30.7.07

No poder, UNE assiste à divisão do movimento
Caio Junqueira e Cristiane Agostine
Valor Econômico, 06/07/2007


A União Nacional dos Estudantes (UNE) elege neste domingo sua nova direção numa encruzilhada: exerce influência no governo, como poucos momentos dos seus 70 anos de história, e assiste a uma sensível fragmentação do movimento estudantil na disputa pelo que resta de mobilizável numa juventude mais preocupada com o mercado de trabalho e a escalada da violência.

A entidade reivindica como pauta compartilhada com o governo a expansão de vagas nas universidades federais, o Prouni, a criação de uma rubrica específica no Orçamento das universidades e a limitação de 30% de participação do capital estrangeiro no ensino superior privado. Essa aproximação também se traduz pelo aumento dos repasses federais. Desde 2003, segundo dados do Siafi obtidos pela ONG Contas Abertas, saíram dos cofres da União para a UNE R$ 5,3 milhões. Nos oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, a cifra foi de R$ 1,1 milhão.

À esta força, contrapõe-se a distância da UNE das iniciativas mais visíveis do movimento estudantil - a ocupação de reitorias de universidades federais e da maior instituição de ensino superior do país, a Universidade de São Paulo (USP). Nesta última, onde a ocupação da reitoria durou 50 dias, a maior parte dos alunos acatou um documento em que ficou registrado que a UNE não os representava. Na Universidade Federal de Alagoas, o presidente da entidade, Gustavo Petta, chegou a ser expulso de uma reunião.

Petta rebate as acusações de adesismo e minimiza as considerações sobre a fragmentação do movimento estudantil. "A UNE sempre teve apoio governamental. A diferença agora é que há diálogo. Fernando Henrique nunca nos recebeu. Paulo Renato (ex-ministro da Educação no governo FHC) só nos recebeu uma única vez, em 2001, para negociar o fim da uma greve", diz. Da pauta compartilhada, reclama da proliferação desenfreada das instituições privadas de ensino superior.

O presidente da entidade diz que mais significativa que a fragmentação do movimento é a própria desmobilização dos estudantes. Enquanto gays e evangélicos movem multidões, o máximo que a UNE consegue mobilizar, e ainda assim, reunida a outros movimentos sociais, como o MST e sindicatos, é um público de 20 mil pessoas.

Petta explica essa dificuldade pela mudança no perfil do estudante brasileiro, hoje pouco afeito a causas coletivas. Um levantamento do Ibase e do Instituto Pólis, realizado com 8 mil jovens de 15 a 24 anos, das oito maiores regiões metropolitanas do país, entre 2004 e 2005, revelou que a maior parte deles tem como principal preocupação a falta de segurança e o desemprego, seguidas da qualidade da educação e a desigualdade social. A participação política é pífia: 75% nunca estiveram em uma associação estudantil, 96% nunca atuaram em Organizações Não-Governamentais e 92% jamais estiveram atrelados a partidos.

O coordenador do Observatório da Juventude da Universidade Federal de Minas Gerais, Juarez Dayrell, diz que o movimento estudantil tem períodos de 'ascensão e latência'. As grandes manifestações surgem de demandas concretas. "Se antes o sentimento do coletivo era mais forte, hoje emerge o individual. Os jovens preferem as lutas em torno das causas imediatas." Entre os 8 mil jovens ouvidos na pesquisa, um grupo significativo gostaria de participar mais de movimentos, mas acaba se afastando pela forma pouco atrativa das entidades. "Tem muita disputa política nas entidades. É uma lógica de atuação que reproduz a lógica da disputa partidária".

Essa disputa tem na Conlute, braço do movimento sindical Conlutas, ligado a partidos radicais de esquerda como PSOL e PSTU, a principal adversária da atual direção da UNE. As duas forças divergem desde a relação com o governo federal até a proposta de reforma universitária. "A UNE é uma entidade com uma história rica, tirou o Collor, mas hoje se tornou um braço do governo, uma filial do MEC nas escolas", critica Thiago Hastenreiter, de 27 anos, cientista social e um dos alunos que acompanhou a criação da Conlute.

Sob o manto das diferenças ideológicas, está a disputa pelo comando dos estudantes. O PSTU tenta juntar forças com o grupo descontente do PSOL, dentro da UNE, para formar uma espécie de "UNE vermelha". "Queremos resgatar o papel questionador do movimento estudantil, com uma entidade não atrelada ao governo. Vamos atrair os que estão à margem", diz Gabriel Casoni, estudante de Ciências Sociais da USP.

A ocupação nas universidades foi uma das formas encontradas pela Conlute para tentar conquistar espaço entre os universitários. A UNE marcou um dia nacional de invasões, mas não obteve resultado expressivo.

Além da disputa entre movimentos estudantis, as manifestações universitárias também mostraram o pouco envolvimento dos alunos nas lutas. Na USP, cerca de 300 dos 81 mil alunos participaram da ocupação. Nas manifestações de rua, o quórum não passou dos 2 mil estudantes.

O descontentamento com a mobilização estudantil tradicional ajuda a explicar a formação de novos movimentos, à margem da UNE e da Conlute. O Movimento Passe Livre é uma das organizações que conquistou dimensão nacional e une jovens de 29 cidades em torno da luta pela tarifa zero nos transportes. O militante Leonel Camasão, do curso de Jornalismo, em Joinville (SC), reclama da organização interna da UNE. "Nas formas convencionais de organização o poder fica muito concentrado. É cruel, vira um grupo coeso demais". A vinculação a partidos políticos é outro ponto que o afastou da entidade nacional. "A UNE tem pretensões eleitorais e não é isso o que queremos. Senão, de dois em dois anos vamos desviar o foco. Temos nossa forma de nos organizar e objetivos bem traçados", diz.

No Passe Livre não há presidente nem diretoria. Não há cargos nem filiados. Como palavras de ordem, destacam a independência e desburocratização no comando. O grupo se organiza por comissões internas e a comunicação entre os militantes também não se descola da modernidade: as discussões e as convocações para as manifestações são feita pela internet. Mas eles não deixam de lado a panfletagem, palestras em escolas e uma reunião mensal, em cada cidade.

O objetivo do movimento, como diz o estudante Leonel, é o subsídio total da tarifa do transporte público pelo Estado e a municipalização ou estadualização das empresas de ônibus. "Seria uma espécie de 'SUS' dos transportes", explica Leonel. As reivindicações são mais próximas do dia-a-dia. "É lindo fazer uma manifestação contra a invasão do Iraque, mas isso não está ao nosso alcance. Queremos a mudança do sistema, para tirar os carros da rua e permitir acesso ao transporte para todos."

Seus militantes rejeitam a pecha de pragmáticos. "Não significa que nossa geração seja despolitizada", explica Marcelo Pomar, de 25 anos, do movimento de Santa Catarina, "mas é menos utópica e procura outra forma de representatividade". A intenção do Passe Livre não é de enfrentamento com a UNE, e sim, ficar à margem e abrir outras portas para a participação aos jovens que não quiserem seguir no movimento estudantil tradicional. "A UNE é muito engessada e não permite discussões profundas. Não é nem má fé deles, mas em uma estrutura muito grande fica difícil garantir democracia. A entidade tornou-se uma estrutura mais preocupada com a manutenção do poder do que com a necessidade concreta das reivindicações", aponta Pomar.

Como não há filiação ao movimento, os integrantes não sabem dizer ao certo quantas pessoas estão mobilizadas no país. Mas sabem que é uma bandeira defendida nacionalmente e que revoltas populares contra o aumento da tarifa nos transportes, em Salvador e em Florianópolis, deram-lhe visibilidade nacional.

Dois anos antes de a organização ganhar corpo, em 2005, durante o Fórum Social Mundial, cerca de 20 mil pessoas foram às ruas de Salvador, para tentar barrar o aumento da passagem do ônibus. Houve forte repressão policial e o movimento, composto maciçamente por estudantes, ficou conhecido como "Revolta do Buzu" (em referência a uma gíria de 'ônibus'). Dois anos depois, em 2005, os estudantes reagiram a novo reajuste tarifário. "O desgaste ficou patente naquela época, porque os representantes da UBES e da UNE chamavam de "baderneiros" os que reivindicavam o passe livre", conta "Manolo", de 28 anos, um dos organizadores. Na mesma época, Santa Catarina enfrentou dois reajustes tarifários, e a população foi às ruas, no que ficou conhecido como "Revolta da Catraca". "Os movimentos trouxeram à cena política uma geração inteira de jovens que não confiava nos instrumentos tradicionais de fazer política: partidos, estado, sindicatos, entidades representativas", diz Manolo.

Os integrantes ressalvam que a organização é mais do que um movimento estudantil: muitos dos que ajudaram a compor a organização já não estão mais nas universidades nem nas escolas. Além disso, eles pretendem ganhar força junto à população. A estudante de economia Simara Pereira, da UFSC, defende que o Movimento Passe Livre "criou-se a partir da articulação estudantil, mas tem hoje como bandeira a defesa de interesses da população".

Gustavo Petta reconhece a legitimidade do movimento e sua importância para a pluralidade da representação estudantil, mas contesta sua recusa em participar da luta interna na UNE. " É um equívoco porque isso enfraquece a unidade do movimento estudantil", diz.

Filiado ao PCdoB, Petta deverá fazer seu sucessor, a estudante de Jornalismo, a gaúcha Lúcia Stumpf, diretora de Relações Internacionais da entidade, mantendo assim um domínio de seu partido sobre a entidade que já dura 15 anos. Na pauta da chapa situcionista está a aposta em outros canais de aproximação com o jovem que não mais se deixa atrair pelo discurso inflamado de outros tempos. "Criamos os Centros Universitários de Cultura e Arte, passamos a participar das reuniões anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e estamos discutindo a participação nos jogos universitários", diz Lúcia Stumpf.

Aos 25 anos, a estudante de Jornalismo e Ciências Sociais faz parte da União da Juventude Socialista, entidade criada em 1984 e cujo primeiro coordenador-geral foi o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP). A UJS tem forte ligação com o PCdoB. O atual ministro dos Esportes, Orlando Silva, por exemplo, dirigiu-a de 1998 a 2001, depois de passar dois anos à frente da UNE.

Os críticos da UJS afirmam que muitos estudantes são colocados dentro das faculdades com o apoio do partido para fazer política estudantil, conquistar os centros acadêmicos, conseguir eleger a maior parte dos 3 mil delegados que votam no Congresso da UNE e, assim, manter a base de sustentação de uma legenda sem grande representatividade legislativa. Na Câmara hoje a bancada do PCdoB é de 13 deputados, seis dos quais militaram no movimento estudantil. Lúcia Stumpf rechaça as críticas de infiltração. "É o contrário. Pelo fato de a UJS militar em favor dos estudantes é que ela é organizada no movimento estudantil. São os estudantes que a procuram", diz.

A eleição de domingo deverá ter quatro chapas para disputar os 17 cargos da Executiva. A chapa majoritária, com previsão de obter mais de 70% dos votos dos delegados, refletirá a coalizão governista de Lula. Terá, além do PCdoB, a maior parte das tendências petistas (Mudança, Movimento de Ação e Identidade Socilista, Democracia Socialista e Movimento PT), PMDB e PDT. Deve ocupar 15 cargos na Executiva.

