30.12.08

Kassab aposta em Serra e em investimentos imobiliários para conter crise
Caio Junqueira, De São Paulo, Valor Econômico, 30/12/2008

Depois de cortar R$ 1,9 bilhão do Orçamento e prever não arrecadar os R$ 27,5 bilhões previstos na peça orçamentária, a equipe do prefeito reeleito Gilberto Kassab (DEM) toma posse com o objetivo de em 2009 minimizar os efeitos da crise internacional na cidade que concentra o maior número de empregos e empresas do país para, em caso de sucesso, projetar os efeitos positivos do primeiro ano de mandato para alavancar a candidatura presidencial do governador José Serra (PSDB).

Para isso, conta com o apoio da iniciativa privada e dos recursos financeiros do Palácio do Bandeirantes, grande interessado em que a capital paulista saia ilesa da crise. Prova disso é a presença de Kassab na reunião do secretariado de Serra no dia 19 deste mês, onde o governador detalhou os cerca de R$ 40 bilhões de investimentos que pretende fazer no Estado até 2010, grande parte dele em prol dos paulistanos, como transportes (Rodoanel, Metrô, CPTM) e urbanização de favelas e saneamento, via Sabesp. Os empregos gerados por esses investimentos são o principal antídoto de Kassab para combater a crise e o desemprego.

Também pretende contar com recursos privados, utilizando a revisão do Plano Diretor como estratagema para reaquecer o mercado imobiliário. Aprovado em 2002 na gestão da prefeita Marta Suplicy (PT), a lei previa uma revisão quatro anos depois. Como 2006 era um ano eleitoral, a revisão foi jogada para o ano seguinte, mas travou devido a problemas com a Justiça e com organizações sociais. O motivo foi que a proposta da prefeitura, com mais de mil páginas, veio em conjunto com a proposta de alteração da lei de uso do solo e também foi dado pouco espaço para a realização de audiências públicas. Os imbróglios só terminariam no final de 2007, quando Kassab avaliou que não seria oportuno mexer com leis de zoneamento urbano às vésperas de um processo eleitoral.

Passadas as eleições, o Plano Diretor é tido pela prefeitura como indutor da economia em tempos de crise, já que as alterações que serão propostas ampliarão as possibilidades de áreas para que o setor imobiliário construa. A idéia principal é do adensamento de obras em locais próximos aos metrôs e trilhos da cidade, onde já haja infra estrutura disponível. Diferentemente da linha geral do Plano Diretor petista, que previa o crescimento da cidade nas áreas periféricas e vedou construções em locais saturados.

Isso explica porque, segundo dados da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio, na seqüência da aprovação do Plano Diretor a capital paulista era responsável por 80% dos lançamentos da região metropolitana, índice que caiu atualmente para 50%. Em almoço no Secovi (sindicato do setor imobiliário) neste mês, para o qual levou oito secretários, Kassab reconheceu a fuga de empresas e empreendimentos da cidade, criticou o Plano Diretor de Marta e estabeleceu que fossem feitas reuniões de trabalho entre a prefeitura e empresários do setor. Também se mostrou favorável à retomada das operações urbanas, parcerias entre poder público e privado que permite aos empreendedores construir área adicional à definida pela lei contanto que haja contrapartidas dos investidores.

A reforma do Plano Diretor, porém, será um teste para Kassab em face dos movimentos civis organizados da cidade, como o Defenda SP e o Movimento Nossa São Paulo, que estão apreensivos a mudanças. Afirmam que o plano original sequer chegou a ser implementado, o que seria insuficiente para atestar sua inviabilidade. Ademais, apontam indícios de políticas higienistas, como desobrigar a prefeitura de atender integralmente à demanda por moradia quando houver desapropriação em determinadas áreas. Também temem concessões demasiadas aos empresários.

Tamanha foi a importância dada ao tema que Kassab criou uma secretaria para elaborar e acompanhar o Plano, a Secretaria de Planejamento Urbano. Será comandada por Miguel Bucalem, amigo do prefeito desde os tempos em que cursavam engenharia na Escola Politécnica da USP e que atua na assessoria técnica da Secretaria de Planejamento. Bucalem será responsável ainda pela elaboração de um plano de longo prazo intitulado “SP 2025”, que inclui um planejamento a longo prazo para a cidade em diversas vertentes, como a social (regularização de terrenos), urbanística (reurbanização de áreas ociosas) e ambiental (diminuição da poluição do ar e da água, em especial os rios Tietê e Pinheiros).

Para todas elas a participação dos recursos financeiros do governo Serra é essencial. Entretanto, a crise deve adiar a execução desses planos, principalmente as intervenções viárias. A execução de grandes obras está congelada, dentre as quais destacam-se duas: a ligação da avenida Roberto Marinho (Água Espraiada) à rodovia dos Imigrantes e a construção de túneis que se ligariam continuamente a outros já existentes e fariam a ligação da região da avenida 23 de Maio, passando por baixo do Itaim-Bibi e chegando na outra margem do rio Pinheiros, formando, assim, uma grande via expressa subterrânea.

Daí a importância, para Kassab, da retomada das operações urbanas para captação de recursos privados. Todos os grandes projetos, aliás, partirão de um conceito de que sua execução só será possível com recursos privados. Para isso, conta com a implementação de novos instrumentos jurídicos, como a concessão urbanística. O “SP 2025” também contempla a construção, via PPI, de um grande centro de exposições no bairro de Pirituba (zona norte).

Na composição do governo, essas áreas mais ligadas ao empreendedorismo e à fiscalização foram concedidas ao DEM, como Controle Urbano, responsável pelo Departamento de Controle de Uso de Imóveis (Contru) e pelo Programa de Silêncio Urbano (Psiu), Desenvolvimento Urbano, Infra-Estrutura Urbana e Obras e Habitação, enquanto o apuro da gestão financeira e social do município serão mantidos com pessoas ligadas a tucanos serristas, como Planejamento, Finanças, Saúde, Educação e Governo, com Clóvis Carvalho.

É ele que tem colhido dos secretários as metas de todas as secretarias que serão apresentadas ainda em janeiro, em cumprimento a lei aprovada neste ano que instituiu a obrigatoriedade de apresentação do Plano de Metas. Idealizado pelo Movimento Nossa São Paulo, a lei determina que o eleito, em até 90 dias após a posse, publique no Diário Oficial suas propostas, divididas por setor, por subprefeituras e com prazo para cumprimento, tendo um balanço semestral sobre as realizações. Secretários que encaminharam neste mês a Carvalho as metas de suas Pastas afirmam que já houve redução de metas por conta da crise.

1.12.08

DEM equipara-se ao PSDB na Prefeitura de SP
Caio Junqueira, de São Paulo,Valor Economico,01/12/2008

A formação da equipe do segundo mandato do prefeito eleito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), equiparou forças entre seu partido e o PSDB na estrutura da prefeitura. Em 2005, na posse do tucano José Serra com Kassab na vice, o Democratas ocupou duas Pastas, Educação e Habitação, enquanto Serra colocou onze secretários ligados ao seu partido. As nomeações feitas pelo prefeito até agora equilibraram o jogo. Cada uma das duas legendas detém, por enquanto, sete secretarias.

A mais recente indicação foi a de Orlando de Almeida (DEM), secretário de Habitação, para uma nova secretaria, batizada por ora de Secretaria de Controle Urbano. Será responsável pelo Departamento de Controle de Uso de Imóveis (Contru) e pelo Programa de Silêncio Urbano (Psiu), os dois órgãos fiscalizadores que mais diretamente interferem na vida dos paulistanos, com ações como concessões de alvarás e controle de horários de funcionamento de bares. Com a saída de Almeida da Habitação, seu adjunto, Elton Santa Fé, deve assumir, mantendo a Pasta com o DEM.

Trata-se de mais uma movimentação em que Kassab, habilmente, aumenta o poder de seu partido sem afetar seu principal aliado. Isso já havia ocorrido em duas situações antes das eleições. Em março, quando criou a Secretaria Especial de Desburocratização e nomeou para ocupá-la Rodrigo Garcia (DEM) , seu amigo e ex-presidente da Assembléia Legislativa paulista. Nesse caso, o prefeito ajudou Garcia, que estava desgastado entre os deputados estaduais por liderar um movimento de bastidores que o elegeu presidente da Assembléia em 2005, desbancando o candidato do então governador Geraldo Alckmin, ao qual era aliado.

Também ocorreu em julho de 2007 quando levou aos Transportes Alexandre de Moraes (DEM), seu conhecido desde a juventude quando praticavam esportes no Clube Pinheiros. Frederico Bussinger, ligado a Serra, ocupava a pasta e saiu sob a promessa de criação de uma agência municipal de transportes, o que não ocorreu. Serra, então, criou a Companhia Docas de São Sebastião e colocou Bussinger na sua presidência.

Moraes terá em 2009 cerca de R$ 1,3 bilhão, o terceiro Orçamento da cidade depois de Educação e Saúde, para gastar em uma das áreas mais críticas de São Paulo. Promotor, foi Secretário de Justiça e presidente da Fundação Casa (ex-Febem) durante o governo Geraldo Alckmin (PSDB), trazido pelo vice-governador Cláudio Lembo (DEM), outro figurão do partido que foi nomeado na semana passada para a Secretaria de Negócios Jurídicos. A vinda de Lembo, porém, tem a função maior de trazer para a máquina um dos principais conselheiros políticos do prefeito.

Outro que deve consolidar sua influência no novo governo é o secretário de Infra-Estrutura Urbana, Marcelo Branco. Muito próximo a Kassab, sua ascensão no primeiro mandato foi rápida. Assumiu em janeiro de 2005 a chefia de gabinete da Secretaria de Habitação. Depois, foi diretor da Companhia Metropolitana de Habitação (Cohab), secretário-adjunto de Habitação, atuou em alguns conselhos municipais e, com a posse de Lembo no Bandeirantes, foi nomeado secretário estadual adjunto de Habitação, chegando a presidir a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), autarquia estadual. Depois Kassab o trouxe para ser secretário de Infra-estrutura Urbana e presidir a Empresa Municipal de Urbanização (Emurb).

No comando de relevantes setores, esses três secretários - Moraes (Transportes), Almeida (Controle Urbano) e Branco (infra-Estrutura Urbana) serão o bastião do DEM na gestão Kassab. O número pode aumentar com a provável saída de Andrea Matarazzo da Coordenação de Subprefeituras. Nome de peso no primeiro mandato, perdeu força ao não se envolver na campanha à reeleição do prefeito. Em seu lugar, são cotados Marcos Penido, adjunto de Marcelo Branco, e Ronaldo Camargo, adjunto de Matarazzo e ligado a Walter Feldmann (Esportes).

A sucessão na Coordenação das Subprefeituras é tida como exemplo por integrantes do DEM e tucanos de que a ocupação de espaços dentro do segundo governo Kassab transcende a disputa partidária. Tanto um lado quanto o outro não exige que ela seja ocupada por um correligionário. Isso se dá porque as duas siglas hoje em São Paulo compõem um grupo político uniforme, ou, nas palavras de um alto integrante deste grupo, uma "fusão partidária implícita", cuja meta imediata é fazer com que Serra seja presidente em 2010 e que faça seu sucessor no governo do Estado. O PSDB não abrirá mão da candidatura ao governo do Estado, mas Kassab é visto pelo grupo como opção para disputas futuras depois de seu mandato na Prefeitura de São Paulo.

Para tanto, a costura política realizada foi de que os tucanos cedam mais espaço ao DEM na prefeitura e que os demistas não façam exigências nas composições das chapas de Serra em 2010 - o que abre espaço para uma composição "puro sangue" com o governador de Minas, Aécio Neves- e do sucessor de Serra no Bandeirantes. Na prática, permite ao DEM realizar um laboratório de formação política com seus quadros na prefeitura, e dar autonomia ao PSDB na definição das chapas em 2010.

Dentro do PSDB paulista, o crescimento da participação do DEM é considerado natural conquanto foi o candidato do seu partido que recebeu os 2,1 milhões de votos no primeiro turno e 3,7 milhões no segundo. Tendo, ademais, enfrentado uma candidatura do PSDB, ainda que rachada entre serristas e alckmistas.

