30.11.09

Reajuste previdenciário expõe disputa sindical por fatia crescente de aposentados
Caio Junqueira, de São Paulo, Valor Econômico, 30/11/2009

A negociação do reajuste dos aposentados para 2010 tem explicitado o fortalecimento de uma categoria historicamente desorganizada e que agora tem sido alvo de disputa envolvendo as centrais sindicais e a classe política.

Somente neste ano, a CUT e a Força Sindical, as duas maiores centrais sindicais do país, receberam do ministro do Trabalho, Carlos Lupi (PDT), a carta sindical que reconhece o Sindicato Nacional dos Trabalhadores Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sintapi/CUT) e o Sindinapi (Sindicato Nacional dos Aposentados e Pensionistas da Força Sindical).

Para o governo, foi uma manobra de duplo resultado. Por um lado, avoca para si o reconhecimento dos sindicatos de aposentados. Por outro lado, dando legalidade a esses sindicatos, põe as centrais como protagonistas nas negociações do delicado tema da Previdência.

Além disso, ao colocá-los na mesa de negociação, busca diminuir o poder do mais antigo órgão de defesa dos aposentados do país, a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap), existente desde 1985.

Seus dirigentes são críticos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e chegam a classificá-lo de “traidor”. Na véspera do ano eleitoral em que o governo pretende fazer uma eleição plebiscitária entre as eras FHC e Lula, a entidade equipara ambos. O primeiro, por ter criado o fator previdenciário (cálculo previdenciário que acabou por reduzir o valor do benefício) O segundo, por não tê-lo, ainda, extinguido.

“O governo acha que as centrais representam todos os aposentados, o que a gente acha errado”, afirma Warley Gonçalles, presidente da Cobap, para quem os sindicatos devem representar os trabalhadores da ativa, e não os inativos. A entidade não reconhece a legitimidade dos sindicatos.
Entretanto, a Cobap teve de se render ao governo e às centrais e aceitá-las como mediadoras de seus interesses, não obstante seu número de associados, 1,1 milhão, ser maior que o do Sintapi, da CUT, com 23 mil, e o Sindinapi, da Força, com quase 500 mil.

O presidente do Sintapi, Epitácio Epaminondas, contemporiza. Diz que o órgão que comanda nada tem contra a Cobap, mas defende a criação do sindicato: “Temos uma linha política que trabalhamos dentro da CUT”, diz. E complementa: “O aposentado está cansado de lutar e é necessário ter uma estrutura para acertar isso”.

Carlos Andreu Ortiz, presidente do Sindinapi-SP, afirma que a Cobap se julga a única representante dos aposentados e que a vantagem da intermediação das centrais é o acesso ao Executivo: “As associações costumam ter acesso a um ou outro parlamentar. Nós conseguimos uma articulação direta com o Executivo”.

Ambos reconhecem a força política crescente dos aposentados. Para Epaminondas, “o aposentado é formador de opinião, pois vota e influencia o voto das pessoas ao seu redor”. Ortiz diz que “a categoria praticamente elege um presidente, 2010 é um ano eleitoral e estão querendo fazer disso um desgaste para o governo”.

De olho nessa força e com a ajuda do governo, posicionaram-se, ao lado de outras centrais, como negociadoras do reajuste dos aposentados que recebem mais que um salário mínimo, algo em torno de 8 milhões dos 26 milhões de beneficiários da Previdência.

Governo e centrais concordavam com um reajuste corrigido pela inflação mais 50% do crescimento do PIB dos dois últimos anos. A Cobap reclamou e conseguiu unificar com as centrais uma proposta única de correção pelo índice da inflação mais 80% do PIB.

Ciente da condição de maior associação de aposentados do país, Gonçalles ameaça: “Se o governo não aceitar, vamos voltar a defender que o reajuste seja igual ao do mínimo e denunciaremos aos idosos nas eleições 2010 quem não votar como queremos.”

Instado a se posicionar, o Ministério da Previdência informou que “a coordenação política dessa discussão está sendo feita pela Secretaria-Geral da Presidência da República”.
Por envolver uma categoria em constante crescimento no país, a discussão está tendo reflexos dentro da Câmara, na disputa política entre a base governista e a oposição.

Os políticos, qualquer que seja seu lado, estão de olho em um eleitorado que não para de crescer no país. Se nas eleições de 1992 os maiores de 60 anos representavam 10,5% do eleitorado, em 2010 devem ultrapassar 15% de votantes. Em números absolutos, significa mais de 17 milhões de votos.

