29.5.09

Maioria dos integrantes da CPI foi financiada por parceiros da Petrobras

Caio Junqueira, De São Paulo, Valor Econômico, 29/05/2009


Pelo menos oito dos onze senadores indicados pelo governo e pela oposição para a CPI da Petrobras tiveram suas campanhas eleitorais financiadas por empresas que mantêm contratos com a estatal.

O senador Álvaro Dias (PSDB-PR), autor do requerimento de instalação da CPI, recebeu doações de uma das principais parceiras da Petrobras, a construtora Norberto Odebrecht. Ambas são ligadas desde os anos 50, quando a construtora participou da construção do oleoduto Catu-Candeias, responsável por levar o óleo do novo campo de Catu à refinaria de Mataripe. o óleo extraído no novo campo de Catu.

A partir daí, foram várias parcerias em refinarias, plataformas e mais de 140 poços perfurados. O próprio edifício-sede da Petrobras, no Rio, foi construído pela Odebrecht em 1969. Recentemente, destacam-se construção do edifício-sede da Petrobras no Espírito Santo; a manutenção na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), em Araucária (PR) a petroquímica Paulínia. Inicialmente uma parceria entre a Braskem (controlada pela Odebrecht) e a Petrobras, foi inaugurada em abril de 2008 e, após alterações societárias, hoje é totalmente da Braskem.

Dias também recebeu pouco mais de R$ 20 mil da Positivo Informática, maior fabricante de computadores do país e braço de um dos maiores grupos de educação do Brasil. Em 2008 fechou contrato com a Petrobrás para o fornecimento de 30 mil computadores no período de 12 meses.

Outra grande empresa, a Vale, fez doações por meio de subsidiárias a três senadores da CPI:ACM Jr. (DEM-BA), Paulo Duque (PMDB-RJ) e Sérgio Guerra (PSDB-CE). Vale e Petrobras tem várias parcerias, como a de fornecimento de combustível para as locomotivas da mineradora na estrada de ferro Carajás e Vitória-Minas, acordo para avaliar a exploração de gás natural em Moçambique, no leste da África. A Vale também atua com a Petrobras em consórcio para a perfuração de um bloco na bacia de Santos, onde recentemente foi feita a primeira descoberta de hidrocarbonetos.

A construtora Camargo Corrêa, uma das responsáveis pela construção de um dos alvos da investigação no Senado, a refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, doou R$ 100 mil para o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE). A operação Castelo de Areia, deflagrada pela Polícia Federal em março, levantou suspeitas de superfaturamento na construção da refinaria.Em três casos, a doação partiu do grupo Ipiranga, que em 2007 foi adquirido pela Petrobras, Grupo Ultra e pela Braskem por U$ 4 bilhões. Antes de ser adquirida pelas três empresas, a Ipiranga fez doações financeiras para as campanhas eleitorais do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), para o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) e para o governador do Rio, Sérgio Cabral, então candidato em 2002 ao Senado. Após assumir o Palácio das Laranjeiras, Cabral passou seu posto na Casa para seu suplente Paulo Duque (PMDB-RJ).

Jucá também recebeu R$ 27 mil da Bolsa de Valores de São Paulo, onde a Petrobras é a maior empresa com ações negociadas. Todas as companhias da bolsa somadas valem R$ 1,8 trilhão. A Petrobras tem valor de mercado de R$ 340 bilhões, equivalente a 19% do total da bolsa.

A maior quantia doada foi pela construtora Egesa, em 2002 para o comitê do PFL (hoje DEM) do Estado de Tocantins: R$ 417 mil. O comitê distribuiu esse valor para diversas campanhas no Estado, dentre as quais a do senador Leomar Quintanilha (PMDB-TO), um dos indicados do líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para integrar a comissão.

Desde 2005 a empresa passou a atuar também no setor de petróleo. Participaram de um leilão da Agência Nacional do Petróleo (ANP), com oferta de R$ 3,1 milhões (R$ 400 mil de bônus e R$ 2,7 milhões em investimentos) para explorar dois poços, Araças Leste e Sete Galhos, ambos perfurados pela Petrobras.A empresa também assinou com a Petrobras, no início de mês, um contrato para a construção de um gasoduto que atenderá o vale do Aço, em Minas Gerais, e a região metropolitana de Belo Horizonte. Com 270km, o gasoduto ligará o Rio a Queluzito (MG). A Egesa ficou responsável pela construção do terceiro trecho. O gasoduto foi dividido em três trechos. O primeiro e o segundo serão feitos pelas paulistas Azevedo & Travassos e Construcap, e o terceiro pela mineira Egesa Engenharia. O valor total do gasoduto é de R$ 711 milhões.