Esses, por sua vez, podem ser novamente o grande entrave aos planos de Serra em 2010. Embora não tenham cobrado participação na gestão Kassab, afirmam não anuir com qualquer acordo político entre Serra e Kassab e aguardam o apoio do governador à candidatura Alckmin ao Bandeirantes em 2010. Argumentam que seu poder de fogo é a capacidade de Alckmin de aglutinar setores nacionais do PSDB anti-Serra, conseguindo, desse modo, prejudicar a disputa interna que o governador paulista pode vir a travar com Aécio. O candidato de Serra a sua sucessão, porém, é seu chefe da Casa Civil, Aloisio Nunes Ferreira (PSDB). Serristas dizem que, caso Alckmin queira se candidatar em 2010, deve antes consultar Serra.

Muito embora Kassab esteja fortalecendo a participação do DEM na prefeitura, os tucanos ainda comandam as duas maiores secretarias, Educação (Fernando Scheneider) e Saúde (Januário Montone), e cargos estratégicos ocupados por pessoas diretamente ligadas a Serra, como Planejamento (Manuelito Guimarães), Casa Civil (Clóvis Rossi) e Esportes (Feldmann). Esses três nomes formaram o núcleo duro do primeiro mandato e nele continuarão no segundo, agora ampliado com o DEM.

São essas pessoas que devem ajudar o prefeito a escolher o eventual sucessor de Matarazzo para a Coordenação da Subprefeituras. A Pasta, entretanto, deve perder força a partir de 2009, quando o prefeito pretende reforçar o poder das subprefeituras com mais autonomia e capacidade de gestão. Essa descentralização chegou a ser feita por Marta e também era defendida por Serra, mas quando ele assumiu resolveu centralizar a coordenação de todas as 31 subprefeituras em uma única e poderosa pasta. Agora, a expectativa é retomar o projeto inicial e ampliar o poder a essas unidades locais de definirem suas obras e ações até mesmo em saúde e educação. A Pasta também perderá força com a saída do Programa de Silêncio Urbano (Psiu) de suas atribuições, que passará à Secretaria de Controle Urbano.

Nas outras áreas, o investimento em educação, que no primeiro mandato focou a ampliação da Rede CEU (Centro Educacional Unificado) e a construção e reforma de escolas, deve priorizar agora a qualidades de ensino. Na saúde, além de novas AMAs (Atendimento Médico Ambulatorial), a prioridade será as AMAs Especialidades, para atender pacientes com necessidades específicas em áreas como neurologia e urologia. Um programa que pode crescer de importância nesse segundo mandato é o Clube-Escola, tocado pela Secretaria de Esportes e que visa adequar 450 equipamentos esportivos da cidade em extensões das escolas paulistanas e de seus 2,3 milhões de alunos e suas famílias. Atualmente 100 deles já estão sendo utilizados, com alcance de 300 mil pessoas. Nesses três setores que integrantes da gestão esperam ser vitrines de Kassab, os secretários responsáveis são todos do PSDB.

Aos aliados, foi dada a Secretaria de Trabalho ao vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas e vereador eleito pelo PR, Marcos Cintra, que participou da gestão Paulo Maluf (PP) como secretário de Planejamento, em 1993. A Pasta que irá assumir, a exemplo do que foi feito no governo do Estado por Serra, e entregue a Guilherme Afif Domingos, terá a função de "Trabalho e Desenvolvimento Econômico", traçando planos de desenvolvimento regional via incentivos fiscais para áreas com pouca presença de empresas, como a zona sul e leste. A idéia é que Cintra, que assume a secretaria amanhã, mapeie iniciativas dispersas entre as diferentes secretarias e formalize uma proposta de desenvolvimento regional. Também pretende aumentar relacionamento com o Ministério do Trabalho.

O PR também deve se manter na presidência da Câmara, com Antonio Carlos Rodrigues. Uma compensação à legenda, já que a promessa quando o acordo eleitoral foi firmado era de que o partido ficaria com Transportes e Esportes. A primeira ficou com o DEM, a segunda com o PSDB. A Assistência Social foi dada à vice-prefeita eleita, Alda Marco Antonio (PMDB), que ocupou o mesmo cargo no final da gestão Celso Pitta, em 1999 e 2000. Antes, foi secretária do Menor dos ex-governadores Orestes Quércia (PMDB) e Fleury (PTB).

Seu maior desafio é implementar na cidade os Conselhos Regionais de Assistência Social (Cras), previsto no Plano Nacional de Assistência Social em vigência desde 2005 e que tem sido implementado por outras grandes prefeituras, como Rio e Belo Horizonte. O PV permanece no meio Ambiente e o PPS deve ser mantido em Serviços, além de ganhar a subprefeitura de Cidade Tiradentes, a ser ocupada por Soninha Francine.

14.11.08

Isolado, De Sanctis vive contagem regressiva

Caio Junqueira, Valor Econômico, 14/11/2008
De São Paulo

Depois da queda do delegado federal Protógenes Queiroz, colocado no ostracismo por sua atuação na Operação Satiagraha, instaurou-se a contagem regressiva para que a próxima vítima saia de cena: o juiz Fausto Martin De Sanctis.Isolado, com apoio contido das entidades de sua classe e sem manifestações favoráveis de lideranças políticas de peso, a aposta é que seu afastamento do caso, ou até mesmo do cargo, seja uma questão de tempo. E a forma como isso ocorrerá já está posta na mesa e envolve uma combinação de instrumentos jurídicos e políticos.

A principal delas é o julgamento do pedido de suspeição feito pela defesa do banqueiro Daniel Dantas e que tem previsão de ser julgado na segunda-feira pelo Tribunal Regional Federal (TRF). Embora a tendência nesses casos seja de improcedência do pedido, a situação de De Sanctis se complica pois o tribunal está em processo eleitoral em que dois grupos lutam pelo seu controle: o da desembargadora federal Suzana Camargo, atual vice-presidente, e o da atual presidente, desembargadora Marli Ferreira. Suzana, favorita para as eleições que ocorrem em abril, é ligada ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. Foi ela que o advertiu de que seu gabinete poderia estar sendo monitorado por ordem de De Sanctis. O afastamento do juiz do caso poderia consolidar o apoio do STF a sua eleição.

De Sanctis se fragiliza ainda mais pelo fato de ter um posicionamento interno independente em relação a esses grupos. Isso explica o fato de até hoje não ter se tornado desembargador, apesar de ser o segundo no critério de antiguidade entre os juízes federais da Terceira Região (SP e MS): tem 17 anos de magistratura. A relatora do pedido de suspeição é a desembargadora Ramza Tartuce, que já se manifestou favoravelmente ao juiz. Ainda faltam os votos dos desembargadores Peixoto Júnior e André Nekatschalow. No julgamento do habeas corpus de Dantas, Peixoto foi o único entre os três que optou pela soltura do banqueiro. Sendo recusada a suspeição, viria o grande trunfo da defesa de Dantas: um recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou até mesmo ao STF, onde a expectativa é de que seja plenamente acolhido. O efeito imediato disso seria a anulação de todos os atos decisórios do juiz no processo, que voltaria, portanto, à estaca zero, e sem o juiz Fausto De Sanctis na sua condução.

Outra possibilidade seria afastar o juiz do cargo, via Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também presidido por Gilmar Mendes. Na decisão do dia 6 de novembro em que o plenário do STF, por 9 x 1, confirmou a liminar dada por Mendes para libertar Dantas, foi sugerido que o Supremo determinasse ao CNJ que fosse apurada a conduta do juiz no caso, o que, segundo a assessoria do STF, ainda não foi feito.

Dentro do CNJ, há dúvidas sobre o resultado de um eventual julgamento do juiz a partir de uma determinação do STF. Em primeiro lugar porque quem avaliaria uma possível representação seria o corregedor Gilson Dipp, ministro do STJ e um dos principais responsáveis pela criação das varas especializadas de combate à lavagem de dinheiro no Brasil, em uma das quais De Sanctis atua há anos. Eles têm um bom relacionamento.

Todavia, se Dipp determinar que a representação seja encaminhada ao plenário do CNJ, o resultado é duvidoso, na medida em que os 14 conselheiros provêem de diferentes instituições. Há juízes, desembargadores, ministros de tribunais, representantes da Câmara, do Senado e do Ministério Público. Em caso de empate em sete a sete, Gilmar Mendes daria o voto de Minerva.Outra forma seria uma intervenção branca pela concessão de uma liminar em um dos 29 habeas corpus, e dois mandados de segurança apresentados no processo da Satiagraha nos tribunais diretamente superiores à vara judicial em que trabalha De Sanctis. Uma liminar poderia suspender o andamento do processo até julgamento do mérito dessas medidas. Tendo em vista a lentidão da Justiça e o alto interesse público e complexidade do caso, o processo praticamente pararia.

Por ora, em âmbito policial a operação continua nas mãos do delegado federal Ricardo Saadi, que já elaborou um relatório parcial, ainda sigiloso, incriminando Dantas por lavagem de dinheiro e gestão fraudulenta. O Ministério Público, entretanto, avaliou ser mais conveniente que seja dado mais tempo à investigação para elaborar um relatório consistente e que não levante dúvidas como o apresentado por Protógenes em julho.

Assim, a falada “segunda fase” da Satiagraha, na qual o Ministério Público denunciaria Dantas por crimes financeiros, não ocorreria em curto prazo. Diferentemente da “primeira fase”, na qual a sentença por corrupção contra Dantas, Hugo Chicaroni e Humberto Braz deve ser proferida a partir de quarta-feira, data em que está agendada a última audiência do caso. É por este motivo que nos últimos dias se intensificaram as críticas contra De Sanctis.

Como a condenação de Dantas e dos outros réus no processo por corrupção é dada como certa, a defesa deles se apressa em afastá-lo do julgamento e a enxurrada de recursos e desqualificação pessoal e profissional é considerada uma estratégia que, aliás, já obteve sucesso em outra ocasião.

Foi o que ocorreu com a juíza Márcia Cunha, da 2 Vara Empresarial da Justiça do Rio, autora da decisão que afastou o Opportunity do controle da Brasil Telecom, em maio de 2005. Dantas tentou anular a decisão da juíza em favor dos fundos também por meio da argüição de sua parcialidade. E conseguiu. Na decisão de suspeição (o primeiro a se manifestar em um pedido de suspeição é o próprio juiz acusado), Márcia Cunha alegou “não ter força para enfrentar o poder econômico” do Opportunity e que desde que proferira a sentença havia “sofrido toda a sorte de infortúnios”, como rumores de que seria corrupta e que teria recebido recursos dos fundos para redigir a sentença, além de intimidações e ameaças.

A tentativa de obtenção de liminares para travar o processo também foi utilizada. Um inquérito da Polícia Federal em andamento no Rio de Janeiro investiga três ações populares promovidas em três diferentes Estados onde juízes que não acompanhavam o caso concederam liminares que impediam a realização de assembléias que, depois da decisão da juíza, substituiriam os representantes do Opportunity da Brasil Telecom. A perícia identificou que as ações, embora iniciadas em diferentes locais, tinham a mesma origem.

O advogado de Dantas, Nélio Machado, afirmou ao Valor que De Sanctis é suspeito para julgar seu cliente por estar altamente envolvido com a causa e que todos os episódios do caso Satiagraha demonstram ilegalidades de que o banqueiro foi vítima. Ele disse também que apresentou uma queixa-crime contra a juíza Márcia Cunha, que foi arquivada pelo Tribunal de Justiça do Rio, apesar de, segundo ele, peritos terem levantado indícios de que não fora ela quem redigira a decisão que afastou Dantas dos fundos. Sobre o inquérito referente às ações populares, ele disse desconhecer o envolvimento de seu cliente no caso.

31.10.08

Sem a máquina, PT perde maior reduto
Caio Junqueira, de São Paulo31/10/2008, Valor Economico


A derrota da petista Marta Suplicy nas eleições de São Paulo colocou em risco a hegemonia de um dos seus principais grupos de apoio político, a família Tatto. Com três dos doze irmãos com representação nas esferas municipal, estadual e federal do Poder Legislativo, seus integrantes assistiram no domingo ao que há alguns anos parecia improvável: a vitória, de virada, de um adversário "da direita conservadora" no seu reduto eleitoral, a Capela do Socorro, na carente zona sul sul da cidade.