Em seguida, com 10% dos votos, deve ficar a Frente de Oposição de Esquerda, que agrega o PSOL, PCB e o Partido Comunista Revolucionário (PCR). Pegará provavelmente um cargo. Depois, devem disputar a vaga restante a chapa de oposição de direita, que abrigará PSDB, Democratas e PPS, e uma chapa com uma parte do PSB e o restante das tendências petistas, como Articulação de Esquerda e Articulação Unidade na Luta (Campo Majoritário).



Inconformismo domina platéia alckmista em escola de elite
Caio Junqueira
Valor Econômico, 02/07/2007

A reação imediata, além de um constrangido rubor na face do questionado, provoca risos na platéia. Por R$ 300 a cabeça, 70 pessoas participaram, na semana passada, do curso "Eleição e gestão pública", que o tucano proferiu por três dias na Casa do Saber, instituição privada que, segundo seu site, é um "centro de debates e disseminação do conhecimento que oferece acesso à cultura de forma clara e envolvente". Além dos 70 frequentadores inscritos, havia ainda os chamados "paidéias" que têm acesso livre a qualquer curso da casa, a um custo semestral de R$ 4 mil.

A interpelante de Alckmin, a dona-de-casa Maria Aparecida Ribeiro, 69 anos, auto declara-se anti-Lula. "Todos sentimos o odor desse monstro. É a veia da máquina pública aliada aos políticos. O diagnóstico todo mundo sabe, mas será que interessa a eles combater?", diz ao final da primeira aula. A rejeição ao presidente é o traço forte e comum que une os colegas dessa senhora, tanto quanto o rechaço ao eleitorado do presidente, tido, em uma das tantas perguntas feitas durante as palestras, como "insensível à verdade".

"Se o povo tem sensibilidade, por que não houve coragem de dizer certas verdades nas eleições? O povo não tem coragem para entender uma mensagem verdadeira?", questiona um deles. Era a reação a uma afirmação de Alckmin de crença "no julgamento popular e num povo que erra menos do que as elites".

O tucano explica as razões que julgava terem-no derrotado em 2006. Aponta a força do Bolsa-Família e a dificuldade de se enfrentar um governo e uma máquina pública que tenta a reeleição. E à personalidade do presidente: "Lula é um candidato carismático, o brasileiro mais conhecido dos últimos tempos, tem uma história bonita de vida, um partido organizado e estruturado".

Ainda assim, a sensação compartilhada ali era de que se havia um culpado por sua eleição, era o povo. É o que diz, por exemplo, o advogado Germano Parenti, 73, ferrenho alckmista. "Não culpo o Lula pela vitória, culpo os eleitores do Lula. Dar preferência a ele foi um descalabro", afirma, para, em seguida, atacar. "Lula não está a nível do cargo. Até o Vicentinho (Paulo da Silva) e o (Luiz Antônio) Medeiros fizeram curso. O Lula não fez nem de corte e costura e decoração de bolo."

Após uma hora de aula, segue-se um intervalo de dez minutos, que acabam sendo quinze. Neste interregno, são servidas à vontade garrafas do vinho chileno Trio Concha y Toro (R$ 38 a garrafa), elaborado com o corte de três uvas: Cabernet Sauvignon, Shiraz e Cabernet Franc.

A degustação, segundo o próprio curador da Casa na apresentação do curso, torna o segundo tempo da aula mais agradável. O professor não bebe. Conversa com os alunos, e, a pedido de um deles, autografa o livro "Geraldo Alckmin: o menino, o homem, o político", de Acir Filló.

O inconformismo com o resultado de 2006 é generalizado entre os alunos. "Sou inconformada por ele (Alckmin) ter perdido a eleição e o país ser governado pelo Lula. Entendo pouco de política, mas sinto que não tenho voz, não tenho corpo no país. Temos um presidente que não fala nossa língua. Há uma minoria ética no país que não sabe como fazer para realizar as mudanças. Como fazer mudanças estruturais, se o povo não entende o que são essas mudanças estruturais?", afirma a médica Roberta Grabert, 42 anos.

Nos três dias de aula, Alckmin, embora pontual, entrou quase imperceptível na sala de aula. No primeiro dia, acompanhado do curador, fez-se silêncio à sua entrada. No segundo, o burburinho foi interrompido pelo próprio professor, que, do seu espaço poucos centímetros superior ao dos alunos, deu três "boa noite" até que o silêncio reinasse. No terceiro, o barulho parou com discretos "shhh", semelhante ao dirigido aos falantes durante as sessões de cinema.

As aulas se dividiram em três partes: eleições, em que o palestrante dissertou sobre a disputa de 2006; economia, onde mostrou dados sobre a situação do Brasil e do Estado de São Paulo; e internacional, em que traçou panoramas do cenário de geopolítica mundial. As perguntas, porém, - geralmente feitas após o intervalo - eram sobre temas variados.

Em um dos dias, a observação de um aluno causou certo desconforto. O administrador de empresas e funcionário do governo paulista Murilo Lemos, 29 anos, disse ter participado, no mesmo local, da aula única sobre desigualdade dada pelo professor Luiz Gonzaga Beluzzo, dentro do curso "Grandes Problemas do Brasil". O relato é dele: "De todo o curso, foi a aula que teve menos pessoas. Acho que porque incomoda". O ex-governador mantém a postura e diz que se trata de um tema importante e que, para reduzi-lo, é preciso gerar empregos. Complementa: "Emprego quem gera não é o governo, são os empreendedores. O governo é complementar. Depois vem a educação e a universalização do ensino. Aí vem o segundo passo, que é a qualidade nas escolas."

Um aluno pergunta sobre a avaliação da imprensa. Alckmin diz não haver nada como a imprensa livre, mas critica o excesso de concessões de rádio e TV. Diz que muitos são eleitos por conta dessas concessões. E concluiu com uma frase de Ulysses Guimarães, citando o filósofo alemão Johan Goethe: "Mais difícil que matar o monstro é eliminar seus destroços". Ainda sem a resposta, a senhora Maria Aparecida Ribeiro interrompe em alta voz bruscamente: "Mas eu quero saber quem é o monstro"! No final do curso, ela não estava entre os cerca de 15 alunos que tiravam fotos ao lado do professor.



DEM aposta em 2008 para reverter declínio
Caio
Valor Econômico, 25/06/2007

O partido que até 2002 tinha cadeira cativa no poder luta agora por um lugar na disputa política do país. Com o propósito de retomar a força que já teve no Congresso Nacional e nas Assembléias Legislativas, o Democratas, antigo PFL, estrutura-se com força para as eleições municipais de 2008. A estratégia inverte práticas pefelistas consagradas no decorrer da história da extinta legenda. Se antes suas candidaturas só eram lançadas se tivessem chances reais de vitória, agora qualquer uma deve ser lançada, contanto que demarque seu espaço político e se credencie para as eleições de 2010.

A meta é que, dos 5.546 colégios eleitorais brasileiros, cerca de 3,5 mil tenham candidaturas próprias do partido, o dobro de 2004, quando o então PFL lançou aproximadamente 1,7 mil candidatos a prefeito. Venceu em 792. Naquelas que serão as suas primeiras eleições desde a mudança do nome, essa contabilidade de prefeituras conquistadas passará a ter aspecto secundário para os líderes do partido. O principal objetivo passou a ser o número de votos somados obtidos nas urnas. Há três anos, foram 12,5 milhões. Em 2008, a intenção é alcançar os 15 milhões. Tudo para chegar em 2010 com um amplo leque de candidatos próprios a deputados federal e estadual cacifados eleitoralmente em seus redutos.

Com esse plano em mãos, praticamente todos os parlamentares do DEM estão convocados ou a serem candidatos a prefeito em 2008 ou, em uma hipótese subsidiária, participar ativamente da campanha eleitoral a partir do próximo mês, quando se inicia a composição das comissões provisórias municipais. A tarefa é traçar os cenários municipais e formar nomes interessados em disputar as prefeituras. Dentro da meta de 3,5 mil municípios, há prioridade para cerca de 200 deles por uma simples razão: a presença da televisão.

Com esses dois ingredientes - candidatura própria e televisão - o partido quer levar a imagem do seu candidato, apostando no recall para 2010, e, simultaneamente, amplificar a mensagem da legenda. No entanto, a questão que se apresenta é: qual a mensagem e para quem ela deve ser prioritariamente destinada? Para dar a resposta, o Democratas encomendou uma ampla pesquisa ao instituto de pesquisas GPP. Em um calhamaço com 137 páginas, destrinchou a população brasileira por renda familiar, região, grau de instrução e preferência política entre esquerda, direita e centro e cruzou esses dados com respostas sobre a imagem que ela tem dos partidos, opinião sobre temas polêmicos em debate no país e, claro, avaliação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A radiografia mostrou a gestão do petista com avaliação positiva de governo nas áreas econômica e social, mediana em educação e negativa em segurança e saúde pública. Revelou também uma população majoritariamente conservadora, contrária ao aborto, à legalização das drogas e à união civil homossexual. Com isso, o partido se conscientizou de que criticar o "assistencialismo eleitoral" do Bolsa Família pode atrapalhar seus planos. E que há brechas para um ressurgimento de uma agremiação conservadora. Traçou-se, pois, a mensagem. "Não vamos mais ficar batendo cabeça nas áreas em que o governo federal é bem-avaliado. Queremos é potencializar os problemas do governo Lula. Falar da segurança pública, da saúde, da alta tributação", afirma o deputado federal Rodrigo Maia (RJ) , presidente do partido.

Para transmitir bem a mensagem, o DEM trará especialistas espanhóis para treinar seus candidatos. Eles virão por meio de um intercâmbio com o Partido Popular da Espanha, que, junto com o DEM, integra a Internacional Democrata de Centro, associação mundial de partidos políticos.

Por ora, muitos políticos do Democratas estão receosos em se arriscar, sem chances, em 2008. Mas a cúpula afirma que irá "jogar duro" em cima disso. A própria forma como ocorreu a reestruturação tende a facilitar esse trabalho. Por determinação da cúpula, os antigos diretórios estaduais e municipais do PFL foram transformados em comissões provisórias. A vantagem desse mecanismo é que os dirigentes estaduais têm o poder de destituir, com uma "canetada", comissões provisórias municipais que não atendam aos interesses do partido para a disputa de 2008. Com isso, pretendem eliminar a utilização da legenda em locais em que elas têm servido a interesses de outros partidos ou de políticos que antes integravam o PFL, mas que migraram a outras siglas. Uma "faxina", como diz outro integrante da cúpula. Um caso específico citado é o Maranhão, onde o grupo Sarney detinha controle absoluto sobre os diretórios pefelistas.