A senadora Ideli Salvati (PT-SC) recebeu R$ 5 mil da Conenge, construtora de Santa Catarina que atua com a Petrobras na construção da estação de tratamento de efluentes em Mossoró (RN). O senador ACM Jr. recebeu doações de três empresas ligadas à Petrobras. A baiana Ferbasa (Companhia de Ferro Liga da Bahia), com faturamento anual de U$ 300 milhões, recebe mensalmente da Petrobrás o equivalente a 1% sobre o volume total da produção dos poços (gás e óleo) que estão localizados dentro das áreas de sua propriedade. Atualmente, esses valores giram em torno de 40 mil. Apenas três senadores da CPI não têm financiadores ligados a Petrobras: Fernando Collor (PTB-AL), João Pedro (PT-AM) e Jefferson Praia (PDT-AM). Para levantar as doações dos suplentes que atuarão na comissão, foram consideradas doações feitas aos titulares do cargo.
Serra tenta última cartada na educação

Caio Junqueira, De São Paulo, Valor Econômico, 26/05/2009

Na eventualidade de o ministro Fernando Haddad ser o candidato petista em São Paulo, enfrentará investida montada no Palácio dos Bandeirantes para reverter o fraco desempenho acumulado na educação nos 14 anos de gestão tucana no Estado.

A prioridade na agenda legislativa do governador paulista até o fim do ano é a aprovação de dois projetos de lei complementar que pretendem reestruturar o funcionalismo público estadual da educação. As principais mudanças instituídas pelo terceiro secretário de Educação do governo José Serra, Paulo Renato Souza, referem-se aos professores temporários, que hoje somam 80 mil, ante 130 mil efetivos.

Sob a premissa de que estabilidade no cargo implica em bons resultados educacionais, o governo paulista aprovará na Assembleia um projeto que restringe a contratação de temporários, obriga-os a fazer uma prova anual, abre concurso para a contratação de 10 mil professores e cria 50 mil vagas. A meta é, aos poucos, substituir os temporários pelos efetivados. Outro projeto irá criar duas novas cargas horárias para todos os profissionais da rede: 40 horas e 12 horas semanais. Atualmente, elas são de 24 e 30 horas. Com as 40 horas, a intenção é assegurar a estabilidade dos professores das primeiras séries e de disciplinas com carga horária maior, como matemática e português. A jornada de 12 horas pretende ajustar as aulas com menor carga horária, um dos principais motivos para a contratação de temporários.

Além disso, todos os novos professores, diretores e supervisores da rede pública — temporários ou não — serão obrigados a passar por um curso durante quatro meses na nova Escola de Formação de Professores do Estado de São Paulo. Com as medidas, Serra pretende reverter os indicadores deficitários da educação paulista até as eleições de 2010. A área é das que mais preocupam os tucanos, tanto na sucessão do Palácio dos Bandeirantes quanto do Palácio do Planalto.

Com Haddad candidato, a preocupação aumenta, já que algumas das vitrines do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva estão vinculados ao Ministério da Educação. Caso do Prouni (distribuição de bolsas de estudo a alunos carentes), que até 2008 beneficiou 434 mil alunos, sendo 130 mil paulistas; e do plano de expansão das escolas técnicas federais, que fará com que o número de institutos técnicos federais passe de 140 em 2005 para 354 em 2010 — 22 deles em São Paulo.

Na mesma linha, Serra também fez o seu plano de expansão de escolas técnicas, que prevê dobrar o número de Fatecs (as escolas técnicas de ensino superior paulistas), chegando a 52. No ensino técnico de nível médio, a meta é aumentar em 100 mil o número de matrículas presenciais e a distância, atingindo o número de 200 Etecs em 2010. Para tanto, triplicou, em dois anos, o orçamento para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, comandada pelo ex-governador Geraldo Alckmin: eram R$ 337 milhões em 2006 e R$ 748 em 2008.

O Palácio dos Bandeirantes também aposta na sensível melhora nos índices oficiais e do Estado, o Idesp, criado em 2007. Baseado no rendimento dos alunos em português e matemática em exame estadual (o Saresp) e no número de alunos que se forma no tempo ideal (evasão e repetência), em uma escala de 0 a 10, o índice no ensino médio passou de 1,41 para 1,95, muito abaixo da meta de 5 para 2030, equivalente ao de países desenvolvidos. Não houve, porém, crescimento nos outros ciclos: da 1 à 4 série, passou de 3,23 para 3,25; e da 5 a 8, de 2,54 para 2,60.