Apesar de Marta ter batido o prefeito Gilberto Kassab (DEM) no primeiro turno por 42% a 32%, na segunda rodada ele virou para 50,5% a 49,4%. Um feito inédito, que ganha mais força com a perda de espaço na região do vereador eleito para seu sexto mandato Arselino Tatto ao mesmo tempo em que vereadores aliados de Kassab, como Antonio Goulart (PMDB) e Milton Leite (DEM), aumentaram sua votação. Tatto viu o decréscimo de seu sufrágio de 6,5% em 2004 para 5% neste ano, enquanto Goulart passou de 15,4% para 23,2% e Leite, de 2,7% para 5,2%.
O curioso é que os fatores que consolidaram o poder dos Tatto na Capela do Socorro são os mesmos que agora os obrigam a, no mínimo, ter que dividir o poder em seu histórico reduto eleitoral: a utilização da máquina pública como sustentáculo do pragmatismo político e do assistencialismo em uma das regiões mais pobres da capital paulista. Pior, com grande ajuda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, com bom relacionamento com Kassab e com o governador José Serra (PSDB), destinará até 2010, via Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), cerca de R$ 1 bilhão para a reurbanização de favelas e recuperação de mananciais nas represas Billings e Guarapiranga, que margeia a Capela do Socorro.

"Houve forte uso da máquina da prefeitura e particularmente na zona sul e naquela região da Capela, com clara utilização do dinheiro do PAC sendo usado para potencializar a candidatura de vereadores e do prefeito na região", afirma o deputado federal Jilmar Tatto. Ele diz que, embora seja do mesmo partido que o presidente, são os municípios que controlam os recursos do PAC. "O governo federal manda o recurso para as cidades. Então todo o processo do cronograma de obras de investimento e a locação disso em determinado local é feito pelas prefeituras", diz. Tatto também cita como exemplo de utilização da máquina o "checão" que Kassab deu a Serra para a ampliação do metrô, a duas semanas das eleições.

Mas foram as obras na região, que na avaliação de petistas colocou em xeque a predominância dos Tatto na zona sul. Boa parte delas sendo capitalizadas eleitoralmente pelo vereador Milton Leite, um ex-pemedebista que na gestão Kassab migrou para o Democratas. Empresário ligado ao setor de construção civil e agora integrante do mesmo partido do prefeito, obteve influência dentro do segundo escalão da Secretaria Municipal de Habitação, também comandada pelo Democratas. Isso fez com que, por exemplo, soubesse de antemão as inaugurações e obras em andamento na Capela do Socorro.

"Muitas pessoas ali acham que as obras da secretaria são dele. Tudo é tido como coisa dele. Quando você fica sabendo de um evento da secretaria, o pessoal dele já fez todo o trabalho prévio de divulgação da obra como se fosse do vereador. Isso ocorreu em todas as situações por ali", afirma uma liderança da região, que pede anonimato porque diz que "vive e pretende continuar vivendo na região". No balanço da subprefeitura da Capela do Socorro, mais de 9 mil famílias foram beneficiadas em obras de habitação no bairro. Nem a Secretaria de Habitação nem o vereador responderam aos esclarecimentos do Valor. Em quatro anos, Milton Leite dobrou seu percentual de votos na região, sendo o segundo mais votado neste ano.

A primeira colocação ficou com Antonio Goulart (PMDB), com praticamente um quarto das urnas da Capela do Socorro e a segunda votação em toda a capital. Em 2000 teve 4,4% e em 2004 15,3%. O pemedebista atua no encaminhamento de demandas de uma série de entidades sociais da região. "Se tem feijoada estou na cozinha, se tem churrasco estou na churrasqueira, se tem reivindicação eu tô ajudando a colher assinatura a elaborar documento. São as entidades sociais que me ajudam a construir o mandato" diz ele.

A mais conhecida delas é a Sociedade Beneficente Equilíbrio de Interlagos (Sobei), presente há mais de 20 anos na região e cuja vice-presidente é mulher do vereador. Seu principal ramo de atuação é a administração de creches, atendendo cerca de 4.000 crianças. Antes da gestão Kassab, a entidade administrava duas, uma desde 1988 e outra desde 1999. Goulart, que integrou a base de Marta entre 2000 e 2004 passou a apoiar Kassab.

Na atual gestão, conseguiu que a Sobei administrasse mais quatro creches. "Todas as entidades que ajudo têm alto nível. Tenho relacionamento com várias. A Sobei é só mais uma e existe muito antes do Goulart ser vereador", afirma. Além da atuação com as entidades assistenciais, o vereador também capitalizou votos com uma ponte que melhorou o trânsito na região e que leva o nome de seu pai, Vittorino Goulart, e com a estação de trem em Grajaú. Ele sonha agora com a construção de avenidas marginais nas represas Billings e Guarapiranga.

A força de Goulart na região fez com que a coordenação de campanha de Kassab deslocasse seus correligionários para organizar o comitê do Democratas na região. "Em um primeiro momento, procuramos atuar com discrição. Existe uma animosidade e uma defesa do território muito grande pelos petistas aqui", afirma Vanderlei Taconi, responsável pelo comitê.

Ele conta que na campanha do primeiro turno o foco foi a "conversa ao pé-de-ouvido", por meio dos visitadores que casa-a-casa apresentavam o desconhecido prefeito e suas realizações na região. O resultado foi um salto de 8 pontos na pesquisa para 32% dos votos nas urnas. Isso fez com que no segundo turno eles "escancarassem", segundo suas palavras, a campanha nas ruas. "Enquanto os petistas se preocuparam em manter o que tinham, nós queríamos crescer onde não tínhamos. E acabamos virando o jogo", diz. O prefeito, porém, foi pouco à Capela. Fez mais visitas como prefeito do que como candidato. "Temíamos represálias dos adversários", afirma.

O receio se justifica por um confronto que marcou as eleições municipais de 2004. O candidato desafiante, José Serra, foi até a Capela fazer campanha e o maior embate daquela disputa se instaurou. "Aqui tucano não entra", brandiam os aliados dos Tatto. Houve tumulto e provocações diretas a Serra, que se viu em meio a um empurra-empurra. O episódio acabou na delegacia. Era o auge da força dos Tatto, que com Marta prefeita, teve nomeado Jilmar Tatto para a quatro importantes secretarias (Abastecimento, Transportes, Subprefeituras e Governo). Arselino foi eleito presidente da Câmara. A subprefeitura e o serviço funerário da Capela do Socorro foram concedidas a aliado e o processo de filiação em massa consolidou seu poder dentro do PT paulistano, com reflexos até hoje: dos 82 mil filiados da capital, cerca de 10 mil são do diretório da Capela.

Por outro lado, essa concentração de poder já começava a incomodar petistas locais, que se sentiam alijados das principais decisões do grupo e sem espaço para crescerem no partido. Exemplo disso é que, até hoje, o diretório da Capela do Socorro controlado pelos Tatto engloba também Grajaú e Parelheiros, áreas mais pobres ao sul e onde eles têm melhores votações. Foi lá que a diferença entre Marta e Kassab foram das maiores na cidade, o que os Tatto apontam como contraponto à avaliação de que perderam força em seu reduto. Mas também foi por lá que desponta uma das dissidências do grupo, o vereador eleito Alfredinho. Ele foi o terceiro mais votado no Grajaú, nono em Parelheiros e quarto na Capela, com 3.806 votos, 2.500 a menos que Arselino.

Além da concentração de poder, outra crítica que se faz na própria zona sul é de que o pragmatismo dos Tatto sufocou a luta orgânica dos movimentos sociais da Capela do Socorro, predominantes na fundação do partido na área. A preferência dada foi a atendimento de demandas locais em detrimento do debate ideológico.

Vindos do Paraná nos anos 70, eles se instalaram na zona sul paulistana, tendo ativa participação nas Comunidades Eclesiais de Base. Na época, a igreja na região era chefiada pelo progressista dom Antônio Gaspar, bispo auxiliar do também progressista dom Paulo Evaristo Arns. Dom Paulo solicitou ao Vaticano a criação da diocese de Santo Amaro e que Gaspar a comandasse.
Na esteira do conservadorismo do papa João Paulo II, a diocese foi criada, mas sua administração foi delegada a dom Fernando Figueiredo, tido na região como muito conservador. Essa troca enfraqueceu os movimentos progressistas que desenvolviam seus trabalhos na região.
Simultaneamente, as duas principais lideranças que fundaram o PT por lá, Marco Aurélio Ribeiro
e Airton Soares, deixaram o partido em protesto contra o não-apoio da sigla a Tancredo Neves durante o colégio eleitoral em 1985.

Esses dois fatos deixaram um vácuo político na região, que propiciou o surgimento dos Tatto na política. A família tinha atuação em alguns movimentos, como o que incentivava a ocupação clandestina de terrenos. A vitória de Luiza Erundina, então no PT, colocou-os na máquina pública pela primeira vez. Um dos irmãos, Leonide Tatto, passou a comandar a subprefeitura da Capela do Socorro. Arselino foi eleito vereador. Nos anos 90, Arselino foi reeleito sucessivas vezes.
Eventuais reflexos da perda de espaço na Capela do Socorro nas disputas internas do partido são rechaçadas pela família. "A ação do nosso grupo transcende os limites da Capela. Na cidade elegemos quatros vereadores além do Arselino, sendo que três deles são da zona leste, onde há a maior concentração de eleitores da cidade", afirma o deputado estadual Ênio Tatto. Mas para um dos principais petistas da região, Glauco Piai, secretário de Organização do PT municipal, é preciso resgatar as origens do petismo na região para combater o avanço de Kassab. "Temos que resgatar os canais de comunicação perdidos com os movimentos progressistas da Igreja e com as associações de bairro. Foi uma derrota que vai se transformar em uma grande vitória".

24.10.08

Crise põe em risco promessas de campanha

Caio Junqueira e Marta Watanabe, Valor Econômico, 24/10/2009
De São Paulo

Depois de um primeiro turno que consagrou a reeleição de governantes com receitas em ascensão, a crise financeira que se agravou durante a campanha do segundo turno pôs em risco as propostas mais vistosas dos candidatos a prefeito nos cinco maiores colégios eleitorais que vão às urnas neste domingo. Em São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre os postulantes prometem grandes realizações desconsiderando os impactos que a crise financeira pode vir a ter em suas receitas e nas dos governos estaduais e federais, que em boa parte dos casos embasam as promessas, além da iniciativa privada, também ameaçada pela crise.

Grandes obras viárias, expansão do metrô, congelamento de tarifas de ônibus, escolões, hospitais e reforço e valorização do funcionalismo público foram proposições correntes na campanha do segundo turno. Todas essas propostas foram colocadas nos planos de governo no primeiro semestre deste ano, quase que simultaneamente à elaboração dos orçamentos municipais dentro de perspectivas econômicas otimistas para 2009, com crescimento de PIB de 4,5% e câmbio de R$ 1,71. As novas projeções de mercado a partir do boletim Focus, do Banco Central, porém, apontam para 3,35% de acréscimo do PIB e dólar a R$ 1,87.

As conseqüências imediatas da mudança no cenário econômico são menos recursos a serem aplicados em 2009, principalmente em investimentos, área central das promessas dos candidatos. Nas secretarias de finanças, a crise já começa a chegar. Quatro das grandes capitais que terão segundo turno prevêem para 2009 um crescimento de receitas menor do que a elevação que havia sido estimada nos orçamentos de 2008. Algumas delas já fazem novas projeções de PIB e inflação para o Orçamento que diferem das estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias encaminhada em abril às Câmaras.

O caso que mais chama a atenção é São Paulo, onde a previsão de crescimento do PIB caiu de 4,3% para 3,6%, o que significa menos R$ 3 bilhões para investir. “Há uma defasagem entre as previsões de abril e de setembro, com uma mudança substantiva. Se usássemos os mesmos critérios da LDO, a previsão seria de R$ 32 bilhões, e não de R$ 29 bilhões, como encaminhamos. Estamos trabalhando com um cenário de 2009 ruim”, afirma Walter Aluísio Rodrigues, secretário de Finanças do prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, Gilberto Kassab (DEM). Ele refuta, porém, a idéia de queda de receita. Afirma que o que ocorre é apenas uma “diminuição do ritmo de crescimento”.