Vários motivos fundamentam essa mudança no perfil competitivo da sigla. O primeiro deles e mais óbvio é a perda de cadeiras nos Executivos e Legislativos país afora, imposta nas últimas eleições. No Congresso, depois de ficar entre as duas maiores bancadas em todas as eleições desde a redemocratização, o PFL amargou um quinto lugar e uma bancada 20% menor do que em 2002. Das 27 unidades federativas, conquistou apenas uma, sem grande relevância política: o Distrito Federal. Bem diferente dos áureos tempos de 1990, quando ganhou sete Estados.

No entanto, a principal razão que redesenha os costumes eleitorais da legenda é a reforma política em discussão no país. Vislumbrando um fortalecimento das máquinas partidárias e alterações no sistema de disputa - seja para o voto em lista defendido pelo DEM, PMDB e PT, seja para o distrital, encampado pelo PSDB; ou ainda o fim das coligações nas eleições proporcionais -, os políticos do Democratas acreditam que o partido que não tiver quadros eleitorais estará fortemente sujeito ao desaparecimento em alguns anos.

A legenda também tenta se desvincular do PSDB, mas o prazo para isso ainda não é um questão fechada. Uma parcela da cúpula ligada ao ex-senador Jorge Bornhausen afirma que, para as eleições de 2010, o partido ainda deve estar junto com os tucanos. Outra, porém, mais próxima ao prefeito do Rio, Cesar Maia, aposta na diminuição dessa relação e em uma candidatura própria do partido para a Presidência. Para esses, o PSDB não tem interesse no fortalecimento do DEM. "Os tucanos não vêem que esse ciclo de poder em que todos chegaram ao poder central acaba em 2010. Eles querem que o ciclo de alternância seja entre eles e o PT", afirma um integrante da cúpula partidária. Para ele, o apoio dos tucanos a Arlindo Chinaglia (PT-SP) para a presidência da Câmara e a retirada de apoio à lista fechada na discussão sobre a reforma política são os sinais mais evidentes disso. "Eles não quiseram apoiar o Aldo Rebelo (PCdoB-SP) para não propiciar um novo pólo de poder. E na questão da lista, quiseram evitar que os quatro maiores partidos se fortalecessem para 2010", diz.


Partido monta escola para elaborar políticas sociais

O estrago eleitoral feito pelo Bolsa Família no antigo PFL, principalmente em seu reduto histórico, o Nordeste, surtiu efeitos práticos no DEM. No intuito de se aproximar das classes populares e conquistar seus votos, o partido pretende entrar de vez na discussão dos problemas sociais brasileiros. Para tanto, dois caminhos são traçados. Quanto ao conteúdo, um instituto de desenvolvimento social será criado para debater e formular propostas. Na forma de comunicação, a legenda se prepara para "humanizar" seu discurso.

"Temos que nos preocupar com os problemas práticos diários das pessoas. Por exemplo. Temos uma bandeira: a extinção da CPMF. Mas dependendo de como você vai tratar isso na sociedade, as classes D e E não vão entender o que você está falando. Então, começamos a colocar uma questão prática nas nossas discussões internas para humanizar o debate. Não adianta falar da CPMF para a dona Maria que mora na periferia de Belém. O que isso tem a ver com a vida dela? Agora, dependendo da forma como a gente se comunicar, se você falar sobre o dinheiro da saúde para qual ela foi criada e que não veio, aí ela vai entender", afirma a ex-vice-governadora paraense na gestão Simão Jatene (PSDB), ex-secretária de Proteção Social do Pará e mulher do deputado federal Vic Pires Franco (DEM-PA), Valéria Pires Franco, 37 anos, responsável pela área de desenvolvimento social da sigla.

O mecanismo de aproximação com as classes populares será dado pela Escola Democratas de Desenvolvimento Social, um instituto de pesquisa e formulação de projetos que será criado no segundo semestre.

"O PFL sempre foi considerado um partido de elite. A gente percebeu que isso foi um ciclo que se esgotou. Queremos nos aproximar daquilo que é importante para a vida das pessoas. Um contato mais direto com a população, ir para dentro das comunidades, dos municípios, das lideranças comunitárias. O partido tinha um distanciamento muito grande. Daí a mudança de nome, a vinda de lideranças mais jovens, para a gente retomar o contato com a sociedade", diz Valéria.

A meta da Escola é trabalhar com os dados disponíveis no Cadastro Único, banco de dados do governo federal com informações sócio-econômicas dos lares de todos os municípios do país. A partir das deficiências detectadas, serão elaborados planos de trabalho. Dez políticas sociais foram escolhidas como pilares de atuação: saúde, habitação, segurança pública, foco nas mulheres, cultura, saneamento, educação infantil, qualificação profissional, esporte e lazer, e transferência de renda.

Em relação a este último item, há consenso no partido em relação ao Bolsa Família. Tido como algoz pefelista na região Nordeste e fortemente taxado de assistencialista nas eleições de 2006, o programa agora tem o apoio do Democratas. "Isso foi um grande marketing político que o PT fez muito bem. Apropriou-se de um programa que não começou com o Lula, mas teve um mérito que foi unificar o cadastro e permitir que com isso ele fosse otimizado e ampliado. Nós, Democratas, não somos contra a transferência de renda. Só achamos que ela é uma forma de combater a pobreza, mas não a única. Não pode se esgotar nisso. Há muitas outras carências nas famílias atendidas pelo Bolsa Família. O que queremos discutir são essas outras carências", afirma Valéria.

De acordo com ela, a Escola terá quatro eixos de atuação: articulação e mobilização, para promover as audiências públicas pelo país; Congresso Nacional, para subsidiar parlamentares com dados sociais; valorização profissional, para auxiliar e valorizar o trabalho de assistentes sociais pelo país; e novas tecnologias sociais, para discutir projetos sociais.

De olho nas eleições de 2008, o DEM pretende definir neste ano algumas bandeiras do partido na área social para que seus candidatos se comprometam. O primeiro passo será dado nos dias 5 e 6 de julho, em Brasília, quando todos os senadores, deputados e presidentes estaduais do partido discutirão, em um seminário interno, os temas meio ambiente, segurança pública, seguranças sociais e educação. Durante o segundo semestre, quando a Escola estiver em funcionamento, estão previstas dez audiências públicas em dez cidades diferentes do país, para discutir as políticas sociais que o partido pretende defender.

Um dos principais técnicos colaboradores é Marcelo Garcia, 37 anos, secretário de Assistência Social do município do Rio de Janeiro e ex-secretário nacional de Assistência Social durante o governo Fernando Henrique Cardoso: "Reconhecemos que a estratégia de transferência de renda que começou no governo Fernando Henrique e se consolidou no governo Lula é importante e deve ser mantida. Agora, abrindo os dados do Cadastro Único você percebe uma série de carências que as famílias possuem."

Questionado sobre a "entrada" de um partido historicamente conservador no debate social, ele é enfático: "A discussão social não tem propriedade. Ninguém tem o monopólio do debate e das idéias." (CJ)

Renovação é conduzida por parentes de lideranças

No Democratas Jovem, o braço partidário que tem como uma de suas funções atrair gente nova ao partido, a renovação alardeada pelo partido é conduzida por parentes de antigos - e atuais - políticos do DEM.

O presidente nacional e paraibano do órgão é o deputado federal Efraim Moraes Filho, filho do senador Efraim Moraes. Em São Paulo, o presidente é Walter Abrahão Filho, diretor comercial e social de uma autarquia paulistana, a Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab). Ele é filho do ex-vereador malufista e ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Município Walter Abrahão. No Rio Grande do Sul, Rodrigo Lorenzoni, filho do deputado federal Onyx Lorenzoni, preside o órgão. No Rio, quem comanda é o deputado estadual Pedro Fernandes Neto, filho da ex-vereadora e atual secretária de Meio Ambiente carioca, Rosa Fernandes, e neto do ex-deputado estadual Pedro Fernandes, parlamentar fluminense com maior tempo de mandato na Assembléia do Estado.

A juventude do Democratas do Paraná é chefiada por Pedro Lupion, filho do deputado federal Abelardo Lupion, que por sua vez é neto do ex-governador paranaense Moises Lupion (1946-1951). Em Pernambuco, até a semana passada o presidente era Marcelo Roma, neto de João Roma, que atuou na política do Estado nos anos 30, 40, 50 e 60. Foi deputado federal por três vezes. No Ceará, Francisco Alberto Martins Neto é neto do ex-prefeito de Canindé (CE). No Acre, a presidente Roberta Cristina Valle Albuquerque Lima, além de colunista social de um jornal de Rio Branco, é filha do deputado constituinte Osmir Lima.



Alckmin diz que vai percorrer país para organizar PSDB à disputa municipal

Caio Junqueira
Valor Econômico, 12/06/2007


Depois de quatro meses nos EUA, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), candidato derrotado nas eleições presidenciais , retorna em definitivo ao país. Com dubiedades. Diz que percorrerá o país para reconstruir o partido, mas nega tentativa de firmar seu nome em âmbito nacional ou desejo de encampar seu nome para a presidência da sigla. A viagem seria custeada pelo ex-governador, que pretende combinar a caravana com palestras pagas.

Afirma que em 2008 pretende ajudar a legenda nos mais de cinco mil municípios brasileiros, embora não afaste a possibilidade de concorrer à Prefeitura de São Paulo. Diz ainda que PSDB e DEM devem estar juntos na disputa pela capital, o que esvazia especulações sobre candidaturas separadas entre o prefeito paulistano Gilberto Kassab (DEM) e os tucanos.

Sua discrição política, porém, é dissipada quando se trata dos rumos que o PSDB deve tomar. De acordo com ele, o binômio emprego e renda deve ser o ponto central do discurso da reconstrução do partido. E, contrariando correligionários que acreditam na classe média como alvo eleitoral, diz que o partido precisa voltar a ouvir o "pulsar das ruas" e sugere uma aliança estratégica com setores organizados da sociedade civil, o chamado terceiro setor.

Do seu novo escritório político, na área nobre da avenida Nove de Julho, zona oeste de São Paulo, o ex-governador falou ontem ao Valor. Contou detalhes de sua temporada nos EUA, como a amizade feita com Arnon Collor, filho do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Um "bom menino", segundo ele. Falou ainda sobre os cursos que fez em Harvard. Foram dois. Um no Instituto Weather Head Center, com 16 "fellows" de 14 países diferentes, onde estudou temas mundiais, como Aids, energia nuclear, conflitos religiosos e reunificação de países. O outro, na Kenneth School, em que estudou megacidades. O nome do curso: "Leading Cities". Ainda assim, Alckmin negou qualquer pré-preparação para 2008. A seguir, os principais pontos da entrevista:

Valor: Quais são seus planos para os próximos meses?

Geraldo Alckmin: Pretendo percorrer o país para ajudar o PSDB a organizar o partido para as próximas eleições. É importante ter bases municipais sólidas e oferecer ao eleitorado bons candidatos e com um programa mínimo. Quero ainda agradecer aos votos que tive e fortalecer a oposição. Também vou dar aula em duas universidades paulistas.

Valor: O senhor pretende, no roteiro pelo país, se credenciar para assumir o partido no congresso deste ano ou tornar seu nome nacional?