O principal sindicato dos professores, a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), historicamente ligado ao PT e que contempla 164 mil dos 210 mil professores da rede, aprovou o indicativo de greve a partir desta sexta-feira. A entidade se posiciona contra os projetos de lei. Afirma ser inaceitável o que chama de “precariedade para novos temporários”, acha insatisfatória a criação de 10 mil vagas e, sobre a as duas novas jornadas, sugeriu a regulamentação da hora-aula.

Em carta encaminhada aos 94 deputados estaduais, dos quais Serra detém mais de 70% em sua base, a presidente da Apeoesp, Maria Izabel Azevedo Noronha, afirma que “ambos os projetos contêm graves problemas e estão na contramão das declarações do próprio governador e do secretário da Educação quanto à declarada intenção de melhorar a escola pública no Estado de São Paulo. Ao contrário, uma série de medidas contidas nos citados projetos poderão contribuir para comprometer ainda mais a qualidade do ensino ministrado em nossas escolas estaduais, além de causarem gastos de recursos públicos de forma inadequada e, a nosso ver, ineficiente”. O Valor procurou ontem o secretário Paulo Renato, mas, segundo sua assessoria, ele não estava em São Paulo para dar entrevista.

5.5.09

Congresso reage à perda de poder para o TCU

Caio Junqueira, de Brasília, Valor Econômico, 05/05/2009


Lobistas do setor de infraestrutura acostumados por décadas a frequentar gabinetes do Congresso mudaram de endereço nos últimos anos e passaram a ter atuação preferencial em seu órgão auxiliar, o Tribunal de Contas da União (TCU). As constantes crises de credibilidade e a diminuição de iniciativas em definir diretrizes são apenas o pano de fundo para a principal razão dessa migração: as fiscalizações ininterruptas que o tribunal faz em obras públicas e o poder de paralisá-las, impedindo que as empresas recebam milhões de reais para executar as construções.

Preocupados com esse aumento de poder, parlamentares querem que seja o Congresso o responsável por definir quais obras devem ser paralisadas e que o TCU seja mais flexível em seus julgamentos. Apenas em 2008, foram 81 licitações suspensas pelo TCU que envolviam R$ 897,8 milhões e 41 repasses bloqueados a contratos ou convênios que continham recursos federais avaliados em R$ 802,4 milhões. Os fiscais avaliaram, in loco, 153 obras e recomendaram a paralisação em 48 delas, a maioria por sobrepreço, superfaturamento e irregularidades na licitação. Cálculos do tribunal apontam benefícios ao erário, com esses procedimentos, na ordem de R$ 2,8 bilhões.

Por ser um tribunal que julga casos administrativos, seus procedimentos internos já propiciam a abertura de amplo direito de defesa aos interessados, o que faz com que seu prédio seja normalmente frequentado por advogados. Nos casos mais delicados - e mais valiosos - para as empresas, entram em ação os executivos e as entidades de classe, outrora constantes apenas no Congresso.

Parlamentares ouvidos pelo Valor disseram que "antigas figuras" que marcavam presença no Legislativo agora são assíduos no tribunal. Um alto diretor de uma grande empreiteira expõe a razão: "No Congresso sobra tempo para intermediar interesses relativos a regulamentação de um setor ou a um projeto de lei, que demoram para tramitar, enquanto no TCU bastou um indício de irregularidade para comprometer o pagamento e o orçamento da empresa."

Para conter isso, a tarefa de executivos e advogados contratados pelas empresas é convencer os ministros de que suas obras não devem ser paralisadas. A própria composição do tribunal favorece esse acesso. Tendo em sua constituição nove ministros sendo seis nomeados pelo próprio Congresso e três advindos de escolhas da Presidência da República, Ministério Público e auditores da Casa,

O TCU é composto majoritariamente por ex-políticos. Atualmente, seis dos nove ministros já exerceram cargos eletivos: três pelo DEM, um pelo PSDB, um pelo PP e outro pelo PTB (veja quadro ao lado). Muitos deles com campanhas que os elegeram parlamentares financiadas por empresas cujos contratos com o poder público hoje julgam.

É o caso do ex-senador José Jorge, cujo principal financiador de sua campanha por um mandato de senador pelo DEM de Pernambuco em 1998 foi a CBPO Engenharia, mesma empresa que ajudou na eleição do ministro Aroldo Cedraz a deputado federal pela Bahia em 2006. Cedraz, aliás, foi secretário de Indústria, Comércio e Mineração da Bahia no começo da década, durante o governo César Borges (DEM), e um dos principais articuladores para a implantação em tempo recorde da Ford Nordeste, em Camaçari. Após o feito, assumiu a presidência do Grupo Executivo Ford.