Em Belo Horizonte, o secretário de Finanças, José Afonso Beltrão da Silva, afirma que uma reavaliação de rotina do Orçamento de R$ 6,1 bilhões, o maior da história da cidade, está programada para o fim de novembro. “O que vai valer efetivamente para nós, do que estamos esperando receber em 2009, é na reunião da junta orçamentária. É aí é que vamos ver se as projeções que vamos fazer estarão diferentes do cenário”, diz. Entretanto, já prevê que em um cenário de crise os R$ 500 milhões de investimentos seriam os primeiros recursos a serem comprometidos, nos quais se incluem pequenas obras viárias sugeridas a partir das audiências do Orçamento Participativo — uma das vitrines da gestão de Fernando Pimentel (PT) e de seu candidato, Márcio Lacerda (PSB).

Tanto em um caso quanto em outro há a expectativa de que 2009 se inicie com contingenciamento de caixa, algo já adotado desde 2005 em São Paulo e que seria uma novidade em Belo Horizonte. Na capital paulista, desde que José Serra (PSDB) assumiu o expediente é utilizado. Uma avaliação da execução orçamentária por secretaria da gestão Serra-Kassab aponta que as áreas que costumam sofrer maior aperto são as sociais e de obras. Em 2005, ano com maior aperto da gestão, a secretaria de assistência social teve liquidados 34,6% do Orçamento previsto e a de infra-estrutura e obras, 31,7%. No ano seguinte, a secretaria do Trabalho teve 42,2% dos recursos contingenciados, e a de infra-estrutura 40,8%. A Secretaria de Finanças informou que esses cortes foram feitos após um congelamento linear em todas as áreas e “observando sempre a projeção da receita e o ritmo de execução dos gastos”. Para a candidata Marta Suplicy (PT), a prioridade deve ser “preservar as atividades que atendem à população que mais tem necessidade de serviços públicos” e cortar “investimentos ou obras não emergenciais”.

Em Porto Alegre, o contingenciamento, normalmente de 20%, segundo Clóvis Magalhães, coordenador de campanha do atual prefeito da capital gaúcha, José Fogaça (PMDB), também pode vir a ser ampliado. “É natural que façamos uma readequação orçamentária face aos efeitos da crise”, reconheceu. Já na campanha adversária, da candidata do PT, Maria do Rosário, o coordenador, Ubiratan de Souza, apesar de confirmar que haverá uma revisão orçamentária, considera baixo o percentual de investimentos da gestão atual, o que possibilitaria, mesmo com a crise financeira, um aumento de recursos neste item.

O Legislativo municipal também será envolvido nas readequações orçamentárias. “Aguardamos o resultado do segundo turno para efetivar as audiências públicas com secretaria de finanças, e possível equipe de transição. Se for o entendimento do Executivo, é salutar reavaliar as projeções”, afirma Sami Jorge (DEM), presidente da Comissão de Finanças da Câmara do Rio de Janeiro. Na capital fluminense, a vereadora Aspásia Camargo (PV), do mesmo partido do candidato à Prefeitura, Fernando Gabeira, diz que várias das receitas do Orçamento do Rio não devem se concretizar no próximo ano. Entre elas, a receita prevista de R$ 2,67 bilhões de ISS e R$ 1,27 bilhão em IPTU. Para ela, a redução das receitas e o impacto da desvalorização cambial para as dívidas em dólar deverá dificultar cumprir o superávit de R$ 747 milhões.

A vereadora, que foi presidente do Ipea, resiste em dizer que o quadro pode provocar corte de investimentos. Ela acredita que será possível equilibrar as contas com corte de despesas, principalmente em custeio, com redução de cargos em comissão e maior racionalização nos programas e gastos municipais. “Além disso podem ser implantadas políticas para aumento de receita por meio de atração de empresas, principalmente para a modernização de serviços da cidade”, diz. Além das capitais, a crise ameaça o conjunto das cidades brasileiras.

“Ainda não há como medir os efeitos, mas o cenário é preocupante”, diz Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Ele explica que um eventual desaquecimento econômico deve afetar todos os 5.546 municípios. Nas capitais e grandes cidades, pode significar redução de arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS), principal tributo das prefeituras com forte arrecadação própria. Os municípios menores, com alta dependência dos repasses obrigatórios dos Estados e da União, também devem ser afetados porque a fonte das transferências são tributos que também poderão sofrer queda de arrecadação. As transferências, somadas ao ISS, representam praticamente metade do total de receitas correntes das prefeituras.

Em 2008, a estimativa da CNM é de que essas fontes de receitas somem perto R$ 121 bilhões, o que significa uma elevação de 18,6% nominais em relação ao ano passado.Para Amir Khair, especialista em contas públicas e ex-secretário de Finanças da prefeitura de Luiza Erundina, em São Paulo, um dos primeiros impactos que os municípios irão sentir em 2009 deverá ficar por conta do repasse da União, via Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O fundo tem como base o Imposto de Renda, tributo pago pelas empresas sobre a rentabilidade, índice que pode cair antes que a crise na economia real afete o nível de consumo. “Os lucros das empresas já estão sendo afetados pela crise financeira. O crédito já escasso e mais caro reduzirá rapidamente o de lucro das empresas”, diz. Com isso, os novos prefeitos já poderão receber níveis bem menores de repasses da União já no primeiro período de sua gestão.

Caso a crise também seja forte na economia real, com queda no nível de consumo da população, os municípios também sentirão a redução nos valores de distribuição da sua parte no ICMS recolhido pelos Estados. Atualmente 25% do ICMS arrecadado com o imposto é transferido aos municípios. O repasse de ICMS, diz Ziulkoski, é a principal transferência obrigatória às prefeituras. Neste ano esse repasse deve atingir R$ 55 bilhões, segundo cálculos da CNM. A transferência pelo fundo da União deve atingir R$ 43 bilhões. Khair lembra que, mesmo numa perspectiva de cenário adverso, as prefeituras não têm muito interesse em corrigir totalmente os valores de orçamento.

Com previsão de receitas um pouco mais altas, os administradores garantem para o decorrer do ano seguinte um valor maior de margem de suplementação. “Ou seja, o percentual do orçamento que pode ser realocado livremente pelo Executivo sem autorização da Câmara dos vereadores.” Isso é especialmente verdadeiro nos municípios nos quais o prefeito atual tenta reeleição ou ainda pode reeleger quem apóia. É o caso de quatro das cinco grandes capitais que terão segundo turno. A renovação da estrutura de governo e a adaptação a um cenário de desaquecimento econômico é mais viável nos locais onde acontecerá troca de prefeitos. Considerando o consolidado dos municípios, isso acontecerá com dois terços da administração. “Esses novos prefeitos precisarão aproveitar a posse para recompor a gestão porque poderão sentir a queda de crescimento de receitas logo nos primeiros meses”, diz Ziulkoski. Ele acredita, porém, que o corte será um desafio para alguns administradores.“O gasto com pessoal não pode ser eliminado de uma hora para outra no setor público e esse dispêndio é significativo, com participação média de 44,5% nas despesas totais, fora a destinação obrigatória para a saúde e a educação”, esclarece. (Colaborou Gulherme Manechini)

10.10.08

Em Santana, tradição religiosa, culto à família e aversão a taxas definem o voto anti-petista
Caio Junqueira, Valor Econômico, 10/10/2008

Nem a presença da Paróquia de São José Operário, Patrono dos Trabalhadores, é capaz de levar os eleitores do bairro de Santana a votar na candidata à prefeita de São Paulo pelo Partido dos Trabalhadores, Marta Suplicy. É neste bairro da classe média e alta paulistana, o primeiro ao norte do rio Tietê, que ela assiste , eleição após eleição, sua votação despencar. De 2000 a 2004, caiu 25%. Neste ano, 53%.

Encontrar um eleitor petista nas tortuosas ruas deste bairro é tarefa árdua. Na melhor das hipóteses, o que se vê são ex-petistas (arrependidos) que, quando optaram pelo 13 nas urnas, o destinatário foi o presidente Lula. Bem antes de ele tentar ser presidente. “Só votei no Lula em 1986 porque eu trabalhava com metalúrgica. Depois nunca mais. Trabalhei com a Erundina. Para consertar um banheiro eles faziam reunião. Se Moisés fosse petista ainda estava no Egito consultando as bases pra ver se fugiam do Egito”, diz Ruth Guiness, 63, dona-de-casa, caminhando por uma das feiras livres do bairro na fria manhã de anteontem.

As opiniões expressadas, em geral, trazem consigo uma anedota, um termo pejorativo — como a referência à gestão Lula a um “governo de bebum” e a ojeriza a ele por uma “questão de pele”— e muitas referências a condutas pessoais tidas por inaceitáveis aos políticos. Mais do que ao presidente e ao partido, são esses julgamentos que embasam a maior parte das críticas a Marta, ainda que o bairro concentre o maior índice de divorciados da cidade.“A família dela é muito desregrada. Político tem que ser como um juiz, tem que ter regra. O que ela proporciona para a minha família? Ligo a tevê e ela está na Parada Gay. O que tá indicando para meu filho? Para relaxar e gozar? E o filho dela? Cantor louco de rock, ‘zueiro’, o que proporciona de bom? Sem falar que para ser prefeita tem que ter marido”, afirma a advogada Ariane Leonardi, 32 anos. Atuante na área de direito de família para pessoas carentes, embora a bordo de um Dodge Journey da montadora Chrysler avaliado em cerca de R$ 100 mil, ela pede, no fim da conversa: “Frise a família e a sociedade. O que falta nela é o conceito de família”.

O discurso expõe um componente constante no bairro, a religiosidade. Desde sua fundação, a Igreja tem presença forte no local, a começar pela origem do seu nome: Santa Ana. Formado a partir da doação de uma sesmaria a Companhia de Jesus no século XVII, o crescimento veio no fim do século XIX, com a instalação de um colégio pela Irmãs de São José de Chambéry. Já no início da abertura política ainda durante o regime militar, ficaram famosas as “senhoras de Santana” que atuaram contra o despudor televisivo.

Hoje, a aversão ao PT e a Marta é questionada pelo padre Humberto, da Paróquia São José Operário. “A resposta para isso é uma constante busca minha. Mas acho que há um receio da classe média a aspectos religiosos, políticos e comportamentais que venham de setores progressistas da sociedade”, afirma. Ele conta também que verificou isso quando se instalou no bairro, há cinco anos, e muitas pessoas tinham aversão ao Concílio Vaticano II, documento papal que nos anos 60 modernizou e abriu a instituição para, segundo ele, “tantas realidades”.

Além da tradição e da família, a propriedade também permeia os argumentos contrários à petista. Bairro onde o pequeno e médio comércios compõem o visual das ruas, as taxas do lixo e da luz criadas na gestão Marta, entre 2001 e 2004, são pontos que elevam a rejeição à ex-prefeita. “Eu gostava tanto dela, votava nela, mas depois, com essas taxas não dá mais. Pesou bastante para a gente. Quando mexe no bolso fica ruim, né”, diz Ingrid, proprietária do Empório da Beleza, na avenida Alfredo Pujol, a principal do bairro.

Há, porém, quem estenda as críticas às questões administrativas e ao setor considerado ponto forte da candidata: educação. Presente na rede pública municipal de ensino desde os anos 80, a diretora de escola Jane Garcia, 52 anos, kassabista, teve como chefes em última instância uma seqüência de prefeitos com colorações partidárias diversas: Mário Covas, Jânio Quadros, Luiza Erundina, Paulo Maluf, Celso Pitta, Marta Suplicy, José Serra e Gilberto Kassab. E garante: o chefe atual é o maioral. “Ela fez os CEUs mas e o restante como é que fica? Estou em uma escola hoje que precisava de reformas elétricas, hidráulicas, pintura, ampliação. Só agora conseguimos. Só agora os professores são valorizados com aumentos”, diz, enquanto seu poodle Tara, protegido do frio com um vestidinho azul, descansa em seu colo.

Depois da exposição técnica, cita, tal qual os outros entrevistados, os aspectos pessoais da candidata petista. “Ela é arrogante e tem toda a questão social-familiar”.O anti-petismo de Santana acaba por contaminar a candidatura dos vereadores da legenda. O primeiro integrante da sigla a aparecer na lista dos mais votados é José Américo, na 33 colocação, com 256 votos. Antes dele, predominam políticos do PSDB, DEM, PP e PTB. Quem lidera o ranking, com 3.095 votos, é o tucano Gabriel Chalita, o mais votado da capital paulista. Tendo por lema de campanha “São Paulo mais educada, sua família mais feliz”, descreve em seu site que “foi catequista, ministro da eucaristia e seminarista” e que “considera a família o alicerce da sociedade”.