Alckmin: Não tem nada de personalismo nisso. Não tenho também interesse em nenhum cargo partidário, não há nenhuma manobra eleitoreira. Esse eleitorado votou em mim para ser presidente. Não sendo eleito, para ser oposição. É tão patriótico você ser oposição quanto ser governo. A pior coisa que pode haver para o país é não ter oposição.

Valor: O país tem oposição hoje?

Alckmin: O padre Manuel Bernardes dizia que a omissão é o pecado de não fazer, fazendo. Mas não é fácil fazer oposição no Brasil. Ainda mais com um governo de estilo autoritário. O governo montou a maior maioria que se tem notícia. A oposição hoje não tem 140 votos. Agora, para que isso? Tem que ser para fazer as reformas estruturantes. A (reforma) fiscal, reduzindo a carga tributária; a tributária, começando pelo ICMS; a da Previdência; a trabalhista.

Valor: Mas o PSDB colaborou em questões importantes para a consolidação dessa maioria, como na eleição de Arlindo Chinaglia (PT) para a presidência da Câmara. Como o senhor vê a atuação do partido?

Alckmin: Questões partidárias se discutem dentro do partido. Eu vou lutar para o partido ter uma oposição maiúscula, não rancorosa, não pessoal. Agora é fundamental para o país ter uma oposição firme que cobre, fiscalize, proponha. Isso é o interesse público. Oposição madura, séria e firme.

Valor: O PSDB tem agido assim?

Alckmin: Acho que sim, com as dificuldade que temos. Um partido sem muitos parlamentares, uma cultura governista. Quando me elegi prefeito tinha um médico em Pindamonhangaba que era do partido aliado ao regime militar, a Arena. Eu era do MDB. Venci as eleições e ele me disse: "Estamos com o senhor, eu não mudo, quem muda é o governo". Então há uma cultura governista no país que acaba sendo difícil fazer oposição. Mas tem que perseverar. A tarefa nossa é fiscalizar, cobrar e propor. E se preparar para ganhar a próxima.

Valor: Como deve ser a reestruturação do partido? No seminário preparatório para o congresso, houve um consenso de que a classe média deve ser o alvo, já que as classes D e E mantêm forte apoio a Lula. O senhor concorda?

Alckmin: Não. A classe D e E é ligada a nós. Ganhei a eleição em muitos Estados e a população de todas as classes votou em mim. A maioria da população é que decide eleição e a maioria não é classe A nem a classe B.

Valor: Como, então, atrair todas as classes?

Alckmin: Para mim, a questão central é emprego e renda. Esse discurso é para todos. Não há razão para segmentar. A classe média está sofrendo mais porque a carga tributária incide toda sobre ela e os serviços públicos são piores. É a que sofre mais. Mas acho que nossa mensagem deve ser para todos.

Valor: O senhor não acha que há uma barreira que dificulta o acesso do PSDB a essas classes, principalmente depois do governo Lula?

Alckmin: Mais uma razão para ouvir mais o pulsar das ruas. O PSDB inicia seu manifesto dizendo: "Longe das benesses do poder, próximo ao pulsar das ruas". Sempre preguei que o partido precisa amassar mais barro, estar mais perto da população. E é possível. O Aécio teve 80% dos votos em Minas. A mensagem deve ser dirigida a toda a população e com mais enfoque inclusive nos movimentos sociais, não fazendo atrelamento político como o governo faz, com recursos públicos. A boa nova do nosso tempo, do novo século, é a organização da sociedade civil, o terceiro setor. Aliás, temos em São Paulo uma experiência boa. Nenhum dos 21 hospitais que construímos é administrado pelo governo. Todos por entidades do terceiro setor. Temos aí até uma divergência com o PT, que diz que esse setor tem que ser estatal. Nós dizemos que tem que ser público. Os hospitais todos têm contrato de gestão com organizações sociais sem fins lucrativos.

Valor: Há uma diferença. entre movimento social e terceiro setor. Pelo que o senhor diz, o PSDB deve focar no terceiro setor.

Alckmin: Não, as duas coisas. Você foca na sociedade organizada e nos movimentos populares, que às vezes não tem representação jurídica, mas você deve estar perto, próximo, sintonizado.

Valor: E como atrair os movimentos sociais? A relação entre eles e o PSDB nunca foi boa.

Alckmin: Quando me refiro aos movimentos sociais não me refiro ao movimento político. Digo as organizações de bairro, associações comunitárias, que não têm vinculação de natureza partidária, ideológica. É diferente. Refiro-me a algo mais amplo.

Valor: São Paulo é um dos últimos redutos da aliança entre PSDB e DEM. Ela deve ser mantida nas eleições municipais de 2008?

Alckmin: No que depender de mim, sim. Agora, eleição municipal é no ano que vem. Sou contrário a antecipar debate sucessório.

Valor: O senhor não trabalha com a possibilidade de ser o candidato dessa aliança em São Paulo?

Alckmin: Vou trabalhar nas eleições municipais para ajudar o PSDB nos mais 5.500 municípios brasileiros.

Valor: Isso sinaliza que o senhor não tenha uma pretensão eleitoral na capital paulista?

Alckmin: Não. Também não. Eu gosto da política, pretendo continuar. Mas essa questão de candidatura, ser candidato em 2008, ser em 2010, isso o futuro vai dizer. Vamos ouvir o povo, ouvir o partido. São decisões coletivas.

Valor: É que em São Paulo há uma questão maior. O DEM quer manter Kassab no cargo com o apoio de José Serra.

Alckmin: Essa questão eleitoral é para 2008. Cada coisa tem o seu tempo. Ano que vem não tenho dúvida de que teremos um bom candidato, independentemente de eu ser ou não o candidato.

Valor: O que vai determinar o nome do candidato da aliança?

Alckmin: Repito que esse é um tema para o ano que vem.

Valor: Tucanos dizem que existe o "fator Marta", e petistas dizem ter o "fator Alckmin". Se um sair, o outro não sai. Isso existe?

Alckmin: Não sou "expert" em PT e não os vejo como inimigos. Essas questões do PT cabem a eles escolherem. Só sei que estaremos em campos opostos na disputa do ano que vem.

Valor: 2010 é a grande chance do partido retornar ao Planalto?

Alckmin: O PSDB tem tudo para ganhar a eleição. A candidatura do PT também virá forte, porque é a candidatura do governo.

Valor: O senhor está na disputa?

Alckmin: Se 2008 está longe, imagine então 2010. O certo é que o PSDB terá em 2010 um grande candidato. Temos ótimos nomes. O importante é ter uma boa proposta para o Brasil.

Valor: O senhor acredita que os decretos iniciais de reavaliação de contratos e recadastramento de funcionários do governo do Estado na administração José Serra colocaram em suspeição sua gestão?

Alckmin: Não. Foram medidas normais no início de governo. Aliás, conversei com o Serra no telefone e ele está super feliz porque a relação dívida/receita liquida baixou para menos de 1,8. O Estado tinha até 2015 para deixar essa relação em até 2. Nós conseguimos chegar, dez anos antes, a menos de 2.

Valor: O senhor vê possibilidade de PT e PSDB estarem juntos algum dia, como aventou Tasso Jereissati?

Alckmin: Temos uma postura totalmente diferente do PT. Algumas questões passaram a ser suprapartidária, o que é bom. É sinal de maturidade política no Brasil. O PSDB implantou o Plano Real contra o voto do PT. Mas o PT mudou o discurso e defende a estabilidade. Ótimo, a estabilidade virou uma questão suprapartidária. O PT votou contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas hoje a defende. Virou uma questão suprapartidária. Então, algumas coisas são prova de maturidade política. Há um consenso. Mas temos divergências sérias, por exemplo, na questão democrática. O PT tem um perfil autoritário. Na questão de gestão do Estado também somos diferentes. Veja, são 37 ministérios. É uma visão de governo atrasada

Valor: Quais pontos o senhor defende na reforma partidária?

Alckmin: Voto distrital, fidelidade partidária e cláusula de desempenho.

Valor: E a reeleição?

Alckmin: Para mim é indiferente, não vejo essa questão como programática. Diria até que a reeleição não é um direito dos políticos, é do eleitor. Mas precisaria ser regulamentada para evitar abusos.

Valor: Então o senhor é a favor.

Alckmin: Não vou fazer disso nenhuma luta política. Acho que a reeleição regulamentada é direito do eleitor.

Valor: Em que termos?

Alckmin: Tem uma regra hoje que é assim. Eu era governador de um Estado, tive que renunciar quase um ano antes, nove meses. E o presidente, que vai disputar continua no cargo e com a caneta cheia. Em 2006, Lula gastou 1% do PIB em gastos correntes. Precisa ter o mínimo de regras.



Kassab investe em discurso social para cacifar candidatura
Caio Junqueira
Valor Econômico, 08/05/2007


Na platéia, cerca de 50 empresários franceses. O lugar, um dos restaurantes mais luxuosos de São Paulo: A Figueira Rubayat, nos Jardins. Depois da refeição - picanha com batata assada acompanhada de vinho francês - o prefeito de São Paulo e convidado de honra do evento, Gilberto Kassab (DEM), toma a palavra e inicia um discurso. O enfoque é estritamente social.

"Nosso governo tem como prioridade a saúde e a educação. Aumentamos em 54% as gratificações dos professores, estamos construindo 22 CEUs, reformando 80 escolas, acabaremos com as escolas de lata e daremos fim ao terceiro turno escolar. Ao lado desses investimentos em educação, priorizamos a saúde também, em especial com as parcerias realizadas."

O arrolamento a empresários de realizações sociais de sua gestão veio, na seqüência, acompanhado do tema da moda, o zelo ao meio ambiente. Segundo Kassab, sua administração enfrenta uma "cruzada contra a poluição". Visual, traduzida na retirada de publicidade ilegal da cidade. Sonora, em andamento com uma fiscalização "rigorosa". E da água, cujo principal aspecto é a despoluição e habitação na região das represas Guarapiranga e Billings, dois dos principais mananciais que abastecem a capital paulista.

"Para esse projeto, o apoio do presidente Lula é fundamental e está vindo através do PAC. É um programa que vai deslanchar graças a esse bom entendimento entre prefeitura, governo estadual e governo federal", afirmou, buscando ressaltar uma união entre os três entes federativos.

O tripé discurso social-meio ambiente-relacionamentos político, apresentado pelo prefeito em cerca de 25 minutos de apresentação expõe em que aposta o governante da maior cidade do país para conseguir se cacifar para as eleições de 2008. Enquanto o aspecto sócio-ambiental se coloca externamente e a qualquer público, nos bastidores a atuação do prefeito é de manter uma forte ligação com o governador José Serra (PSDB), de quem era vice antes de assumir, em 31 de março de 2006.

O núcleo duro da era Serra prefeito permanece o mesmo. Tucanos tradicionais que compuseram o primeiro secretariado municipal de Serra, continuam na prefeitura, alguns em pastas diferentes. Caso de Clóvis Carvalho (Governo), Andréa Matarazzo (Subprefeituras) e Walter Feldmann (Esportes). Também permaneceram Januário Montone (Gestão) e Manuelito Pereira Magalhães (Planejamento), que era adjunto de Francisco Luna.

