1.9.05

A irresponsabilidade como requisito político

Caio J.

O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), foi, assim, dizer, o personagem da semana. Não que ele precise fazer muito para torná-lo. É o típico homem que aparece e acontece, perdoem-me o chavão. Mas essa semana houve algo como um superdimensionamento de sua figura, do atraso dos costumes políticos e da pieguice personalista por ele representada. Em entrevista à Folha de S. Paulo, defendeu a complacência com a corrupção. Para quem não se divertiu com a entrevista-piada-tragédia de uma página, em suma, o tosco parlamentar afirma que os deputados que comprovarem a utilização de recursos ilegais em suas campanhas merecem penas mais brandas, como uma advertência, enquanto os que receberam recursos em troca de apoio deveriam ter uma pena mais grave.

O problema em si não está propriamente na gradação de uma pena para a outra, visto que, de fato, a natureza dos são crimes diferentes. Em uma, burla-se o sistema para ter mais recursos, e, assim, mais chances de vencer a eleição. Em outra, burla-se a alma, a convicção, a ideologia ou a ausência desta stricto senso, e se troca o direito fundamental de um parlamentar e símbolo máximo da sua representação popular, o voto, por dinheiro. Ambos os casos corrompem o sistema, mas, em se considerando que um homem pode perder tudo, que continua tendo a sua alma, se esta é vendida, perde-se ela e aquele ao qual a ela se vincula.

Ocorre que aqui não se fala de um cidadão comum. O parlamentar, na atribuição de suas funções, possui um caráter diferenciado, vez que a ele é delegado o poder popular. Nessa linha, quando se vende, ou quando corrompe um sistema, seja ele eleitoral, fiscal ou até mesmo do clube a que pertence, iguala-se na quebra do que se usa chamar decoro, que nada mais é um nome chique para a quebra da safadeza implícita que não se deve deixar emergir quando se está ali, trabalhando e recebendo por delegação popular, ainda que isso seja ignorado pela maioria dos que lá estão.

Desse modo, caixa 2 e venda de voto podem até ter uma diferença no cerne de suas motivações e finalidades, mas nunca devem ter tratamento desigual quanto à gradação de suas punições. As duas devem ser vergastadas com a devida propriedade. Mas a situação é tão crítica que, como a punição exige autoridade, resta um quadro em que ficam escassas as lideranças para fazê-lo. O problema, como diz a piada corrente, não é de política, é de polícia. O presidente do Conselho de Ética, por exemplo. Soldado malufista, abateu-se durante os desvios dos recursos destinados a pagar precatórios judiciais nas gestões Maluf e Pitta em São Paulo. “Ele (Maluf) usou o dinheiro dos precatórios para fazer obra'', afirmou na época.

Há suspeitas dos motivos que levam Severino a ser tão brando com suas exigências. O presidente da Câmara declarou à Justiça Eleitoral ter gasto R$ 60 mil em sua última campanha por Pernambuco. Não declarou gastos comuns em qualquer campanha, como combustível. O jornalista Ricardo Noblat, conforme relata em seu blog, ouviu cinco pessoas do Recife habituadas com campanhas: três deputados federais, um estadual e um ex-ministro. Todas calcularam que a campanha de Severino não saiu por menos de R$ 600 mil, uma vez que se baseou na distribuição de cabos eleitorais nos grotões do Estado. Isso porque não houve gastos com gasolina.

O diabo em tudo isso, não bastasse o fato isolado deste homem ser o terceiro da linha sucessória, é uma velha prática de nossa sociedade: o afago, o puxa-saquismo. Neste país do status, não importa o caráter e os valores de uma pessoa para ela ser, digamos, agraciada com a boa educação da comunidade que o rodeia. Aqui, basta o poder, seja ele político ou financeiro, para capacitar alguém ao cargo de personalidade passível de congratulações e receber os beneplácitos de uma comunidade. Isso a despeito de práticas sujas empresariais que ele tenha praticado para chegar ao bom saldo financeiro em que chegou. Isso a despeito da condução impoluta de sua vida política. Tudo em nome do interesse. O ricão, ou o politicão tem, no Parlamento, nas grandes e nas pequenas cidades, a garantia de seus egos agraciados com o séqüito que os seguem e acabam os cegando, por, na realidade, estar cercado de devotos de uma fé suja, pois maculada por sub-interesses que não os da amizade e admiração, mas o do medo e do interesse. Daí decorre outras bizarrices vistas nesta semana em Brasília. A força com que os petistas-governistas-lulistas, como Devanir Ribeiro (PT-SP) e Arlindo Chinaglia (PT-SP), saíram em defesa de Severino após o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) trocar ofensas com o pernambucano e pedir sua deposição, em razão de suas declarações à Folha mostram isso. Fato pior foi a condecoração de Severino com a Grã-Cruz do Rio Branco, a insígnia de mais alto grau da diplomacia brasileira, concedida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Uma ofensa a mundialmente reconhecida diplomacia nacional. Revela, assim, interesse e medo.

No entanto, não seria justo atacar somente os que dele precisam nesta crise. Cabe questionar quem o colocou lá. E aí aparece a oposição, tucanos e pefelistas que, em optar pela integridade e chatice do petista Greenhalgh, preferiram achincalhar o governo e eleger ele, Severino, em uma operação que hoje virou reversa, haja vista o explícito interesse do presidente da Câmara em segurar processos contra os governistas. O que comprova que, no quesito responsabilidade, ninguém passa. Pobre país.

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