Migrante determina voto em pólo de etanol

Caio Junqueira , Valor Econômico, 29/09/2008
De Serrana

A estudante pede aos passageiros que comprem rifas para os formandos do colégio estadual “Jardim das Rosas”. A manicure vende creminhos de embelezamento da Avon. O motorista é alertado para não esperar pela Neusa porque “Seu Barbosa morreu”. O jovem sofre uma queda de pressão, pois tomara apenas uma xícara de café pela manhã. Basta, porém, esperar alguns minutos para que as eleições de domingo sejam o assunto principal na van que no dia que inaugura a primavera parte para a curta viagem de Serrana a Ribeirão Preto. Nela se acomodam vinte e seis pessoas, a maioria mulheres, que diariamente viajam os vinte quilômetros da rodovia que separam as duas cidades em meio a paisagem canavieira que cada vez mais marca o nordeste paulista.

O fluxo diário de pessoas que esta e outras dezenas de vans realizam é considerada relevante arma política pelos postulantes a cargos públicos em Serrana , que pagam em média R$ 20 a alguns cabos eleitorais para direcionarem as conversas a seu favor ou, sendo um dia em que a política ainda não despertou o interesse dos passageiros, tomarem a iniciativa do assunto. A opção pelas vans também revela outra face na disputa pelos votos locais. São nelas que se concentram boa parte dos migrantes nordestinos e seus descendentes que compõem os mais de 60% dos seus 38 mil habitantes e 28 mil eleitores de Serrana .

Com duas antigas usinas sucroalcoleiras, Pedra e Nova União, Serrana assiste dos anos 70 para cá uma transformação demográfica pela presença migrante com grandes efeitos no seu quadro político-eleitoral. Compõem a cena política local um clã de políticos descendentes de migrantes, a entrada de mineiros do carente Vale do Jequitinhonha atraídos por promessas eleitorais e a transferência de títulos eleitorais às vésperas da data limite em troca de trabalho e aluguéis. São campanhas com viradas eleitorais de última hora por declarações consideradas ofensivas e com chapas em que os migrantes são mantidos como coadjuvantes.

“São os migrantes que elegem todo mundo aqui”, diz o ex-prefeito por dois mandatos e atual candidato a vereador Luiz Paturi (PMDB). Jaqueta do Santos nas costas, auto-intitulado “macaco velho da política” e “botequeiro”— “gosto de fazer campanha no bar”— tem, em frente à sede do único veículo de comunicação da cidade, a rádio “A Voz de Serrana ”, da qual é dono, uma espécie de comitê eleitoral por onde circulam seus eleitores: o simples bar Serra Azul. Nos vinte minutos de conversa, pelo menos três deles, com a cara vermelha e inchada do etanol não-combustível que consumiram, pedem-lhe mais uma dose. “Pega lá dentro, pega lá”, diz.

Paturi é apontado pelos moradores como o grande incentivador da migração mineira na cidade, principalmente os que vêm de Montalvânia, no norte de Minas, divisa com a Bahia. Foi a partir de sua primeira eleição para prefeito em 1988 que o fluxo do Jequitinhonha se intensificou na cidade, atraídos com garantia de emprego e terrenos, segundo os moradores. Ele não confirma nem nega. Copo de cerveja à mão, desconversa. O santista disputará umas das nove vagas da Câmara, atualmente composta por quatro migrantes, três deles do Norte de Minas e um do Piauí. Todos vivem na cidade há anos e compõem o grupo de migrantes já fixados na cidade, em contraposição aos migrantes que moram na cidade na safra de cana, entre maio e novembro, e os serranenses “natos”, descendentes de imigrantes italianos, espanhóis e portugueses.

A equiparação numérica na Câmara dos Vereadores dos “de fora” em comparação com os “de dentro” é um sinal da força do voto migrante, já que suas candidaturas costumam ser minoritárias. Neste ano, pelo menos 31 dos 145 candidatos são de fora, sendo a maior parte do Piauí (10) e do norte de Minas (15). A contabilidade deve ser maior, já que não incluiu os filhos de migrantes nascidos na cidade. E não é só o fato de disputarem o mesmo público que torna a campanha mais acirrada. As características do eleitor migrante, apontado pelos candidatos como assistencialistas, acabam influenciando no modo de se fazer a política local.

Nascido em São Raimundo Nonato, localizada no semi-árido piauiense e até hoje o principal ponto emissor de moradores para Serrana , o vereador Dewilson dos Reis (PV), o popular Deú, analisa essas características. “É um eleitor que gosta de ser ajudado pessoalmente. Pede passagem, habilitação, gás, pede tudo. Até quem não precisa pede. Eles são caros, caríssimos”, diz ele, que calcula ter sido eleito em 2004 com 90% do voto nordestino, mas que esse apoio deve ter caído para 20%. Outro desses vereadores também reclama: “Eles buscam só isso: assistencialismo. Saco de cimento, consertos. Isso vem do próprio Lula, que ensinou eles a se contentar com pouco”, diz o vereador Nelson Ferreira (PPS), natural de Marilândia (MG), e morador local desde 1972.

Apesar das críticas, as campanhas dos principais candidatos a vereador se faz, de alguma maneira, por meio de ajudas e prestação de serviços a esse público. Deú participa de um mutirão de pedreiros que constrói pequenas casas para a população carente. Jovem (DEM) é eletricista e presta serviços gratuitos a quem o pede. José Augusto (PPS) é ligado ao sindicato dos trabalhadores rurais. Muitos eleitores acabam transferindo o título eleitoral mediante serviços como esses ou outras promessas. Neste ano, até a data limite para a mudança de domicílio eleitoral, 755 eleitores fizeram a alteração, sendo 146 do Piauí, 129 de Minas Gerais, 56 da Bahia, 29 de Pernambuco.

Embora nesta época haja a preocupação com os votos, o debate sobre migrantes passa ao largo da Câmara em anos não-eleitorais: nem eles freqüentam as sessões da Casa, nem há projetos específicos a eles destinados. Isso também ocorre com as candidaturas a prefeito, onde o tema migração não é tratado de forma direta. Ocorre apenas residualmente, nas abordagens feitas sobre a saturação da rede municipal de saúde e o baixo desempenho escolar nas avaliações do Ministério da Educação.

A principal causa apontada para isso é a migração sazonal de cerca de 10 mil trabalhadores da cana, uma vez que muitos parentes de migrantes vêm ao município tão somente para utilizar os serviços de saúde, piores em seus Estados de origem, e outros tantos vêm com filhos para estudar nas escolas municipais, o que pressiona a oferta de serviços públicos. Entretanto, a causa apontada —a migração— não é publicamente tratada no debate eleitoral. Um motivo é que isso acabe por atrair mais migrantes e agravar os problemas. Outro é evitar um sectarismo que poderá afundar uma candidatura.

“O discurso focado nos migrantes é um pântano desconhecido. De repente como o adversário usa isso e você perde a eleição. Além disso, a maioria dos migrantes já estão incorporados na cidade há anos. Os problemas da cidade são de toda a população”, afirma o médico Nelson Cavalheiro, candidato do PT neste ano e favorito na disputa. Serranense “nato”, neto do emancipador do município, ele lembra episódio das últimas eleições em que o candidato considerado mais forte perdeu as eleições nos últimos dias depois que deu declarações que os adversários distorceram.

Trata-se de Antonio Aparecido Rosa, o “Cidão”, ex-trabalhador rural e ex-dono de boteco, falecido em julho vítima de diabete e que fora prefeito entre 1982 e 1988 e depois entre 1993 e 1996. Foi um fenômeno político em seu tempo, por ter sido o primeiro a agregar os migrantes em uma candidatura majoritária. Embora paulista de Ipuá, seus pais eram “de fora”. Sua mãe inclusive, Deolinda Rosa, dá o nome à principal avenida de Serrana . Seu primeiro mandato, entre 1983 e 1988, transformou a cidade com escolas, asfalto, avenidas, e casas populares cujas desapropriações de terrenos que a viabilizaram endividaram a cidade. Em 2004, em uma entrevista à rádio local, declarou que ajudaria os migrantes que desembarcassem na cidade sem emprego a retornassem às suas cidades de origem. Foi a senha para que seus adversários o acusassem de preconceituoso, o que o levou a amargar um terceiro lugar em uma eleição antes considerada ganha.

A derrota, porém, não foi obstáculo para que sua força política se mantivesse. Na cidade formou-se um pequeno clã ligado a ele que se mantém forte na política e tem braços no comércio: possui uma imobiliária, mercados e desfila com carrões. Todos, todavia, são avessos a entrevistas e despistam jornalistas com a mesma habilidade que tentam fazer política. Valmir Rosa, o “filho do Cidão”, de 28 anos, tenta o terceiro mandato de vereador, depois de presidir a Câmara Municipal por duas vezes em mandatos de opositores e conseguir articular a colocação de um busto do pai na entrada. Pedro Vittorino, o “cunhado do Cidão”, também tenta uma vaga, ao passo que sua mulher, a viúva “Cida do Cidão”, estréia na política como candidata a vice em uma composição com um antigo rival, Tonhão, do DEM.

Essa, aliás, é outra característica que marca as campanhas majoritárias serranenses. Se na formação da chapa para a Câmara se busca o maior número possível de migrantes, para a prefeitura o que se faz é articular para que eles não saiam. “Sempre há um cuidado com quem comanda a política aqui para não deixar o pessoal de fora mandar na cidade. É até contraditório, porque para as proporcionais todos os partidos querem ter candidatos migrantes a vereador”, afirma Neusa Carlos (PSDC), que encabeça uma das duas chapas, entre seis, com candidatos a vice oriundos de outros Estados. Seu vice é de Lago da Pedra, no Maranhão. Esse receio é explicável pelo próprio histórico de uma cidade governada no início por descendentes de imigrantes europeus, dentre os quais integrantes da família Biagi, dona da usina da Pedra. É unânime a avaliação de que, mais cedo ou mais tarde, um migrante será alçado a chefe do Executivo. “O dia que descobrirem a força que têm, elegem o prefeito”, diz Nelson Cavalheiro, que pretende, se eleito, montar uma feira permanente de produtos de migrantes na cidade. Talvez o único projeto de todos os candidatos específico para essa população.

25.9.08

Crimes, direitos e castigo
Caio Junqueira, Valor Econômico, 26/09/2008

O ocaso dos empresários Isidoro Rozenblum Trosman e de seu filho Rolando Rozenblum Elpern, ambos uruguaios, teve início quando os dois começaram a remeter milhões de reais ao exterior, manobra que chamou a atenção da polícia. Proprietários da fabricante de bicicletas Sundown, Isidoro e Rolando logo se tornaram alvo de uma operação batizada de Pôr-do-Sol. Foram presos sob a acusação de sonegação, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e envio ilegal de capitais para o exterior — tudo somando R$ 150 milhões, segundo os investigadores.

O período de dois anos em que pai e filho tiveram seus telefones grampeados deu base a suas condenações por corrupção ativa: Isidoro, a dez anos de detenção, o dobro da pena do filho. Os 15 anos somados de prisão, no entanto, caíram neste mês, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu ter havido abuso no prazo concedido para as interceptações telefônicas.

O caso que chegou às mãos dos ministros do segundo tribunal mais importante do país assemelha-se a outros tantos. Afinal, como se podem combater complexas estruturas criminosas sem acesso a transações financeiras e conversas telefônicas? Ou como conciliar o direito individual à privacidade do investigado com os direitos coletivos que o crime agride?

A questão se tornou mais evidente após a prisão-libertação do banqueiro Daniel Dantas, em julho, e entrou no esvaziado Congresso em pleno período eleitoral por meio da CPI das Escutas Telefônicas Clandestinas — hoje, o principal palco para assuntos de grampos no país. Instalada na véspera do último dia de atividade parlamentar do ano passado, a CPI ganhou oxigênio com a Operação Satiagraha, que levou seus protagonistas — o delegado Protógenes Queiroz, o juiz Fausto De Sanctis e o próprio banqueiro — à cadeira de depoentes, na Câmara.