Além disso, na composição do secretariado houve uma cartada de mão dupla, que beneficiou tucanos e democráticos. Dois secretários que foram eleitos deputados pelo PSDB abriram mão do mandato em prol de suplentes do DEM. Feldmann veio para Esportes e abriu vaga em Brasília para Bispo Gê. No Estado, Ricardo Montoro abandonou o mandato, foi para a Secretaria de Participação e Parceria, dando lugar a Marco Bertoiolli (DEM).

Assim, o DEM ganhou dois deputados, e Serra, dois tucanos a mais na gestão Kassab.

"O entendimento deles é muito bom. Essa ligação entre governo e prefeitura nunca foi tão boa. Kassab cumpre tudo o que combina e o Serra não tem uma queixa em relação a ele", afirma Luiz Carlos Santos, empossado ontem como assessor especial da prefeitura de São Paulo. Ex-ministro e ex-líder de governo de Fernando Henrique Cardoso, Santos vê a candidatura Kassab à reeleição como "natural", o que aponta a discordância a uma eventual entrada na disputa da candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB).

A entrada do presidenciável tucano de 2006 no cenário político de 2008 é o principal óbice ao projeto do DEM se manter no principal cargo político que ocupa no país, uma vez que, dentro do partido, o apoio do governador José Serra é tido como de grande importância para alavancar sua candidatura. Com a entrada de Alckmin, Serra poderia ficar dividido entre um aliado fiel, mas de outro partido, e um correligionário que, embora tucano, atropelou-o na escolha do candidato do PSDB a presidente no ano passado.

Enquanto o apoio explícito não vem, o partido inicia no dia 24 deste mês um trabalho de marketing em rádio e TV com o prefeito de São Paulo. Terá prioridade nas inserções a serem apresentadas por quatro dias no mês de junho, que irá apresentar realizações suas. Em educação, saúde e meio ambiente.


Prospecção de petróleo gera polêmica no Acre
Caio Junqueira
De Rio Branco (AC)
Valor Econômico, 23/04/2007


Marcada por embates entre seringueiros e madeireiros, a história acreana está prestes a entrar em uma nova fase polêmica de seu desenvolvimento, com a proposta do senador Tião Viana (PT-AC) de prospectar petróleo e gás natural no Vale do Juruá, a área mais ocidental do Brasil. Integrada a bacias sedimentares, o subsolo do Juruá é tido pela Agência Nacional do Petróleo e pela Petrobras como ponto certeiro da existência de combustíveis fósseis. Do outro lado da fronteira, nos Estados peruano de Madre de Dios e boliviano de Pando, a exploração já está sendo feita. A celeuma, porém, ocorre pela localização da área. Coberta por uma das maiores biodiversidades do planeta, na região se estendem longas florestas contínuas, com índios isolados e grande população ribeirinha.

Desde a sua apresentação, a proposta produz debates acalorados que se amplificam por toda a região Norte do país. De um lado, os que defendem a exploração e julgam possível que dela não decorra danos ambientais e culturais. Do outro, os contrários à idéia, por julgarem impossível que essas áreas e povos não sejam afetados.

No governo acreano, a questão não é tratada abertamente, o que levanta suspeitas sobre eventuais conseqüências políticas para a Frente Popular que comanda o Estado desde 1999. O governador do Acre, Binho Marques (PT), evita o assunto. No último dia 12, não compareceu a um debate marcado com grande antecedência sobre o tema promovido pelo senador Tião Viana no Teatro Plácido de Castro, em Rio Branco. Não dá entrevistas sobre o tema e o máximo que disse até o momento é que "apóia o debate". A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, faz a linha do silêncio.

O Valor por mais de uma semana procurou a ministra e o governador por mais de uma semana. A assessoria de Marina alegou problemas na agenda, mesma excusa apresentada por Binho Marques. No governo estadual, as críticas mais severas vêm da pessoa mais próxima do governador, o assessor especial Toinho Alves. Principal formulador do conceito de "florestania", captado e propagandeado pela Frente desde a ascensão ao poder, ele se coloca radicalmente contra: "Vai contra tudo o que a gente sempre defendeu".

O maior expoente do grupo, o ex-governador Jorge Viana (PT), rejeita a idéia de estremecimento e critica a polêmica aberta. "É absolutamente inoportuno esse debate. Ninguém discute fazer ou não prospecção. Se for detectado petróleo e gás, aí sim tem que abrir a discussão de como explorar e quais cuidados adotar. Porque não conheço nenhum lugar do mundo que tenha petróleo em baixo e vai ver se tira ou não. Quem acha, explora."

No debate realizado sem a presença do governador, o teatro lotado assistiu a palestras de integrantes de uma mesa favorável à idéia da prospecção: dois integrantes da ANP, representantes da classe produtiva e políticos ligados a Jorge Viana. A voz que se esperava dissonante viria do representante dos ambientalistas, Miguel Scarcello, da SOS Amazônia. Mas ele apresentou um abaixo-assinado por algumas entidades - a maior delas ligada ao governo - apoiando a idéia, desde que sejam estabelecidas "salvaguardas sócio-ambientais em todas as etapas do processo". O debate chegou a ser interrompido por um apagão de meia hora, decorrente do bloqueio do linhão de energia que liga Porto Velho (RO) a Rio Branco, o que evidenciou um dos problemas do Estado que embasam a idéia de Tião Viana: a dependência da energia do vizinho Estado de Rondônia. Sempre com seu contraponto ambiental.

"Diariamente, consumimos 1 milhão de litros de diesel de Porto Velho para atender as nossas térmicas. Perdemos cerca de R$ 100 milhões em ICMS com isso. E o gás natural polui 40% menos que o diesel. Seria uma redução da emissão de 400 milhões de toneladas de gás carbônico por ano. Sem falar a economia para a rede estatal elétrica, que, convertida em reflorestamento, asseguraria uma malha de 225 mil hectares de floresta degradada", diz o senador. O fator econômico é outro forte argumento de defesa. O caso da vizinha Urucu (AM) é mencionado constantemente. Segundo o senador, a exploração por lá rende mais de R$ 1 bilhão, entre royalties e ICMS, sem grandes danos ambientais. Tião Viana conseguiu neste ano que a ANP autorizasse os estudos. O pregão chegou a ser publicado no "Diário Oficial", mas, sem maiores explicações, foi suspenso.

A especulação sobre possível existência de gás e petróleo no Vale do Juruá não é nova. Nos anos 30, o pesquisador letão Victor Oppenheim explorou e mapeou a formação geológica de vários países da América do Sul e aventou a possibilidade da existência de combustíveis fósseis no então Território Federal do Acre. No seu encalço, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) enviou pesquisadores, que confirmaram a hipótese. A inviabilidade da exploração na época fez com que o governo adiasse a prospecção para os anos 60 e 70, quando a Petrobras perfurou alguns poços, sem sucesso, mas com marcas: foram perfurados 11 poços, número considerado insuficiente para certificar a existência de combustíveis fósseis no subsolo.

Área com probabilidade de existência de petróleo é coberta por umas das maiores biodiversidades do planeta

O que há de inovador na questão toda é a idéia ser encampada por integrantes de um grupo político que cresceu enraizado no ambientalismo. Para pessoas ligadas a esse grupo, a questão do petróleo é apenas mais um fator de crítica. O alvo principal nos últimos anos tem sido a opção pela comercialização da madeira, legalmente, via manejo, intensificado na gestão petista. Pelo projeto, as terras são divididas em 30 lotes e, a cada ano, um deles é explorado, só podendo ser objeto de lucro novamente dentro de 30 anos. Os críticos dizem que o enfoque do manejo não deveria ser a madeira, mas os produtos tradicionais, como castanha, açaí e borracha. "O que ocorre é que você tem algumas commodities e algumas commodities madeireiras, que são mais valiosas. Nós não podemos deixar de fazer não-madeireiras, mas elas não servem para base de mercado. E a madeira é uma base de mercado", afirma Carlos Ovídio, secretário acreano da Floresta.

Os críticos dizem ainda que o manejo madeireiro é um risco, pois não há experiências concretas que comprovem seu sucesso. "Não tem quem tenha visto o efeito do manejo. O Acre acabou virando um modelo de experimento. Sem falar que não há controle de idade das árvores, não há fiscalização", afirma o professor da Universidade Federal do Acre Elder Andrade de Paula. Autor da tese de doutorado "Desenvolvimento insustentável na Amazônia Ocidental - dos missionários do progresso aos mercadores da natureza", ele defende que o modelo adotado não se sustenta ambientalmente, uma vez que baseado estritamente em aspectos mercadológicos e sem melhorias sócio-ambientais.

Esse tipo de crítica procede para Toinho Alves, assessor de Binho e um dos formuladores do conceito de "florestania", descrito como um sentimento de pertencimento e respeito do cidadão à floresta. De cunho filosófico, a idéia fundamentou as metas de desenvolvimento sustentável do governo de Jorge Viana, baseada em três pilares de sustentabilidade : econômico, social e ambiental. "O que avançou aqui foi a sustentabilidade econômica. A social é pequena. E todos os aspectos que visavam incorporar o cuidado com o meio ambiente ficaram em segundo plano", diz Toinho Alves.

Analisados os números, constata-se que a economia acreana passou por uma revolução na era Viana. Politicamente habilidoso, o ex-governador conseguiu junto às instituições de fomento, em especial o BID e o BNDES, recursos que transformaram a infra-estrutura do Estado nos últimos oito anos. Junto com um retorno da ordem político-institucional em muito conquistada com a prisão do Esquadrão da Morte que aterrorizou a política e a população local nos anos 90, as restaurações de prédios, revitalizações de áreas urbanas, construção de pontes e pólos industriais, e abertura de avenidas e estradas ajudaram a resgatar a já elevada auto-estima acreana. O PIB mais que dobrou e o Estado passou a depender menos de transferências da União. Em 1999, tinha 16% de receita própria. No ano passado, a fatia era de 27%.

Por sua vez, o desmatamento no Estado, embora dentro dos padrões amazônicos, segue uma crescente em um dos Estados com menos áreas desmatadas: cerca de 10% . Jorge Viana afirma que isso em nada se relaciona com o manejo. "O manejo não pode pagar essa conta. O que ocorreu foi um grande financiamento para pequenos agricultores, que investiram em seus roçados. A maioria do desmatamento no Acre ocorre em pequenas propriedades. Não tem mais ninguém no Acre desmatando grandes áreas". O secretário da Floresta, Carlos Ovídio, defende que a maior parte do desmatamento no Estado é realizado dentro do limite máximo de 20% permitido pela legislação. "A tendência é que o Acre se estabilize com 84% de sua floresta em pé. Ainda tem 6% de desmatamento que vai acontecer em 12 anos. Não adianta tapar o sol com a peneira", afirma.

