gosta de ser ajudado pessoalmente. Pede passagem, habilitação, gás, pede tudo. Até quem não precisa pede. Eles são caros, caríssimos”, diz ele, que calcula ter sido eleito em 2004 com 90% do voto nordestino, mas que esse apoio deve ter caído para 20%. Outro desses vereadores também reclama: “Eles buscam só isso: assistencialismo. Saco de cimento, consertos. Isso vem do próprio Lula, que ensinou eles a se contentar com pouco”, diz o vereador Nelson Ferreira (PPS), natural de Marilândia (MG), e morador local desde 1972.

Apesar das críticas, as campanhas dos principais candidatos a vereador se faz, de alguma maneira, por meio de ajudas e prestação de serviços a esse público. Deú participa de um mutirão de pedreiros que constrói pequenas casas para a população carente. Jovem (DEM) é eletricista e presta serviços gratuitos a quem o pede. José Augusto (PPS) é ligado ao sindicato dos trabalhadores rurais. Muitos eleitores acabam transferindo o título eleitoral mediante serviços como esses ou outras promessas. Neste ano, até a data limite para a mudança de domicílio eleitoral, 755 eleitores fizeram a alteração, sendo 146 do Piauí, 129 de Minas Gerais, 56 da Bahia, 29 de Pernambuco.

Embora nesta época haja a preocupação com os votos, o debate sobre migrantes passa ao largo da Câmara em anos não-eleitorais: nem eles freqüentam as sessões da Casa, nem há projetos específicos a eles destinados. Isso também ocorre com as candidaturas a prefeito, onde o tema migração não é tratado de forma direta. Ocorre apenas residualmente, nas abordagens feitas sobre a saturação da rede municipal de saúde e o baixo desempenho escolar nas avaliações do Ministério da Educação.

A principal causa apontada para isso é a migração sazonal de cerca de 10 mil trabalhadores da cana, uma vez que muitos parentes de migrantes vêm ao município tão somente para utilizar os serviços de saúde, piores em seus Estados de origem, e outros tantos vêm com filhos para estudar nas escolas municipais, o que pressiona a oferta de serviços públicos. Entretanto, a causa apontada —a migração— não é publicamente tratada no debate eleitoral. Um motivo é que isso acabe por atrair mais migrantes e agravar os problemas. Outro é evitar um sectarismo que poderá afundar uma candidatura.

“O discurso focado nos migrantes é um pântano desconhecido. De repente como o adversário usa isso e você perde a eleição. Além disso, a maioria dos migrantes já estão incorporados na cidade há anos. Os problemas da cidade são de toda a população”, afirma o médico Nelson Cavalheiro, candidato do PT neste ano e favorito na disputa. Serranense “nato”, neto do emancipador do município, ele lembra episódio das últimas eleições em que o candidato considerado mais forte perdeu as eleições nos últimos dias depois que deu declarações que os adversários distorceram.

Trata-se de Antonio Aparecido Rosa, o “Cidão”, ex-trabalhador rural e ex-dono de boteco, falecido em julho vítima de diabete e que fora prefeito entre 1982 e 1988 e depois entre 1993 e 1996. Foi um fenômeno político em seu tempo, por ter sido o primeiro a agregar os migrantes em uma candidatura majoritária. Embora paulista de Ipuá, seus pais eram “de fora”. Sua mãe inclusive, Deolinda Rosa, dá o nome à principal avenida de Serrana . Seu primeiro mandato, entre 1983 e 1988, transformou a cidade com escolas, asfalto, avenidas, e casas populares cujas desapropriações de terrenos que a viabilizaram endividaram a cidade. Em 2004, em uma entrevista à rádio local, declarou que ajudaria os migrantes que desembarcassem na cidade sem emprego a retornassem às suas cidades de origem. Foi a senha para que seus adversários o acusassem de preconceituoso, o que o levou a amargar um terceiro lugar em uma eleição antes considerada ganha.

A derrota, porém, não foi obstáculo para que sua força política se mantivesse. Na cidade formou-se um pequeno clã ligado a ele que se mantém forte na política e tem braços no comércio: possui uma imobiliária, mercados e desfila com carrões. Todos, todavia, são avessos a entrevistas e despistam jornalistas com a mesma habilidade que tentam fazer política. Valmir Rosa, o “filho do Cidão”, de 28 anos, tenta o terceiro mandato de vereador, depois de presidir a Câmara Municipal por duas vezes em mandatos de opositores e conseguir articular a colocação de um busto do pai na entrada. Pedro Vittorino, o “cunhado do Cidão”, também tenta uma vaga, ao passo que sua mulher, a viúva “Cida do Cidão”, estréia na política como candidata a vice em uma composição com um antigo rival, Tonhão, do DEM.

Essa, aliás, é outra característica que marca as campanhas majoritárias serranenses. Se na formação da chapa para a Câmara se busca o maior número possível de migrantes, para a prefeitura o que se faz é articular para que eles não saiam. “Sempre há um cuidado com quem comanda a política aqui para não deixar o pessoal de fora mandar na cidade. É até contraditório, porque para as proporcionais todos os partidos querem ter candidatos migrantes a vereador”, afirma Neusa Carlos (PSDC), que encabeça uma das duas chapas, entre seis, com candidatos a vice oriundos de outros Estados. Seu vice é de Lago da Pedra, no Maranhão. Esse receio é explicável pelo próprio histórico de uma cidade governada no início por descendentes de imigrantes europeus, dentre os quais integrantes da família Biagi, dona da usina da Pedra. É unânime a avaliação de que, mais cedo ou mais tarde, um migrante será alçado a chefe do Executivo. “O dia que descobrirem a força que têm, elegem o prefeito”, diz Nelson Cavalheiro, que pretende, se eleito, montar uma feira permanente de produtos de migrantes na cidade. Talvez o único projeto de todos os candidatos específico para essa população.