Apoiada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a comissão deve propor um novo marco regulatório para interceptações telefônicas. “Se estamos em um Estado de direito, não existe flexibilização de direitos. Direitos são direitos e devem ser preservados. São garantias. E os fins jamais podem justificar os meios. Tudo tem de ser feito de acordo e dentro da lei”, afirma o presidente da CPI, Marcelo Itagiba (PMDB-RJ) . “As interceptações sofreram uma banalização do procedimento. O Estado não pode estabelecer quem é seu inimigo de plantão.”

Autoridades envolvida na fiscalização e na repressão aos crimes financeiros, porém, defendem a manutenção das regras em vigor. Apresentam como trunfo estatísticas oficiais que apontam crescimento no número de inquéritos policiais instaurados e ações penais processadas sobre crimes financeiros.

“Não existe essa invasão generalizada que querem passar. O que existe é uma campanha para desacreditar instrumentos que têm funcionado. Sem eles, é praticamente impossível descobrir como essas organizações criminosas atuam”, afirma o procurador da República Sílvio Luis Martins de Oliveira, que tem no currículo casos de repercussão de crimes financeiros como MSI/Corinthians, Banco Santos e Toninho da Barcelona.

Essas autoridades temem que a onda restritiva contamine outros projetos de lei que entrarão em pauta em breve — todos elaborados com o intuito de adequar a legislação nacional à internacional no que se refere à repressão de crimes financeiros, como nos casos da flexibilização do sigilo bancário e da lavagem de dinheiro.

Aprovado no Senado depois de três anos de tramitação, o projeto de nova lei de lavagem está na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara com relatoria do promotor e ex-secretário nacional de Justiça Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ). Como na questão das interceptações telefônicas, estarão de um lado os defensores de uma interpretação individualista e de outro, os que argumentam com os direitos fundamentais assegurados pela Constituição.

O projeto pretende colocar o Brasil na lista dos países com legislação antilavagem de primeiro nível, como França, Itália e Suiça. De início, a possibilidade de punição por lavagem pressupunha um crime antecedente, que desse origem ao dinheiro a ser legalizado. Assim, as primeiras leis que tipificavam essa espécie de crime consideravam que apenas dinheiro do narcotráfico seria passível de lavagem.

Depois, essa possibilidade foi estendida a outros casos, que serviram de referência para a legislação brasileira de 1998, passando-se a considerar, além do tráfico de drogas, o terrorismo, o contrabando ou tráfico de armas, o seqüestro, os crimes contra a administração pública, os crimes contra o sistema financeiro nacional praticados por organização criminosa e os praticados por particulares contra a administração pública estrangeira. Na pretendida nova lei, qualquer crime poderá ser antecedente, abrangência que deve constituir o principal ponto de tensão na Câmara. Isso, por que crimes a que políticos estão mais sujeitos, como sonegação fiscal por meio da formação de caixa 2, seriam passíveis de punição também por lavagem.

Outra provável acalorada discussão deve vir com a previsão de ampliação das atividades sujeitas à fiscalização. De acordo com o projeto, quem prestar assistência de qualquer natureza a negócios empresariais fica obrigado a informar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, as operações consideradas suspeitas. Advogados vêem nisso uma forma velada de controlar a atividade de seus clientes.

“Há a necessidade clara de combate ao crime organizado, mas crime não pode ser combatido a qualquer preço. Sempre que se permitiu um poder de polícia exagerado ao Estado, a história demonstra que essas forças acabaram por agir contra a sociedade”, afirma Cezar Britto, presidente da OAB.

Antevendo pressões, o relator Biscaia adotará como estratégia a interpretação coletivista dos direitos constitucionais. “As garantias constitucionais integram uma lista grande e temos de compreendê-las em consonância com os anseios da sociedade, de combate à corrupção. Os direitos sociais também são direitos fundamentais e são gravemente atingidos pelo ralo da corrupção”, diz Biscaia.

Faltam estimativas oficiais, mas acredita-se que de 60% a 70% dos recursos envolvidos em lavagem de dinheiro no país sejam provenientes da corrupção. No mundo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o fluxo de recursos ligados a esse crime gira em torno de 2% a 5% do PIB global. Considerando-se que, segundo a CIA, o PIB do planeta em 2007 foi de U$ 54,6 trilhões, lava-se no mundo algo entre U$ 1 trilhão e U$ 3 trilhões.

O formato que a nova lei de interceptação telefônica adquirir deverá ser um termômetro para a tramitação de outros projetos que pretendem ampliar o combate aos crimes financeiros flexibilizando direitos individuais. É o caso da chamada “ação de extinção de domínio”, pela qual os bens comprovadamente adquiridos com recursos ilícitos poderão ser tomados ao acusado antes do final do processo judicial. É claro o espaço assim aberto para a polêmica, uma vez que o direito de propriedade do acusado seria violado — como eventualmente se argumentaria. Outra idéia antiga é a flexibilização do sigilo bancário, para tornar possível que autoridades troquem entre si informações financeiras de suspeitos.

A avaliação, entretanto, é de que o momento não é “politicamente” oportuno para que tais propostas sejam apresentadas — mesma justificativa usada para explicar por que boa parte da estrutura antilavagem de dinheiro tem se concentrado no âmbito administrativo, passando ao largo do Congresso.

“Procuramos resolver primeiro o que dava para fazer entre nós, como a maior comunicação entre os órgãos”, afirma a juíza federal Salise Monteiro Sanchotene, que coordena o grupo de discussão jurídica da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Enccla), uma composição de diversos órgãos que se reúne anualmente, desde 2003, para discutir e definir as medidas a serem adotadas para o combate à lavagem de dinheiro. No primeiro encontro, havia 28 instituições de diversas áreas, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) à Federação Brasileira dos Bancos (Febraban). No ano passado, eram 51.

É da Enccla que saem as medidas concretas de combate a crimes financeiros. Em um dos encontros, foi formulado o anteprojeto da nova lei de lavagem, assim como o que prevê a flexibilização do sigilo bancário e a ação de extinção de domínio. A criação do Cadastro Nacional dos Correntistas também nasceu ali, o que permitiu identificar relacionamentos entre pessoas físicas e jurídicas junto ao sistema financeiro nacional. Antes da existência desse cadastro, as respostas do Banco Central às solicitações de juízes demoravam semanas. Hoje, é possível identificar relações de forma instantânea e o detalhamento de cada caso fica disponível em até 24 horas .

A determinação de que seja dada atenção especial pelos bancos às transações das chamadas “pessoas politicamente expostas” foi proposta em 2006. Surgiu assim um cadastro com o nome de 30 mil pessoas ligadas, nos últimos cinco anos, a outras que exercem ou exerceram funções públicas — além de, obviamente, os próprios ocupantes dos cargos.

O Departamento de Recuperação de Ativos do Ministério da Justiça também foi desenvolvido em um dos encontros da Enccla e hoje é responsável pelos trâmites judiciais internacionais envolvendo lavagem de capitais, entre outras atribuições.

A Enccla nasceu por causa dos resultados negativos que a, na época, recém-aprovada lei de lavagem de dinheiro apresentava. Promulgada em 1998, no ano seguinte apenas sete inquéritos haviam sido instaurados. Ninguém havia sido preso e nenhum valor fora recuperado. A Justiça Federal, então, em conjunto com outros órgãos, elaborou um estudo para verificar os motivos da ineficiência e verificou que os órgãos envolvidos não se comunicavam e faltava especialização técnica, jurídica e investigativa.

O resultado mais visível do estudo foi a criação das varas especializadas em crimes financeiros, inspirada na experiência do juiz italiano Giovanni Falcone, conhecido pelo combate à máfia italiana nos anos 1990 (que acabou assassinado).

A instituição das varas especializadas foi proposta ao Conselho de Justiça Federal pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça, Gilson Dipp, considerado uma das maiores autoridades no combate à lavagem de dinheiro no país. “Nas varas se aplica o mais moderno direito processual e penal da América Latina. É um modelo único no mundo, que estamos exportando. O objetivo é dar maior celeridade ao processo, pois se concentram todas as suas as fases em um único juízo”, explica Dipp.

Um exemplo é o caso Banestado, a primeira grande investigação de crimes financeiros. “O caso corria na vara comum de Foz do Iguaçu, que tem um cotidiano atribulado por crimes de contrabando e pequeno tráfico na Ponte da Amizade. Não havia como trabalhar com calma no processo. A principal virtude dessas varas é que focam seus trabalhos em crimes complexos. Sem a especialização, os processos ficam dispersos nas varas comuns e acabam sendo deixados de lado”, afirma o juiz Sérgio Moro, da 2 vara federal. O caso Banestado resultou em 95 denúncias contra 684 pessoas, das quais 97 já foram condenadas.

Hoje, o país tem 24 varas especializadas, em 14 Estados, pelas quais, em 2006, passaram 2.228 inquéritos e 462 ações penais relacionadas à lavagem de dinheiro. Em 2003, fizeram-se 1.097 inquéritos e impetraram-se 132 ações.

Há, porém, quem conteste a atividade das varas especializadas. O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, em encontro com parlamentares neste mês, classificou-as de “milícias”, em razão de juízes, policiais e procuradores atuarem conjuntamente, facilitando a autorização de quebras de sigilo e, assim, violando direitos fundamentais.

De qualquer maneira, há a avaliação geral de que o melhor sintoma de que houve evolução no combate a esses crimes — em boa parte, por força de pressões internacionais — é que a discussão atualmente se pauta pela eventual oposição entre situações de direito.

Não é à toa que o Brasil ganhou a presidência do principal organismo internacional de combate à lavagem de dinheiro, o Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro (Gafi). Criado em 1988 pelo G-7, sua função é examinar e desenvolver políticas de combate à lavagem. O encontro anual ocorrerá pela primeira vez no país em outubro, no Rio de Janeiro, quando Antonio Gustavo Rodrigues, presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), assumirá o cargo, com mandato de dois anos.

Nos anos 1990, o Brasil foi praticamente obrigado pelos organismos internacionais a intensificar a ação antilavagem, por que se consolidavam no país importantes elos de criminalidade. A abertura comercial promovida pelo governo Collor, a liberação do câmbio na gestão de Fernando Henrique Cardoso, a solidez do sistema bancário, associada a altas taxas de juros, uma forte economia informal sem qualquer fiscalização e quilômetros de fronteiras sem a presença do Estado, tudo isso sempre facilitou e estimulou a lavagem de dinheiro.

Capitaneada pelos Estados Unidos, a pressão tinha como real motivo o combate ao narcotráfico. Embora em 1991 o Brasil tivesse ratificado a Convenção de Viena, assumindo o compromisso de criar mecanismos que coibissem a lavagem de dinheiro do narcotráfico, as autoridades nacionais nada fizeram de imediato. As medidas só viriam no governo Fernando Henrique Cardoso, quando o país se inspirou no modelo das leis de lavagem de dinheiro existentes nos países desenvolvidos, em especial a Suíça. O crime foi então tipificado, criou-se um órgão fiscalizador de transações financeiras, o Coaf, e os bancos foram situados como aliados no combate ao crime, e não como co-autores, como queriam alguns grupos de interesse.

A idéia era de que o Estado brasileiro, sozinho, seria incapaz de atuar. Os bancos, então, foram naturalmente chamados a cooperar: tinham capilaridade nacional e internacional e elevado trânsito de recursos. Em decorrência disso, iniciou-se, ainda que tardiamente, a adoção dos princípios estabelecidos em outra convenção internacional, a do Comitê da Basiléia, de 1988, que obrigou as entidades financeiras a adotar medidas antilavagem. A principal delas é a regra pela qual as instituições devem obter o máximo de informações possíveis sobre seus clientes.
A princípio, houve uma oposição branda do sistema financeiro nacional, mas nada comparado à guerra jurídica travada nos Estados Unidos, onde a discussão de flexibilização de direitos para fins de investigação foi parar na Suprema Corte nos anos 1980 — com decisão favorável ao governo. A anexação de algumas práticas bancárias no Brasil, portanto, foi facilitada por obstáculos quebrados primeiramente no exterior muitos anos antes de certas exigências chegarem ao país. A lei brasileira acabou por fazer com que os principais informantes de possíveis operações envolvendo lavagem de dinheiro fossem os bancos. Uma circular do Banco Central os obrigou a manter registros de clientes que permitem verificar a compatibilidade entre suas movimentações e sua capacidade financeira, e a comunicar a realização de operações acima de R$ 10 mil.