Sobre os índices sociais, que não mostraram grandes avanços (veja quadro acima), Viana afirma que esses resultados tardam mais a aparecer e coloca sob suspeição os dados. "O IDH não expressa a realidade social da Amazônia. É completamente furado. Você chegar na periferia de São Paulo e perguntar por uma creche e um pré-natal está certíssimo, agora não dá para chegar em uma aldeia, fazer a mesma pergunta e depois incluir isso dentro de um relatório e te botar lá para baixo nos indicadores sociais? O que estamos buscando é uma espécie de IDH verde que considere aspectos culturais, para não misturar com avaliação feita a partir de uma visão do Centro-Sul do país". Todavia, a população indígena do Estado em 2005 era de 14.451, aproximadamente 2% da total. Um terço dos habitantes do Acre vive em zonas rurais.

Ciente da situação social, a gestão Binho Marques já escolheu o foco. "Jorge foi o governador das grandes obras, Binho será das pequenas obras. Será responsável por esses ajustes", diz um interlocutor do governador.

Sindicalismo tenta retomar mobilização
Caio Junqueira
De Xapuri (AC)
Valor Econômico, 23/04/2007

"O governo estadual colocou muito dinheiro nas organizações do movimento social, nos sindicatos. Deu cargo comissionado para todo mundo. Aí o pessoal se acomodou. Achou que a luta tinha terminado. Perderam a crítica. E quem é que vai criticar sendo empregado e financiado pelo governo? Começamos a ganhar eleições e o movimento acabou. Virou eleitoreiro. Os partidos se sindicalizaram e os sindicatos se partidarizaram", afirma uma das lideranças daquele tempo, Osmarino Amâncio, braço direito de Chico Mendes e apontado na época como herdeiro político do sindicalista, morto em Xapuri em dezembro de 1988. O governo do Estado não respondeu quantos cargos comissionados foram criados no período, mas segundo o Ipea, os gastos com pessoal passaram de R$ 377 milhões em 2000 para R$ 837 milhões em 2005.

Osmarino conta que o ponto de partida para "refundação" do sindicalismo acreano foi uma visita de equipes do governo estadual ao seringal em que vive, em Brasiléia, para discutir o manejo madeireiro, o que gerou revolta. "O manejo é a última experiência que deveria ser feita aqui. Vamos manejar a castanha, o açaí, o pequi, as plantas medicinais. Deixa o madeireiro por último. Estão fazendo o pessoal perder uma cultura nativa e introduzindo uma cultura que não é daqui."

A partir daí, passou a tentar reerguer o movimento sindical. Buscou antigos líderes, visitou seringais e começou a traçar a estratégia de retorno, que, ao contrário da fase áurea do movimento, não mais visa ao poder político. A meta é ganhar eleições nas entidades de base.

A vitória mais significativa já veio em junho do ano passado, quando Dercy Telles, segunda presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, voltou ao cargo quase 30 anos depois. A vitória não foi tão tranqüila: venceu por 130 a 90. "Depois que conquistamos o poder político, o movimento acabou. Ficou todo mundo só aplaudindo. E é mesmo difícil se contrapor a quem te financia", diz ela, que afirma ter rompido convênios para formação, firmados com o Incra e com o governo do Estado, no valor de R$ 175 mil.

Fundador do PT e atualmente ligado ao P-SOL, Osmarino diz que outro município em que a oposição venceu foi em Porto Acre e que agora trabalha para eleger seu grupo em Brasiléia. "É um trabalho lento, de formação das bases. Mas se conseguirmos brecar o manejo em Xapuri, brecamos em todo o Estado."

A intenção desse grupo é tido pelos "de dentro" como equivocada. Para antigos companheiros de luta e hoje ligados ao governo, a chegada ao poder de fato enfraqueceu o movimento, mas não houve aparelhamento. "Não houve cooptação. Algumas lideranças foram aproveitadas para trabalhar com o governo e outras que não foram, por opção delas. Incomodam-se hoje porque muitas atribuições que antes eram feitas pelos sindicatos passaram a ser feitas pelo governo, como a formação educacional", diz Júlio Barbosa (PT), ex-presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros e vice de Chico Mendes em 1988.

Prefeito de Xapuri de 1996 a 2004, Barbosa trabalhou para a gestão Jorge Viana por dois anos. "Sou produtor de madeira. Essa turma que fala que é contra é minoria e vem na contramão da carruagem. Vivemos hoje um outro momento. Temos que ter senso crítico, mas reconhecendo os avanços que tivemos. Antes a luta era pela terra, agora é criar alternativas de produção pela nossa extensa floresta." (CJ)


Fronteiras no Acre estão sem fiscalização
De Assis Brasil (AC)

Orçada em cerca de R$ 25 milhões, a "Ponte da Integração" faz parte da Estrada do Pacífico, trecho da rodovia BR-317 que liga o Acre aos portos peruanos de Ilo e Matarani, no oceano Pacífico. No projeto inicial, constava um complexo aduaneiro para integrar órgãos federais, como a Polícia Federal, a Receita Federal, e o Ministério da Saúde. O objetivo era intensificar as ações fiscalizadoras. Em vão. O prédio, localizado a dois quilômetros da ponte e construído por cima da rodovia, está com as salas trancadas e vazias.

O cenário é muito diferente da descrição feita no material divulgado aos jornalistas, pela Secretaria de Imprensa da Presidência da República, dois dias antes da inauguração, em 2006: "A construção inclui (...) um complexo aduaneiro alfandegário, onde estarão todos os órgãos federais e estaduais de fiscalização e controle, além de representantes do governo peruano".

Na cerimônia de inauguração no dia 21 de janeiro de 2006, cinco ministros acompanharam Lula ao município de Assis Brasil: Antonio Palocci (Fazenda), Alfredo Nascimento (Transportes), Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário), Marina Silva (Meio Ambiente) e Silas Rondeau (Minas e Energia), além de Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral das Relações Exteriores. O então presidente peruano, Alejandro Toledo, também esteve presente.

O Valor esteve no local há 15 dias. Um caminhão carregado de móveis, proveniente do Paraná após seis dias de viagem, estava estacionado no local. Como não havia nenhuma fiscalização, seguiu viagem. Do outro lado da ponte, na pequena Iñapari, também não havia qualquer controle da entrada de pessoas e produtos.

Na cidade, que tem poucas ruas asfaltadas, boa parte dos carros tem placa brasileira. O Valor conversou sobre a fiscalização com o dono de um deles. "Se você seguir viagem pelo Peru, há um posto do governo peruano a dois quilômetros daqui. Revistam tudo. É uma dor de cabeça. Do lado brasileiro, durante alguns dias seguidos por mês, a PF faz uma vistoria grande. Mas só. No restante, passa tranqüilo", afirma o pequeno agricultor, sem se identificar.

A 111 quilômetros de Assis-Brasil, estão as cidades gêmeas de Brasiléia e Epitaciolândia (a segunda é um desmembramento da primeira), que fazem divisa com a Bolívia. Por ali há duas passagens para a cidade de Cobija, na Bolívia, também com livre trânsito de pessoas e mercadorias. Uma dessas passagens é a ponte Wilson Pinheiro, também inaugurada por Lula, em agosto de 2004. No dia em que o Valor visitou o local, havia dois funcionários do Ministério da Agricultura, que informaram estar fazendo controle da febre aftosa.

Em Cobija funciona um grande comércio de eletroeletrônicos de baixo custo, a exemplo de Ciudad del Este, no Paraguai. A facilidade do trânsito entre os países, porém, ensejou outro tipo de negócio: o de combustíveis. Como a gasolina boliviana custa cerca de R$ 1,20, menos da metade que os R$ 2,90 do Acre, brasileiros começaram a cruzar a fronteira para abastecerem seus carros.

Ciente da situação, o governo da Bolívia determinou que os motoristas com carros de placa brasileira comprem um cartão mensal, que permite o abastecimento, dia sim, dia não, até o limite de 20 litros. Isso inibiu os brasileiros, mas propiciou um mercado clandestino de combustíveis. Dos dois lados, tanto em Brasiléia quanto em Cobija, é possível abastecer em postos clandestinos, a R$ 2,25 por litro.

O tráfico de drogas também é relatado como problema pelos moradores dos dois lados da fronteira. A elite local, segundo eles, é formada basicamente por pessoas ligadas ao narcotráfico. Não à toa. De acordo com o último relatório do Escritório da Organização das Nações Unidas contra Drogas e Crime (Unodoc), Brasiléia-Cobija e Assis-Brasil-Iñapari fazem parte de uma das rotas do tráfico de cocaína na fronteira brasileira. Segundo o Unodoc, Peru e Bolívia possuem a segunda e a terceira maior plantação de coca do mundo, ficando atrás apenas da Colômbia.

A assessoria da Superintendência da Polícia Federal do Acre informou que há tratados bilaterais entre Brasil, Peru e Bolívia, que permitem o livre trânsito em até 100 km da fronteira. Quem deseja ultrapassar essa faixa, precisa de um carimbo de imigração e a apresentação da carteira de vacinação. Ainda segundo a assessoria, o complexo alfandegário vazio será ocupado quando o trecho peruano da Estrada do Pacífico for totalmente pavimentado, o que aumentará o trânsito na região. A PF informou ainda que em Assis-Brasil há quatro policiais federais trabalham na ponte, exclusivamente com trabalho de repressão ao tráfico de drogas. Em Brasiléia, há uma delegacia da Polícia Federal.

O secretário-aduaneiro da Receita Federal, Roberto Medina, informou que no complexo aduaneiro faltam as redes elétrica e logística, que ficaram a cargo do governo estadual. "Já fizemos várias reuniões, mas a coisa não andou. E não temos previsão de quando irá andar." O Valor tentou, sem sucesso, informações junto ao governo do Acre. Questionada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio de sua assessoria, informou que "o posto de fronteira no referido município é atendido por meio de equipes força-tarefa".


Sucessão de Lacerda põe em xeque alvos da PF
Caio Junqueira e Juliano Basile
De Brasília
Valor Econômico, 19/03/2007

Em 2003, a Polícia Federal realizou 16 operações contra quadrilhas formadas por empresas e pessoas físicas. No ano passado essas autuações chegavam a 113. Entre 2002 e 2005, a incidência de inquéritos abertos por crimes ligados a entorpecentes caiu de 7,3% para 6,4%.

A mudança no perfil da instituição foi conduzida pelo diretor-geral Paulo Lacerda, o primeiro a ocupar o cargo ininterruptamente por quatro anos desde os anos 90. Foi nesse período que o combate a crimes contra contra o sistema financeiro nacional, de lavagem de dinheiro e eleitorais, entre outros, passou para o primeiro plano.

A sucessão na PF, missão mais espinhosa do ministro da Justiça, Tarso Genro, recém empossado no cargo, colocará em debate o perfil adquirido pela instituição.

Uma conseqüência direta da ampliação desse leque de atuação da PF foi a aprovação alcançada junto à população, não acostumada a ver organizações de "colarinho branco" desmanteladas e parlamentares, desembargadores e empresários algemados. Por outro lado, se a aprovação popular à instituição foi usada como trunfo eleitoral pelo presidente Luiz Inácio da Silva na eleições, a alteração do perfil também gerou críticas.