Entretanto, como as decisões que chegam às mesas dos ministros vêm com extensas e precisas fundamentações do quadro técnico do TCU - um dos mais bem pagos de Brasília - e das decisões participam todos os ministros, inclusive os não-políticos indicados pelos auditores e pelo Ministério Público, a facilidade de acesso aos julgadores não é garantia de reversão de uma causa desfavorável.

Foi aí que se deu um movimento interessante: com baixos resultados práticos de seu lobby no TCU, as empresas passaram a fazer lobby sobre parlamentares ligados à infraestrutura para que fosse tomada alguma providência. O resultado prático disso será visto na segunda-feira. A Frente Parlamentar em Defesa da Infraestrutura Nacional do Congresso, que reúne mais de 220 dos 594 congressistas, entre deputados e senadores, em associação com Associação Nacional das Empresas de Obras Rodoviárias (Aneor), contratou um dos principais escritórios de advocacia do país, o Mattos, Muriel Kestener Advogados.

Com uma cartela de clientes recheada de grandes contratantes de serviços públicos, como a Petrobras e a Odebrecht, os advogados irão apresentar no Congresso, durante um seminário sobre Infraestrutura de Transportes, um estudo comparativo da atuação de tribunais de contas dos Estados Unidos, Reino Unido, Nova Zelândia e Alemanha, com o do Brasil.
"O estudo remete a decisão final da paralisação de obras para o Congresso e sugere um melhor acompanhamento dos resultados dessas fiscalizações, para que tenhamos uma ação contínua ao longo do ano de modo que possíveis irregularidades nas obras possam ser corrigidas sem que elas que sejam paralisadas", afirma um dos idealizadores do encontro, deputado Eduardo Sciarra (DEM-PR), engenheiro civil, empresário do setor de construção e ex-secretário de Indústria, Comércio e Turismo do Paraná na gestão Jaime Lerner, do então PFL. Para ele, que presidiu a Frente de Infraestrutura nos últimos dois anos, o Congresso precisa retomar o exercício de prerrogativas que são suas, como a decisão final de paralisar obras. "O Congresso tem essa prerrogativa mas não a exerce", afirma.

Recém-empossado na mesma Frente de Infraestrutura, José Otávio Germano (PP-RS) diz que é preciso criar um novo paradigma de controle externo. "Não queremos nem flexibilizar, nem tornar menos rígido, mas encontrar uma fórmula de que tudo aquilo que o TCU entender necessário possa ser dito antes ou durante o processo para diminuir os prejuízos causados com obras paradas", diz ele, que foi secretário da Justiça e Segurança em seu Estado durante governo Germano Rigotto (PMDB).

O presidente da Aneor, José Alberto Pereira Ribeiro, é mais incisivo: "Nos outros países, os tribunais de contas fiscalizam até mais do que aqui, mas são acessórios dos Poderes Legislativos. Aqui no Brasil ele tem poder de polícia, faz ingerências. Queremos mostrar como funciona nos outros países e que o Congresso discuta qual modelo é mais apropriado." A principal entidade de Infraestrutura do país, a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), endossa: "Está havendo uma extrapolação das atividades do TCU. É preciso uma revisão desse modelo para estabelecer limites, rever critérios. Isso acaba por interferir até mesmo em outros Poderes", afirma o presidente da entidade, Paulo Godoy.

A menção de Godoy a outros Poderes diz respeito ao Executivo, que também, frequentemente, entra em rota de colisão com o TCU. Nos casos em que sua atuação é maior, como em obras do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), ligado ao Ministério dos Transportes, e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) e Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), vinculado ao Ministério da Integração Nacional, isso é rotineiro. O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, já chegou a afirmar que as recomendações do TCU não condiziam com a realidade, que havia um excesso de preciosismo e que a função do tribunal não era governar. Mais recentemente, com as obras de expansão dos aeroportos do país, a Infraero passou a ter constantes atritos com o tribunal.

Por sua vez, a Advocacia-Geral da União tem feito constantes reclamações do excesso de trabalho provocado pelo TCU, já que é ela quem auxilia na defesa que os órgãos públicos faz. Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso no Acre que passou despercebido, atacou a "série de problemas criados" pelo órgão.