Outro estímulo veio como desdobramento dos atentados às Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova York, em 11 de setembro de 2001. O Ato Patriótico do governo Bush, promulgado na seqüência dos ataques, veio como uma pancada no sistema financeiro americano e, por conseqüência, internacional, que se viu pressionado a cumprir diligências e a verificar as listas internacionais de terroristas e criminosos.

As estatísticas refletem o aumento do rigor na aplicação da lei no Brasil. De 2003 a 2008, o número de comunicações de operações atípicas encaminhadas ao Banco Central passou de 5,4 mil para 9,4 mil. As avaliações da atuação dos bancos também. Em 2000, cinco bancos foram avaliados pelo Banco Central. No ano passado, foram 97. O valor das multas até agora aplicadas em 28 processos alcança R$ 19 milhões, além de quatro inabilitações para o exercício de cargo de diretor em instituição financeira. Todos os processos foram abertos por falta de comunicação de operações suspeitas.

À medida que o controle dos bancos foi ganhando eficiência, a fiscalização a outras entidades financeiras também aumentou. As comunicações de operações atípicas de setores com regulação própria, como a Bolsa (pela Comissão de Valores Mobiliários), seguros (pela Superintendência de Seguros Privados) e pelos fundos de pensão (pela Secretaria de Previdência Complementar) tiveram saltos enormes.

Nos nove setores acompanhados pelo Coaf, o avanço também é grande, embora não uniforme para cada um deles. Com apenas 14 analistas, a saída foi informatizar todo o sistema e aumentar o intercâmbio com outros órgãos. Em 2007, por exemplo, na elaboração de 1.555 relatórios encaminhados a autoridades, foram utilizadas 23.858 comunicações recebidas de instituições financeiras não-bancárias — um aumento significativo, em relação a 2003, quando os números foram, respectivamente, 521 e 1.344. Boa parte dessas informações resulta em investigação policial. De 2003 a 2006, de 181 operações realizadas pela Polícia Federal, 27% continham informações do Coaf. Em 2006, chegou-se a 33%.

A prisão dos Rozemblum está incluída nessa contabilidade. Resta saber se os dois, proprietários do principal shopping de Joinville e de uma construtora, terão suas condutas avaliadas por critérios dos direitos individuais ou dos direitos sociais. Ambos assistirão ao debate de Montevidéu, para onde fugiram.

21.7.08

TV acirrará disputa de PSDB e DEM por Serra
Caio Junqueira
De São Paulo
Valor Econômico, 14/07

A disputa entre o prefeito Gilberto Kassab (DEM) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) pela presença do governador José Serra (PSDB) em suas campanhas deve se acirrar com o início do horário eleitoral gratuito da televisão, em 19 de agosto, quando ambos pretendem abusar das imagens de Serra em seus programas e da importância da parceria entre governo do Estado e prefeitura para melhores resultados na gestão. A diferença é na forma de utilização dessas imagens.

Tendo por “primeira obrigação de campanha não constranger o Serra ” — nas palavras de um estrategista do prefeito—, Kassab exibirá imagens dos dois sem que elas tenham ligação direta com as eleições de outubro deste ano. Entretanto, imagens das eleições de outubro de 2004, quando compuseram a chapa vencedora em São Paulo, serão mostradas sob o pretexto de apresentar sua biografia e também de prestar contas da administração municipal iniciada pelo governador e continuada pelo atual prefeito. Essa, aliás, é uma preocupação já apresentada por Serra ao comando da campanha. Pedido de votos diretos de Serra , porém, estão descartados, em respeito à regra do “não-constrangimento”.

Em seu lugar, as muitas declarações de apreço por Kassab que o governador tem feito, exaltando resultados da parceria para a cidade. Há duas semanas, por exemplo, Serra disse que essa parceria “nunca foi tão estreita, coisa que nunca tinha acontecido na história de São Paulo” e que “vai continuar sendo, se Deus quiser, no futuro”. Desde o lançamento da candidatura Alckmin , Serra e Kassab já estiveram juntos oficialmente em pelo menos quatro situações. Os dois tucanos, nenhuma.

Esse dado não é levado muito em conta pela campanha do ex-governador. A avaliação é de que o momento oportuno para a entrada de Serra no processo eleitoral do PSDB é com o horário gratuito de TV. Até lá, a intenção é que o ex-governador compareça a todos os 96 distritos da cidade como forma de ter contato pessoal com os eleitores e ouvir suas demandas.

Isso decorre do fato de, diferentemente de Kassab , Alckmin já ter densidade eleitoral na cidade em razão das eleições que participou e dos cargos que ocupou. Nessa linha, as necessidades dos dois são diferentes: Kassab precisa mais de Serra do que Alckmin , embora a campanha tucana também tenda a explorar a parceria, tal qual Serra a explorou nas eleições de 2004.

Os articuladores de Alckmin , aliás, fazem repetidas menções ao processo eleitoral de quatro anos atrás, quando a situação era invertida: Serra disputa a prefeitura e Alckmin ocupava o Palácio dos Bandeirantes. Segundo esses tucanos, a expectativa é de que o atual governador atue como Alckmin naquele embate com Marta Suplicy (PT): suba palanque, peça votos e faça caminhadas.

Pesquisas eleitorais também deverão dar o tom dessa participação. O mais recente Datafolha apontou que 63% dos eleitores afirmam que Serra deveria apoiar Alckmin , ao passo que 24% disseram que deveria declarar apoio a Kassab . Para 6%, não deveria apoiar candidato algum. Afora isso, um distanciamento de Alckmin (31%) de Kassab (13%) nas pesquisas força a entrada mais contundente de Serra na campanha do tucano. Essa é, inclusive, a opinião do governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), com o qual a coordenação da campanha tucana se encontrou na semana passada no Palácio da Liberdade.

A análise é de que Alckmin deve aproveitar o período pré-televisão para se distanciar de Kassab e forçar automaticamente a presença de Serra na campanha para polarizar com o presidente Lula, que entrará forte na campanha de Marta . O governador, de acordo com essa avaliação, precisaria contrabalancear a presença ostensiva do governo federal na disputa da capital paulista. Enquanto dispensa a presença de Serra neste primeiro momento da campanha, os alckmistas estruturaram essa fase com três agendas diferenciadas pela cidade, encampadas, além do próprio Alckmin , pelo seu candidato a vice, Campos Machado (PTB), e também pela sua mulher, Lu Alckmin . A prioridade são os eleitores da periferia, de baixa renda, em especial moradores dos redutos petistas.

3.7.08

Conselho Político testa coligação de Marta

Caio Junqueira
Valor Econômico, 03/07/08

Condição determinante para que o apoio do chamado bloco dos partidos de esquerda (PCdoB-PSB-PDT-PRB) fechasse a coligação com o PT em São Paulo, o conselho político da candidata do PT à Prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy, reúne-se pela primeira vez na tarde de hoje e submete a coligação a seu primeiro teste no início desta campanha.

Os petistas vão propor que o conselho seja responsável para dirimir apenas questões mais comezinhas, como as demandas de vereadores. Discussões cruciais relacionadas a estratégias da campanha e programa de governo ficariam com o comando geral da campanha, que já se reuniu algumas vezes e é composto atualmente apenas por petistas.No desenho proposto pelo PT, essa comando geral passaria a incorporar o conselho político que se reunirá hoje. Só que a participação dos partidos aliados seria metade daquela que integra o conselho político. A outra metade seria composta pelas bancadas federal e estadual dos partidos com base eleitoral em São Paulo.

“Existe uma discussão para unificar esses grupos. Vamos indagar se o conselho discutirá apenas questões partidárias”, disse o presidente municipal do PT, vereador José Américo. “Queremos algo mais ampliado e dinâmico. Se for necessário em algum momento se reunir só com os partidos, aí reunimos”, disse o coordenador-geral da campanha, deputado federal Carlos Zarattini.

A proposta será debatida hoje, mas já tem oposição dos partidos do bloco, que tinha como uma das principais resistências à composição com o PT o risco de uma participação menor na campanha. “Não queremos cair no isolamento. Assim é ruim para nós porque não estamos indo para a eleição como adesistas. E para o PT também não acho bom, porque não soma. Não pode acontecer isso”, afirmou o presidente municipal do PDT, vereador Cláudio Prado. “O Conselho deve abordar as linhas de campanha e o programa de governo, definir as diretrizes políticas”, afirmou a presidente municipal do PCdoB, Julia Rolland.

Os partidos aliados também receiam que uma vez inseridos em uma coordenação maior, sua participação acabe diluída. Isso porque na estrutura já formada pelo PT há cerca de 30 petistas ocupando cargos operacionais e políticos na campanha, como a coordenação-geral (deputado Carlos Zarattini), a tesouraria (Luciano Barbosa) e as coordenações de programa de governo (Jorge Wilheim), Relações Institucionais (deputado Rui Falcão), Grupo de Trabalho Eleitoral e candidatos (Antonio Carlos Gambarini), Comunicação (Valdemir Garreta), Infra-Estrutura (Edson Ferreira), Mobilização (Tadeu Paes) e Agenda (deputado Simão Pedro), além de toda bancada paulistana federal (Jilmar Tatto, Arlindo Chinaglia, Paulo Teixeira, José Genoino, Cândido Vaccarezza), estadual (Zico Prado, Vicente Cândido, Adriano Diogo) e os dirigentes nacionais (Ricardo Berzoini e José Eduardo Cardoso), estaduais (Edinho Silva e Vilson de Oliveira) e municipais (José Américo e Rubens de Souza) do partido, e do líder do PT na Câmara , Arselino Tatto.

Em relação ao programa de governo, o PT pretende que a discussão programática com os partidos do bloco seja feita dentro dessa coordenação, comandada pelo secretário de Planejamento da gestão Marta, Jorge Wilheim. A participação intensiva dos partidos do bloco nessa área foi outra condicionante para o fechamento da aliança. E é nela que os maiores debates internos devem ocorrer, em especial na área da educação, que foi vitrine do governo Marta entre 2001 e 2004.

Integrantes da coligação têm uma visão diferente dos Centros Educacionais Unificados (CEUs), implementados por Marta e que a gestão José Serra (PSDB)-Gilberto Kassab (DEM) deu continuidade. Para eles, a proposta dessas escolas deve ser estritamente educacional, com aula integral e só eventualmente funcionar —conforme idealizado por Marta— como um equipamento social das áreas periféricas em que estão localizados.

Apesar da congruência em boa parte dos pontos a serem discutidos, como o passe livre para desempregados e a regularização fundiária de áreas em que os ocupantes não tenham o título de propriedade, há outras contendas como a sugestão de uma empresa municipal de transporte coletivo que opere cerca de 7% da frota de ônibus da cidade e que serviria como parâmetro de qualidade operacional e tarifária às outras empresas. Algo como a Carris porto-alegrense, uma sociedade de economia mista com o controle acionário da prefeitura.

A primeira reunião do conselho, porém, deve focar mais o papel que ele terá na campanha do que o conteúdo programático. Com a indicação inicial de dois integrantes por partido para a reunião de hoje, a composição do conselho tem caráter heterogêneo, com metalúrgicos, empresários e políticos. Um dos integrantes, inclusive, foi adversário de Marta na campanha em 2000. Trata-se do presidente nacional do PTN, José de Abreu, que foi deputado federal pelo PSDB no primeiro mandato presidencial de Fernando Henrique Cardoso e candidato à prefeitura em 2000 pelo PTN, mesmo partido do então prefeito Celso Pitta. Naquela campanha, ele adotou o bordão: “Chega de doutores e madames; tá na hora de um Zé na prefeitura”.

O apoio de Abreu é tido no PT como relevante por atrair o voto nordestino, já que Abreu é o idealizador do Centro de Tradições Nordestinas, que, segundo o seu site, é “uma entidade de caráter social, recreativo e artístico cultural criado com o objetivo de dar atendimento especial à população nordestina de São Paulo”. Ele também é proprietário de uma rádio com grande penetração nas camadas mais populares.
Marta redesenhará campanha de reeleição de Lula

Caio Junqueira e Talita Moreira, Valor Econômico, 30/06/08

O lançamento oficial da campanha de Marta Suplicy à Prefeitura de São Paulo assimilou características da vitoriosa campanha da reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dois anos atrás. Em longo discurso feito na tarde de ontem, a petista sinalizou que tanto o eleitorado das classes populares que tem se beneficiado com políticas sociais do governo federal quanto a parcela desse setor que tem ascendido para a chamada nova classe média serão as prioridades de seu eventual governo. Em 2006, Lula, que, como Marta agora, foi comandado pelo marqueteiro João Santana, buscou consolidar o voto nas faixas C, D e E.