"Hoje a Polícia Federal virou a grande Corregedoria da União. A PF não é a maior polícia da União? O que a gente deseja é que ela combata o crimes que afetam a população diretamente. É melhor ter um político ou sonegador preso ou um traficante assassino preso?", afirma Antonio Carlos Garisto, agente federal aposentado, ex-presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) e um dos mais reconhecidos ex-policiais da instituição. Para um ex-diretor-geral e opositor da atual cúpula, Vicente Chelotti, a PF não faz mais segurança pública. "Se a PF prender contrabandista de whisk e cigarros falsificados, qual a contribuição disso para a vida da população?"

Para quem esteve do lado de dentro da mudança da PF, a alteração do perfil é resultado de um processo contínuo de mudança de prioridades da Polícia Federal. "Antigamente o foco era o combate aos 'subversivos' do regime militar. Com a abertura política, a bandeira passou a ser o combate às drogas. Mas o desenvolvimento do crime organizado abriu portas para outras áreas de atuação, cujo combate consolidamos na atual gestão, como a lavagem de dinheiro e crimes contra o meio ambiente", afirma o diretor de combate ao crime organizado, Getúlio Bezerra.

Aliado aos questionamentos das prioridades de combate da Polícia Federal, a sucessão também deve ensejar um debate sobre a fórmula adotada na atual gestão que propiciou a consolidação do atual perfil do órgão. Em 2003, uma das primeiras -e determinantes- medidas de Lacerda foi a descentralização da cúpula administrativa a partir da retirada de atribuições burocráticas da direção-geral. Assim, as principais diretorias da Polícia Federal ganharam mais liberdade de atuação, em especial a Diretoria-Executiva (Direx), chefiada por Zulmar Pimentel, a Diretoria de Combate ao Crime Organizado (DCOR), comandada por Getulio Bezerra, e a Diretoria de Inteligência Policial (DIP), gerida atualmente por Renato da Porciúncula.

A despeito de terem suas principais áreas de atuação pré-determinadas - a Direx com crimes fazendários, a DCOR na repressão ao tráfico de armas, drogas e crimes contra o patrimônio, e a DIP com a coleta e processamento de informações-, a liberdade de atuação fez com que essas diretorias estruturassem uma forte equipe de investigação policial e que uma eventual apuração que entrasse na área de outra não necessariamente significasse a transferência do seu local de origem. O movimento teve como efeito colateral o reforço às disputas internas na instituição.

Paralelamente, esses setores consolidaram uma nova mentalidade operacional que vinha crescendo no combate ao crime organizado. Baseados na busca do criminoso com maior potencial ofensivo, os esforços se centraram no desmantelamento de toda a cadeia criminosa, e não na mera apreensão de drogas ou prisão do usuário ou interceptador. "Saímos da síndrome da estatística. Antigamente, um inquérito bem feito era só mais um inquérito e havia muitos inquéritos abertos que não davam em nada. Hoje nos interessa principalmente prender a origem da cadeia criminosa e dar fim a ela", afirma Getúlio Bezerra, chefe do combate ao crime organizado.

Por enquanto, tudo indica que a PF deve manter a linha de atuação. prova disso é que Lacerda deverá ficar no cargo por mais alguns meses e ajudar o novo ministro da Justiça, Tarso Genro, na indicação do seu sucessor. Ao mesmo tempo, Lula o preparará para uma nova função, que certamente não será política. Até lá, porém, seu principal dilema será encontrar alguém que, como ele, coloque-se acima dessas correntes ou opte por uma delas.

Na atual bolsa de apostas, sete delegados federais são mencionados. O favorito é Luis Fernando Corrêa, integrante do governo Lula desde 2003, quando assumiu a Secretaria Nacional de Segurança Pública. Desde então, seu desempenho agrada ao presidente. Discreto como Lacerda, fortaleceu-se após duros embates. O primeiro, no imbróglio gerado pela intervenção ou não da Força Nacional de Segurança no Estado do Rio de Janeiro, então governado pelo oposicionista casal Garotinho. O segundo, na definição do plano de segurança dos Jogos Pan Americanos do Rio, em que sua visão prevaleceu sobre a dos militares. Além disso, Corrêa agrada tanto aos agentes federais quanto aos delegados, categorias que normalmente divergem quando o assunto é a sucessão na PF.

Dentro da instituição, estão cotados Zulmar Pimentel, atual diretor-executivo e número 2 do órgão, e Renato da Porciúncula, diretor de inteligência. Ambos, porém, enfraqueceram-se na sucessão após o vazamento -acredita-se por Porciúncula- da sindicância 21/2006, que investiga prováveis abuso de poder por Zulmar, que teria utilizado aviões da corporação para conduzir uma de suas filhas entre Brasília e Recife e outra entre Brasília e o Rio. Também teria se deslocado de avião oficial, em Manaus (AM), por um trecho de 14km. Outro forte concorrente é Getúlio Bezerra, da Diretoria de Combate ao Crime Organizado. Correndo por fora, estão cotados os superintendentes do Rio Grande do Sul, Francisco Mallmann, de São Paulo, Geraldo Araújo, e do Paraná, Jaber Saadi.

No centro do debate sucessório também se questiona a autonomia política da instituição. Na gestão Lula, a PF foi elogiada e criticada tanto por governistas quanto por oposicionistas e sua independência foi colocada em xeque em algumas situações, como o atraso na liberação das fotos do pagamento de um suposto dossiê contra tucanos durante a eleições de 2006 e na elaboração dos inquéritos do mensalão e do caso Waldomiro Diniz. Por outro lado, diversas operações deflagradas contra parlamentares, desembargadores e funcionários públicos deram a sensação à população de que a PF finalmente alcançara sua autonomia.


Emendas reelegem minoria de deputados
Caio Junqueira
Valor Econômico, 04/12/2006


O deputado federal Francisco Olímpio (PSB-PE) fez emendas individuais à Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2006 com destinação específica de recursos a catorze municípios de seu Estado. Sua expectativa era de que os recursos fossem usados neste ano e que, com isso, conseguisse capitalizar votos para sua reeleição. Teve, porém, desempenho pífio. Em doze dessas cidades, sua votação não ultrapassou 1,5% dos votos válidos. Nas outras duas, ficou com 4,85% e 14,73%. O também deputado Zenaldo Coutinho (PSDB-PA), por sua vez, recomendou gastos individuais em dezoito municípios paraenses. Foi o mais votado em oito deles, e obteve a segunda maior votado em três.

O exemplo de sucesso eleitoral de um e o fracasso de outro são ilustrativos na demonstração de que, embora o instrumento das emendas parlamentares individuais possa ter alguma importância no desempenho eleitoral do deputado-candidato, ele não é determinante em garantir boas votações. Levantamento feito pelo Valor revela que pelo menos 156 (ou 56%) dos 277 deputados reeleitos sequer destinaram recursos neste ano aos municípios em que foram mais bem votados. Por outro lado, 80 deles (28%) foram os mais votados nos municípios a que destinaram a maior parte dos R$ 5 milhões em emendas a que tinham direito.

A falta de conexão direta entre emenda e voto também é reforçada ao se cruzar a taxa de empenho dessas emendas no Orçamento deste ano com o índice de reeleição das bancadas estaduais da Câmara. Na maior parte dos Estados, há grande distância entre o percentual de cidades que tiveram autorizadas para liberação de recursos das emendas individuais e a taxa de reeleição da bancada. No Estado de Goiás, por exemplo, que teve a maior taxa de reeleição de deputados do país (82,3%), apenas 18 dos 246 municípios obtiveram recursos do orçamento autorizados para liberação. Na Bahia, detentora da segunda maior taxa de reeleição (71%), 54 dos 417 municípios foram alvo de empenho orçamentário.

Até novembro, não havia emendas pagas neste ano, fato decorrente do atraso da votação do Orçamento de 2006, só concluído em abril deste ano. Assim, muitos dos recursos solicitados individualmente pelos parlamentares ainda não chegaram ao seu destino final, o que pode suscitar a conclusão de que não tiveram o efeito eleitoral esperado. No entanto, a apresentação das emendas para municípios é apenas o meio do caminho no trabalho de boa parte dos deputados em tentar se reeleger. Como muitos prefeitos vêem nos recursos das emendas preciosa fonte para investimentos, firma-se um pacto político pelo qual o deputado dá a emenda e o prefeito lhe garante os votos. Na prática, a campanha eleitoral nas localidades beneficiadas começa ali. A assessoria do parlamentar corre em fazer a divulgação do ato seja via cabos eleitorais municipais -prefeitos, vereadores, dirigentes e imprensa locais- ou pelos órgãos de classe, em se tratando de emendas setoriais.

As emendas individuais não são as únicas moedas nessas negociações. Aqui também entram as emendas de bancada, originalmente criadas para gerar grandes investimentos genéricos nos Estados, em especial projetos de infra-estrutura e estruturação de rede de serviços básicos à população. Nos últimos anos, elas se tornaram predominantes como forma de emendar a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Praticamente todos os parlamentares apresentam emenda de bancada à Comissão de Orçamento. Com a pressão de toda a bancada do Estado e também do governador, a chance de liberação das verbas é muito maior. Neste ano, dos municípios que foram alvo de emendas individuais, apenas 22,2% tiveram recursos empenhados (autorizados). Já dos 548 parlamentares que participaram das emendas de bancada, apenas 4,7% não foram atendidos. "Uma coisa é você tentar destinar recursos apenas com a sua força. Outra coisa é a bancada e os governadores pressionando", afirma o deputado Gilmar Machado (PT-MG).

À primeira vista, a capitalização eleitoral de uma emenda de bancada fica diluída entre os diversos autores da emenda, mas os próprios deputados encontraram uma forma de burlar o propósito inicial desse tipo de emenda, que era de fortalecer a realização de grandes investimentos nos Estados por intermédio do Parlamento. Após a CPI do Orçamento, de 1993, em que se comprovou o envolvimento de parlamentares num esquema de manipulação do Orçamento e desvio de verbas para empreiteiras e entidades filantrópicas fantasmas, o Congresso editou uma resolução (n. 2/95) que estabeleceu, entre outras medidas, a prioridade das emendas coletivas sobre as demais.

No decorrer dos anos, os parlamentares passaram não só a se reunir para definir quais seriam os grandes projetos a serem beneficiados, mas também para dividir a soma dos investimentos entre si -e seus redutos. Deu-se início, então, às "rachadinhas", em que se repartem as verbas e os municípios dessas grandes emendas. É feita uma lista com o "racha", todos assinam e encaminham o pedido ao ministério responsável pela liberação. "Com o passar do tempo, a emenda de bancada foi desvirtuada. Deram a ela características de emenda individual", afirma o deputado Carlito Merss (PT-SC), relator do Orçamento em 2004. Com maior probabilidade de aprovação, os parlamentares preferem a certeza da destinação final por meio das "rachadinhas" à improbabilidade de que os recursos cheguem a um destino específico.

A forma como se processa o Orçamento no Brasil é outro fator que tira um pouco da força eleitoral das emendas, uma vez que toda a sua execução é concentrada no Poder Executivo. Dessa forma, o Orçamento que sai do Legislativo possui apenas caráter autorizativo, e não mandatório. Ou seja, o Legislativo precisa aprovar os gastos para o Executivo realizá-los, o que não quer dizer que o Executivo fará todos os gastos autorizados. E se vai fazê-los, é certo que na seleção irá relevar a filiação partidária do parlamentar e seus posicionamentos pró ou anti governo.

