27.8.09

Luta interna atravessa governos e fomenta crise na Receita
Caio Junqueira, De São Paulo, Valor Econômico, 27/08/2009

Uma luta interna por disputa de poder é o substrato da atual crise na Receita Federal, que se acirrou com a indicação de Jorge Rachid a secretário do órgão, em 2003. Desde então, o grupo daquela que viria a ser sua sucessora, Lina Maria Vieira, em sua maioria ligados ao PT, sempre atuou para derrubá-lo. Atribuíam sua ascensão profissional a vínculos com o governo Fernando Henrique Cardoso e acusavam funcionários de seu grupo de negociar com empresas alterações na legislação tributária.

Como as pressões sobre o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, não surtiam o efeito esperado, o grupo de Lina, cuja maior liderança é Paulo Gil Hock, ex-presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco) entre 1999 e 2003, começou a se opor ao governo. Houve até adesões ao P-SOL. O grupo de Rachid, porém, fortaleceu-se com uma arrecadação em curva crescente desde 2003.

A primeira tentativa de assumir o poder veio com a criação da SuperReceita, patrocinada pelo então ministro da Previdência e atual secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Machado. Para acalmar os descontentes, Machado ofereceu o comando da SuperReceita ao grupo de Paulo Gil. Palocci não aceitou e a luta interna continuou, entre defensores de um posicionamento mais agressivo contra grandes contribuintes e aqueles que defendiam uma atuação pulverizada entre todos tipos de contribuintes.

O primeiro sinal mais evidente dessa luta interna deu-se no Unafisco, em 2005. No ano anterior, o grupo do atual presidente da entidade, Paulo Delarue, desligou-se de Paulo Gil e disputou as eleições internas, mas acabou perdendo.

A queda de Palocci em maio do ano seguinte fez aumentar as pressões sobre Rachid. Lula nomeou Guido Mantega para o ministério, que deixou as questões da Receita mais a cargo de Nelson Machado, sobre quem as pressões passaram a ser exercidas. Ele acabou cedendo. Nos últimos meses de Rachid, Machado despachava pouco com ele. Preferia atuar com secretários-adjuntos da Receita.

Rachid, então, é demitido e em seu lugar Machado chama Lina, que conhecia das reuniões do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). A costura para o nome de Lina foi feita por Paulo Gil, junto com o ex-ministro José Dirceu e o presidente do PT, Ricardo Berzoini. Sem vinculações partidárias, Lina evitaria que essa ocupação petista ficasse evidente.

Com isso, os ânimos internos da categoria foram apaziguados. A posse de Lina entregou a Receita a um grupo forjado no movimento sindical com longo histórico de atuação contra grandes empresas, muitas vezes servindo até mesmo como fonte de informação para que políticos petistas, quando oposição, apresentassem denúncias.

Tomado o poder, passou-se a colocar em prática a estratégia de focar as autuações contra grandes contribuintes. Houve, porém, segundo auditores fiscais, erro de avaliação, pois são justamente as grandes empresas que podem pagar melhores advogados e barrar na via judicial ou administrativa a efetivação dessas autuações. "Fez muito barulho mas teve pouco resultado. A gestão anterior autuava menos os grandes contribuintes, mas era mais eficaz. O dinheiro entrava", disse uma fonte ao Valor.

Os números comprovam isso. De janeiro a julho de 2008, últimos meses da gestão Rachid, foram arrecadados R$ 407,16 bilhões. De janeiro a julho deste ano, a gestão Lina arrecadou R$ 380 bilhões (números atualizados pelo IPCA). Foi a primeira queda na arrecadação neste período durante os sete anos do governo Lula. Há que se relativizar os números, na medida em que a arrecadação de 2009 traz os efeitos da crise financeira internacional.

Mesmo assim, a diminuição na arrecadação embasou a saída de Lina, em julho. Teria sido um pedido da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a partir da avaliação de que a equipe de Lina não correspondeu às expectativas e não soube encontrar saídas para os efeitos da crise. Sentindo o risco de perder o cargo, iniciou uma tentativa de se cacifar. Foi aí que começaram a surgir casos de fiscalizações contra grandes empresas. O episódio em que foi revelado a mudança do regime contábil da Petrobras, que lhe permitiu compensar mais de R$ 1 bilhão em tributos federais, é o exemplo mais vistoso. Antes de cair, Lina teria ainda imposto autuações vultuosas à montadora Ford e ao banco Santander.

Não foi o suficiente para se manter no poder e Lina acabou caindo, sob a pecha de incapaz de manter o aumento na arrecadação mesmo diante da crise. O grupo de Paulo Gil tentou ainda fazer com que o governo indicasse o presidente do Ipea, Marcio Pochmann, e o economista Paulo Nogueira Batista. Os nomes foram recusados pelo governo. Otacílio Cartaxo, adjunto de Lina, ligado a ela pessoalmente por serem ambos do Rio Grande do Norte, não tinha atuação política sindical. Ele ficou como interino até ir depor no Congresso e fazer enfática defesa em favor do governo. Sua confirmação no cargo foi consequência disso, sob a condição de que trocasse a cúpula da Receita.

Até então, o grupo de Lina não tinha certeza de que também sairia. Com a confirmação de Cartaxo, sentiram que a saída era inevitável, o que se aconteceu na sexta-feira. Cartaxo realizou uma reunião com os três principais assessores dela, Alberto Amadei, Henrique Freitas e Marcelo Lettieri, e afirmou que teria que substituí-los. A partir daí, começou a circular a versão de que sua queda se deu devido a perda na luta contra "os poderosos", argumento difundido na carta dos demissionários, no início desta semana.

Derrotados no comando administrativo da Receita e no controle político do sindicato nas eleições da semana passada, o grupo de Lina vai esgrimir este argumento da "luta contra os poderosos" para resistir na luta interna da instituição. "Esse discurso veio muito ao encontro do que eles precisavam. De quem quer sair bem do cargo, como quem não tem apego", disse outra fonte ao Valor.

Além desse ponto, o grupo passou a trabalhar com outras reivindicações e reclamações da classe, como o atraso no encaminhamento de uma nova lei orgânica da Receita, a falta de contratação de procuradores fazendários para executar as autuações do fisco e o fim da remuneração variável, que permitia receber por quantidade de autuações efetuadas.”

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