" Temos três objetivos básicos: ampliar a inclusão social dos mais pobres, sustentar o processo de ascensão social daqueles que hoje estão formando uma nova classe média paulistana e consolidar as nossas classes médias " , disse. Para satisfazer essa nova classe média, Marta falou em " uma nova política de inclusão empresarial e industrial, que privilegie o empreendedorismo e a criatividade popular " . " Assim como as pessoas se beneficiam da inclusão social, essas empresas necessitam de uma política de inclusão para elas para crescer, produzir e empregar mais " . Como medidas concretas disso, citou políticas municipais de crédito e de desoneração fiscal.

Assistida por cerca de 1 mil militantes e por uma mesa formada por dois integrantes do governo federal, o secretário de Relações do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Luiz Antonio de Medeiros (PDT), e o ministro do Turismo, Luiz Barreto, além do presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), dos senadores petistas paulistas Aloizio Mercadante e Eduardo Suplicy, e dirigentes dos partidos da coligação (PT-PCdoB-PSB-PRB-PTN), a luta de classes e a sugestão de uma eleição dividida entre progressistas e conservadores foram outros pontos que se assemelharam ao discurso de Lula e aliados na campanha de 2006.

" O que temos aqui é a união de forças progressistas " , disse Marta. Antes, seu candidato a vice, o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), afirmara que se tratava de um frente " de todos que lutam pela ampliação dos direitos sociais daqueles que nunca tiveram direitos ao longo da história " e que a coligação é atacada " por forças que não representam as forças sociais e emergentes na vida e na política de São Paulo " Na sua fala, Chinaglia também alertou que " Marta, como o Lula, governa para os pobres " .

A ex-prefeita se posicionou em relação aos adversários. A idéia é falar em falta de continuidade ou desconfiguração de programas iniciados quando foi prefeita, entre 2001 e 2004, principalmente quanto à educação e transporte, áreas em que foi bem avaliada. Em setores mais delicados, como a saúde, onde foi mal avaliada, Marta atribuirá culpa à gestão Celso Pitta (1997-2000), da qual o prefeito e candidato à reeleição, Gilberto Kassab (DEM), participou. " Foi a herança que nos deixou o governo Pitta-Kassab. Maluf (prefeito entre 1993 e 1996 e atual candidato) criou o PAS, que Pitta e Kassab mantiveram. E o PAS bloqueou a integração de São Paulo no SUS, desmantelando o setor de saúde. "

O lançamento da campanha de Marta também mirou 2010. Ela falou em futuro dos programas de transferência de renda. " A grande questão é avançar desses programas para os de emancipação social. Isso, aliás, é um dos pontos centrais de preocupação, no momento, do governo federal. São Paulo quer ajudar o Brasil a escrever isso " . Petistas ressaltaram que uma eventual vitória da ex-prefeita facilitará a permanência do partido no Palácio do Planalto no pós-Lula.

" É obvio que quem vence em São Paulo aumenta suas chances para 2010 " , afirmou o presidente do diretório municipal do PT, vereador José Américo. O deputado federal Jilmar Tatto foi além e disse que é natural que o PT encabece a chapa nas eleições presidenciais, tendo como vice um nome apontado pelos partidos do chamado " bloquinho " da esquerda (PCdoB-PDT-PSB-PRB), que coligou com Marta. Na avaliação de Tatto, a aliança com o " bloquinho " na disputa municipal " enfraquece um projeto alternativo na base política do governo Lula " . Ausente do encontro, o deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), acusado de participar de um esquema de desvio de dinheiro do BNDES foi defendido por José Américo. " Ninguém pode ser julgado antes da hora " , afirmou, acrescentando que Paulinho será " bem-vindo " no palanque de Marta.

Segundo ele, não houve contestações internas no PT à presença do PDT na chapa. Porém, durante a convenção de ontem, houve críticas de alas mais à esquerda do partido. Na disputa pela Câmara Municipal, o PT paulistano terá direito a apresentar 55 candidatos a vereador. Os demais partidos da coligação na proporcional poderão apresentar outros 55 nomes.

17.6.08

União supera SP em contratos com Alstom
Caio Junqueira, Valor Econômico 17/06/2008

Os governos Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fizeram pagamentos a Alstom de cerca de R$ 7 bilhões, entre 1995 e 2008, mais que os R$ 5,5 bilhões que os tucanos Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra desembolsaram no mesmo período com a empresa francesa alvo de uma investigação internacional por suspeitas de pagamento de propina a políticos brasileiros. A era FHC é a que fez as maiores transferências: R$ 5,7 bilhões, concentrados no segundo mandato. Já o petista acumula desde a posse, em 2003, dispêndios para a Alstom no valor de R$ 1,2 bilhão. Os números gerais devem ser maiores, já que Eletrosul e Chesf não informaram os dados.

Em comum, o histórico dos contratos revela a migração de dirigentes de estatais federais e paulistas para a cúpula da Alstom e vice-versa. A diferença é a área de concentração dos contratos. Enquanto em São Paulo a maior parte dos recursos foi destinada à aquisição de trens urbanos e metrô, nos contratos federais a área energética foi a mais beneficiada, principalmente para material para usinas hidrelétricas. O maior contrato foi feito com a Eletronorte para a expansão da usina de Tucuruí (1999). Tem o valor atualizado de R$ 1,8 bilhão, divididos entre Alstom, GE, Inepar e Odebrecht. O segundo maior foi com Furnas (2005): R$ 534,3 milhões, também em consórcio para obras de modernização da usina Luiz Carlos Barreto de Carvalho, no Rio Grande, divisa de Minas e São Paulo. Todos os valores foram atualizados pelo IGP-DI.

No levantamento feito pelo Valor, com base em dados fornecidos pelo Tribunal de Contas da União, Portal da Transparência, ONG Contas Abertas e pelas próprias estatais, foram localizados serviços da Alstom em 12 Estados: Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Ceará, Amapá, Pará, Distrito Federal, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Alguns desses contratos foram considerados pelo Tribunal de Contas da União prejudiciais à União. Em um deles, para compra de equipamentos destinados à implantação do Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, os valores dos materiais orçados pelo ministério da Integração Nacional foram feitos com base na cotação de preço fornecida pelas quatro habilitadas na disputa: Alstom, Flowserve, KSB e Sulzer. O tribunal considerou "tal fato mais inusitado em função do resultado da concorrência, em que cada empresa/consórcio habilitada foi adjudicada para um dos três lotes: Flowserve (Lote I), Consórcio KSB/Sulzer (Lote II) e Alstom (Lote III)". Também condenou a concorrência para um lote único, em desacordo com a Lei das Licitações. O ministério fez um pedido de reexame e o tribunal acabou por acatar suas alegações.

Por ora, as investigações no Brasil focam os contratos assinados pelo Estado de São Paulo e é encampada pelos ministérios público federal e paulista. O Ministério da Justiça, que tem recebido informações sigilosas a respeito da investigação internacional promovida na Suíça, não informou se os europeus também apuram eventuais irregularidades nos contratos com a União.

Processo contra executivo está no STJ
De São Paulo

A investigação do Ministério Público suíço sobre os contratos da Alstom com governos do PSDB em São Paulo não foi suficiente para que a Assembléia Legislativa de São Paulo entrasse no caso. Foi no Congresso Nacional que se autorizou a primeira audiência pública sobre os contratos da multinacional francesa, a ser realizada amanhã na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara.

O principal convidado é o último presidente da empresa no Brasil, Aloísio Vasconcelos. Fora do cargo desde março, ele é irmão de Ronaldo Vasconcelos (PV, ex-PMDB e PTB), vice-prefeito de Belo Horizonte, capital comandada por Fernando Pimentel (PT). Em maio deste ano, o Ministério Público denunciou Aloísio por formação de quadrilha, desvio de recursos e gestão fraudulenta de instituição financeira. Na mesma ação, foram denunciados Zuleido Veras, dono da Construtora Gautama, e o ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau. Todos foram citados na Operação Navalha, da Polícia Federal, que também envolveu o governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT), e de Alagoas, Teotônio Vilela (PSDB). A denúncia foi recebida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Vasconcelos entrou no rol dos acusados porque presidiu a Eletrobrás entre agosto de 2005 e dezembro de 2006, por indicação dos senadores pemedebistas José Sarney (AP) e Renan Calheiros (AL).

De acordo com a denúncia, ele participou, quando presidente da estatal, de fraudes no programa "Luz para Todos", umas das vitrines do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os procuradores afirmam que a Eletrobrás arcou "sempre, através dos fundos setoriais referidos, com custos bastante superiores ao acordado", tendo liberado verbas sem que a meta de consumidores tivesse sido atingida, além de ter celebrado um aditivo reduzindo praticamente à metade essa meta, para que ela pudesse ser alcançada. O Valor procurou o advogado de Aloísio Vasconcelos, José Gerardo Grossi, que não quis se pronunciar sobre o caso. A Alstom não informa seu paradeiro, nem o nome dos presidentes que assumiram interinamente a empresa no Brasil.

Especialista em energia, Vasconcelos integra o grupo político do PMDB mineiro. Sua ligação maior é com o ex-governador de Minas Gerais Newton Cardoso (1987-1991), do qual foi secretário. Com a posse de Itamar Franco no Palácio da Liberdade (1999), foi indicado para a diretoria de distribuição e comercialização da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), onde ficou entre 1999 e 2003. No período, foram assinados contratos com a Alstom por dispensa de licitação, conforme consta em ata do Conselho de Administração do dia 24 de fevereiro de 2002.

Na Eletrobrás, Vasconcelos foi um dos entusiastas da construção de Angra 3. Depois de deixar o comando da estatal de energia, assumiu a presidência da Alstom em abril de 2007 e a deixou em março. A eleição de Aécio, em 2002, tirou-o da Cemig e o levou ao governo Lula. Assumiu a diretoria-técnica da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), sob o comando do recém-criado Ministério das Cidades de Olívio Dutra (PT). Ficou no cargo até março de 2004. Nesses dois anos, a CBTU repassou cerca de R$ 14 milhões à Alstom. Saiu em 2004 para a diretoria de Projetos Especiais e Desenvolvimento Tecnológico e Industrial da Eletrobrás, onde, um ano depois, assumiu a presidência.

O presidente anterior da Alstom, José Luiz Alquéres, também foi presidente da Eletrobrás nos anos de 1993 e 1994, quando o mineiro Itamar Franco (PMDB) era presidente da República. Depois migrou para o setor privado, no banco Bozano, Simonsen. Também especialista na área energética, tem vasto currículo no comando de empresas do setor, públicas e privadas: Alcoa do Brasil, Banco Calyon, Holcim S.A., Cemig, BNDESPAR, Itaipu, Furnas, Chesf, Escelsa, CEG, CPFL e Comgás. Atualmente, é presidente da Light. Entre 2000 e 2006, comandou a Alstom. Foi Alquéres que esteve em 19 de julho de 2005, ao lado de Lula e do então governador Geraldo Alckmin (PSDB), e do ex-ministro das Minas e Energia Silas Rondeau, na cerimônia de 50 anos da empresa no Brasil, em Taubaté, Vale do Paraíba. Na ocasião, Lula classificou-a de "grandiosa empresa brasileira" e disse que ela era "uma empresa que deu certo, que acredita neste país". Alckmin afirmou que "o Metrô de São Paulo está rodando em razão da qualidade da Alstom". A empresa marcou a data com a publicação do livro "Infra-Estrutura de Energia e Transportes - Um desafio para o Brasil", cujo artigo de abertura é da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef.

Há dois anos, uma operação da Polícia Federal prendeu um diretor da Alstom, Osvaldo Panzarini, suspeito de integrar um grupo que dava golpes contra hidrelétricas. Também foi preso José Roberto Paquier, ex-assessor do senador Valdir Raupp (RO), flagrado em conversa telefônica com um funcionário da Alstom pedindo dinheiro para liberar um pagamento de outra empresa.