O controverso é que são os próprios Poderes, Executivo e principalmente o Legislativo, que conferem ao TCU o poder de que hoje dispõe. Suas recomendações são plenamente acatadas pelos órgãos. O Dnit, por exemplo, uniformizou procedimentos licitatórios após sucessivos problemas com o tribunal. O Congresso todo ano lhe concede, com dispositivos da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), poder fiscalizatório. A lei que trata da transferência obrigatória de recursos para a execução de ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), planejado pelo Palácio do Planalto e aprovada pelo Congresso, estabelece que o TCU é, junto com a Controladoria-Geral da União, o responsável pela fiscalização do programa.

A transferência de poder começou em 1995, quando uma comissão temporária do Senado para avaliar obras inacabadas constatou 2,2 mil delas presentes no país, com prejuízo, na época, de R$ 15 bilhões (hoje cerca de

R$ 50 bilhões). Recomendou-se, então, ao TCU que se especializasse nessas fiscalizações. Dois anos depois, foi determinado na LDO que o tribunal fiscalizasse e informasse ao Congresso obras com indícios de irregularidades e que a cada ano fosse aumentado em 20% o número de obras fiscalizadas. São inúmeras as leis aprovadas no Congresso que dão ao TCU poder. Algumas delas: Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei de Licitações, Lei de Parceria Público-Privada e Lei de Contratação de Consórcios Públicos.

Mas o marco veio em 1999, com o escândalo do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, no qual foram apontados indícios de irregularidades mas, sem mecanismos de suspender a remessa de recursos, o prédio já estava em pé quando comprovadas as irregularidades. Daí para secar a fonte de recursos de obras com graves indícios de dano ao erário foi pouco tempo. Desde 2001 o artifício é usado. Sempre com autorização expressa da LDO aprovada pelo Congresso. Em todo esse meio-tempo, o tribunal se estruturou. Criou uma Secretaria de Obras e aumentou o número de fiscais. Entre 2000 e 2008, o número deles passou de 867 para 1.215, crescimento de 40,1%. Fora dessa área, a elevação foi de 27,5%, de 2.023 para 2.581. Do total geral de 3.796 funcionários, tirando os nove ministros escolhidos, há apenas 26 cargos em comissão. Há ainda rodízio do quadro de dirigentes, que nunca ficam mais de seis anos à frente de alto cargo.

Dentro do tribunal, há um sentimento comum, do alto ao baixo escalão, de que tudo é feito dentro dos limites do que a lei confere. O tecnicismo e o legalismo não são somente reconhecidos, mas tidos como legitimador das atividades do tribunal. Por consequência, acaba por gerar insatisfações e fazendo com que o TCU seja hoje o órgão mais temido, criticado e respeitado da Esplanada seja por parlamentares, pelo Executivo e por empresários.

Executivos de grandes construtoras manifestaram ao Valor críticas como a extrapolação de poderes do tribunal. Especificamente, a prioridade excessiva na redução de custos que implicaria em má prestação de serviços e possível paralisação da obra por incapacidade técnica, a utilização de tabelas de preços defasadas do mercado e sem ater-se a realidades regionais e logísticas, a interferência na elaboração de editais. "O TCU construiu um conjunto de interpretações extrapolam os poderes que lhe foi conferido pela Constituição. O tribunal julga, mas não é o Judiciário, legisla mas não é o Legislativo", afirmou um deles.

"A auditoria de obras evoluiu muito em dez anos. Somos um incômodo que antes não existia", afirma o chefe da Secretaria de Fiscalização de Obras, André Mendes, que rebate as críticas: "Em nossos processos há contraditório, as empresas são chamadas a se justificar, a tabela de preços que utilizamos são as adotadas oficialmente pelos órgãos e são raros os casos em que as contratadas não conseguem completar as obras porque seus preços são baixos."

Para Lucas Furtado, procurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, "a rigidez na fiscalização é compatível com o montante de recursos destinados às obras". Diz também que o órgão acaba por cumprir funções que os outros órgãos não cumprem. "Fazemos as vezes dos próprios órgãos, que não têm controle interno . A falta de fiscalização deles também nos obriga a ser rígidos."

As crescentes críticas fizeram com que o tribunal buscasse uma solução alternativa, a retenção cautelar. Por meio dela, o prosseguimento da obra é autorizado na condição de que seja retido porcentagem de valor que cubra o possível dano ao erário ou que seja apresentada uma garantia neste valor.

Em muitos desses casos, a procedência política majoritária da corte é avaliada internamente como um fator que também traz benefícios, pois relativiza as avaliações rigidamente técnicas dos fiscais, fazendo com que o plenário leve em conta, ao proferir sua decisões, o interesse público, efeitos sociais e impactos regionais que a interrupção de uma obra pode implicar.