Hoje, em qualquer tema no Congresso a bandeira dos aposentados é empunhada. A oposição da Câmara obstruiu a tramitação das regras do pré-sal se não for aprovado o projeto em que o aumento das aposentadorias passa a ser atrelado ao aumento do salário mínimo e cujos termos as centrais sindicais e a Cobap tem discutido.

Até parlamentares do Rio e do Espírito Santo, da base ou não, incomodados com os rumos da distribuição do royalties do pré-sal, ameaçam contrariar o governo no assunto se as regras petrolíferas não forem alteradas.

“Os aposentados viraram coqueluche. Todo mundo só fala disso. Perceberam que em 20 anos passaram de 4 milhões para 26 milhões de beneficiários da Previdência”, diz o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), que desde seu primeiro mandato, em 1987, adota a bandeira dos aposentados. Há três anos, seu partido incorporou o Partido dos Aposentados da Nação (PAN).
Anti-petista contido, ele foi o relator na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara do projeto de lei que acaba com o fator previdenciário, cujo autor é o senador Paulo Paim (PT-RS), expoente no Senado em questões referentes aos aposentados.

Faria de Sá conta que utilizou-se do regimento para que o projeto deixasse a Comissão de Finanças e Tributação, onde estava parado havia onze meses. “Usei um artigo que diz que um projeto tem de ter andamento automático para a CCJ depois de quarenta sessões sem apreciação”, afirma.

O projeto pode seguir agora ao plenário, mas a base governista também pretende usar o regimento para fazer com que o projeto retorne à Comissão de Finanças, uma vez que que ele não foi apreciado.

No caso do reajuste, o que tem tirado o sono do governo, mobilizado as centrais e elevado os aposentados à vitrine política é um projeto, do Executivo, de recuperação do valor do salário mínimo. Uma emenda de Paim no Senado fez com que o reajuste de todos os benefícios previdenciários fossem atrelados ao salário mínimo.

O governo não concorda que os aposentados que recebam mais de um salário tenham reajustes como o mínimo. Argumenta que, primeiro, é inconstitucional tomar o mínimo como indexador e, segundo, que isso prejudica a política de valorização do salário mínimo pois causa um rombo de R$ 6 bilhões nas suas contas.

A cifra, em comparação com outras tantas do governo, tem respaldado o discurso da oposição. “O FMI deve ser mais importante que os aposentados, porque o Brasil emprestou para o Fundo mais de R$ 17 bilhões.As renúncias fiscais concedidas para agradar os sindicatos do ABC atingem R$ 3,5 bilhões. Reajustes ao funcionalismo têm impacto de mais de R$ 20 bilhões.
Somente em 2008, ações de propaganda e marketing consumiram R$ 2,2 bilhões (…) na tentativa de alavancar a candidata do governo. “, escreve em seu blog o líder do Democratas na Câmara, deputado Ronaldo Caiado (GO), que na terça-feira declarou a obstrução dos trabalhos na Casa para aprovar os projetos do pré-sal até que o projeto em prol dos aposentados seja aprovado.

Tudo em nome dos idosos: “O governo tem dinheiro para tudo, menos para os aposentados, afinal, eles não podem fazer greve. Isso é falta de respeito, de humanidade. O Democratas faz parte dessa luta para que aqueles que contribuíram, trabalharam, possam finalmente se aposentar de forma digna e justa”, finaliza Caiado no blog.

O relator do projeto, Pepe Vargas (PT-RS), rebate. “A oposição não tem autoridade para falar de Previdência. Criaram o fator previdenciário e nunca deram aumento real às aposentadorias. Agora usam os aposentados para fazer disputa política”.

Também da base, o presidente da Frente Parlamentar em Defesa, criada neste mandato, o maranhense Cleber Verde (PRB, ex-PAN), ex-funcionário do INSS de São Luís, defende a correção pela inflação mais 80% do PIB. E comemora a nova condição de coqueluche dos aposentados. “Muitos querem discutir projetos dos aposentados, pois eles saíram de casa e estão vindo às ruas. O Congresso sempre foi movido por pressão externa”.

Um comentário:

eutu disse...

O governo devia saber que não é inconstitucional a paridade, o que a carta magna diz é que não poderá ser atrelado ao salário mínimo bens e serviço.O que é insconstitucional como sabemos, é o fator previdenciário, e tentam colocar o 85/95 que também é inconstitucional.