Dificulta também a situação do parlamentar o fato de ele precisar, ao apresentar a emenda, indicar a fonte e eventual anulação de despesa, não sendo permitido mexer em verbas referentes à dotações para pessoal e encargos, serviços da dívida, transferências entre a União, Estados e municípios e a despesas correntes. A margem de manobra que sobra, portanto, é a de investimentos, rubrica já pequena quando se trata somente do Poder Executivo. Na execução do Orçamento do Ministério das Cidades em 2005 -um dos principais alvos das emendas parlamentares- foram executados 41% (R$ R$ 842,4 milhões) do total das emendas propostas (R$ 2 bilhões).

Ainda que consiga fazer parte deste grupo que terá emendas executadas nos locais solicitados, o parlamentar deve se atentar à conduta no seu mandato. Neste ano, os envolvidos nas manipulações orçamentárias foram punidos nas urnas. Dos mais de 50 candidatos acusados na CPI dos Sanguessugas, apenas cinco foram eleitos e muitos dos que ficaram de fora, destinaram recursos às bases. Caso de Doutor Heleno (PSC-RJ), que conseguiu empenhar R$ 300 mil ao pequeno município de Tanguá (RJ), com 2.760 eleitores. Tirou de lá 110 votos, em uma demonstração de que a população quer ambulâncias em suas cidades, mas desde que elas cheguem sem suspeitas de desvios.


Metade do Congresso tem base municipalizada

A hipótese de que parlamentares atuam no Congresso com forte viés provinciano, preocupados somente em atender suas bases por meio de emendas ao Orçamento e, assim, angariar capital político que se traduza em votos foi abordada pelo cientista político Nelson Rojas de Carvalho no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Intitulada "E no Início Eram as Bases: Geografia Política do Voto e Comportamento Legislativo", a tese de doutorado analisa o mapa eleitoral e o comportamento legislativo dos deputados federais nas legislaturas de 1995-1998 e 1999-2002. Acabou por desconstruir algumas convicções cristalizadas na sociedade brasileira.

A partir do mapeamento do voto dos eleitos juntamente à análise de suas atuações legislativas -inclusive com entrevistas a 280 deputados e suas relações com as bases e estratégias de reeleição, Rojas identificou na Câmara quatro tipos de parlamentares. Primeiro, os que permeiam seu desempenho no Congresso com base no localismo, focando seu comportamento na obtenção de recursos orçamentários e encaminhando demandas de prefeitos. Encontrou 51% desses na Câmara eleita em 1998 e 49% na eleita em 1994. Chamados de "paroquialistas", dividem-se em dois: aqueles cuja totalidade dos votos vêm praticamente do mesmo local, onde costuma ter mais da metade do apoio dos eleitores e aqueles com votação dominante em diversos municípios.

"Os primeiros atuam como deputados distritais. Têm base em um município, ou em dois contíguos, e toda a sua atuação parlamentar é focada nele, desde os discursos e emendas até projeto de lei. Têm ligação direta com a área em que é votado. Sua presença ali é importante. Sua ligação com a base é orgânica, extremamente próxima", diz Rojas, que trabalha na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. "O segundo é o que chamo de 'distrital brasileiro', que recolhe votos em todo o Estado. Exerce uma participação virtual nas cidades. Preocupam-se mais em abastecer as lideranças locais com recursos do que em estar presente nos locais que recebem esses recursos", diz.

O outro tipo encontrado é o deputado "universalista", cujos recursos eleitorais são mais baseados na tomada de posições, na apresentação de projetos de lei, na presença na mídia estadual. São os conhecidos deputados de opinião. "Para esses dois, os recursos orçamentários não são tão importantes quanto para os paroquialistas", diz o professor. De acordo com o levantamento do professor, os universalistas eram 49% entre os eleitos de 1998 e 51% entre os de 1994. Dentro desses, Rojas também faz duas subdivisões.

"Aqui há o deputado com voto concentrado em um local, mas sem a maioria dos votos, eleito geralmente em grandes colégios eleitorais. É o deputado dos grandes centros. Sua atuação é mais ideológica. Centra-se mais na tomada de posicionamentos, na proposição de projetos de lei que tornará pública sua opinião. Há ainda o deputado com votos divididos por todo o Estado, sem votação predominante em nenhum município. São figuras de longa trajetória política, largamente conhecidos no território estadual. Um ex-secretário estadual, por exemplo." (CJ)



Dulci pode ser novo homem forte do PT
Caio Junqueira
De Brasília
Valor Econômico, 06/11/2006



Um dos seis sobreviventes da bancada de 20 ministros petistas escolhidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2003, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci, é o mais forte candidato à presidência do PT. O ministro, que nunca envolveu-se diretamente nas disputas internas de seu partido, não assume a candidatura, mas já tem plataforma de campanha: o PT não deve estender seus tentáculos sobre a totalidade do governo, como fez no início do atual mandato, precisa de um novo estatuto para incorporar a força adquirida na Federação e deve buscar uma equação para a retomada do crescimento que não traga de volta o risco de inflação.

O esforço em não se posicionar como candidato decorre da forma como enxerga o processo de reestruturação do partido. Para ele, o necessário debate interno deve ser primeiro sobre o conteúdo das mudanças para, depois, discutir os nomes. A seguir, trechos da entrevista concedida ao Valor no seu gabinete, no quarto andar do Palácio do Planalto, a um lance de escadas do presidente da República.

Valor: No primeiro mandato, o PT foi uma das origens dos principais problemas que o governo enfrentou. O que esperar do partido no segundo mandato?

Luiz Dulci :O presidente quer colaborar com o processo de reestruturação do partido, mas não pretende impor nenhuma decisão. Agora, o próprio PT, por meio do seu quadro partidário e lideranças, quer fazer sua reestruturação. Há uma maioria a favor desse processo e que deseja também uma sintonia com o governo. Há quase um consenso dentro do PT de que o partido precisa estar sintonizado de modo criativo com o governo, que o partido deve colaborar, o que não significa nem interferir no cotidiano do governo e nem deixar de ter a sua elaboração autônoma.

Valor: Essa sintonia passa por aceitar a redução na participação dos ministérios?

Dulci: O número de ministros que o PT tem hoje já é bem menor do que no início de 2003, e o partido não só aceitou como apoiou essa decisão. Queremos fazer agora um governo programático de coalizão. O PT está de pleno acordo com isso. Um governo no qual os diversos partidos aliados tenham maior participação nas decisões e ao mesmo tempo maior responsabilidade na sustentação do governo, seja no Parlamento, seja perante os diferentes segmentos sociais.

Valor: Em que o PT deve ser diferente no segundo mandato?

Dulci: O PT deu uma contribuição valiosa no primeiro mandato, com contribuição programática, quadros técnicos e políticos para o ministério. Elaborou fortemente a sustentação do governo no Parlamento. Grande êxitos do governo, como o Bolsa Família, tiveram a contribuição de membros do PT. O partido já deu uma importante contribuição. Mas evidentemente não cabe ao partido dizer o que o governo deve fazer. Quem toma decisões no governo é o presidente da República e sua equipe de auxiliares, até porque o governo não é só do PT. Acho que no segundo mandato o PT vai se relacionar com o governo de modo muito mais unitário. Está mais consciente de seu papel, que é sustentar criativamente o governo e oferecer sua contribuição programática e política, sem tentar interferir no cotidiano administrativo de cada uma das áreas de governo porque este não é o papel dos partidos enquanto tal.

Valor: Como buscar essa unidade partidária?

Dulci: O PT saiu vitorioso das urnas. Foi o partido mais votado, elegeu cinco governadores, tem uma forte bancada na Câmara, sem falar da eleição do presidente. Com isso, tem mais autoridade e mais força para promover uma profunda reestruturação, que é necessária. Uma reestruturação que não deve começar por nomes. Sou de opinião que deve ser antecipado o Congresso do partido do segundo semestre de 2007 para o primeiro semestre. E deve ser promovido um vasto debate nacional não só com a base, mas também com os movimentos sociais, com a intelectualidade, com a juventude, com os mais diversos setores que têm o PT como referência. É necessário um vasto debate sobre o projeto político do PT, que precisa ser atualizado porque foi elaborado há muitos anos e a vida brasileira evoluiu muito nesse período. É preciso dar respostas novas a problemas novos. A economia brasileira em 1979, quando começamos a organizar o PT, não é a de 2007. A organização social brasileira também se alterou nesse período. A classe operária do ABC não é mais a mesma e isso vale para os diferentes segmentos da sociedade. Regiões que eram exclusivamente agrícolas hoje são industriais. Pequenas cidades se tornaram metrópoles. O Brasil se integrou fortemente ao mundo nesse período. Então há uma série de desafios novos.

Valor: As mudanças devem ser em torno do que?

Dulci: Sobre o debate político do partido, o funcionamento interno, o método de direção, a organização de base, a relação com os movimentos sociais. Sobre o modo mais criativo de sustentar o governo do presidente Lula. Precisamos debater a própria concepção de partido e temos toda autoridade para fazer isso porque o PT não saiu derrotado das eleições e tem um capital político muito grande na sociedade. O que precisamos é de um projeto político e de uma direção à altura da base admirável que temos.

Valor: Para essas alterações será necessário reformar o estatuto?

Dulci: Acredito que alguns desses aspectos que mencionei só poderão ser adequadamente equacionados com alterações também das regras de funcionamento do partido. Tem muita coisa que talvez devamos modificar.

Valor: Quais?

Dulci: Parece-me importante valorizar mais a base partidária na tomada de decisões. O PT tem base, ela existe, freqüenta o partido. E o partido cresceu muito, tornou-se fortemente nacional. Isso fez com que os canais de participação da base nas decisões do partido, que foram pensados no início dos anos 80, hoje não dão conta mais, não são tão porosos quanto precisam ser. Um outro aspecto: o militante de base precisa de informação para exercer sua cidadania partidária. Precisa também de formação. E ele pede isso, cobra isso. Os militantes, sobretudo de origem mais humilde, querem opinar sobre o projeto econômico do partido, sobre a reforma política, sobre nossa proposta para política externa.

Valor: Como fazer isso?

Dulci: Já existem instrumentos de formação e comunicação interna. Existe um setor dedicado à formação política. Mas precisamos investir muito mais, sobretudo porque estamos governando o país. A responsabilidade do PT é maior do que quando éramos oposição. Então temos que fazer um esforço para elevar o nível de informação política e de qualificação política dos nossos militantes e dos nossos quadros intermediários. Hoje os meios eletrônicos facilitam muito criar um circuito de informação e de consulta à internet que pode permitir que um filiado se manifeste e faça chegar sua opinião. Os meios técnicos hoje podem facilitar um funcionamento interno mais dinâmico e poroso à manifestação da base.

Valor: Essa maior participação da base nas decisões do partido passa pela chamada "despaulistização" da legenda?

Dulci: São Paulo sempre deu um contribuição importante ao PT. Não faria nenhum sentido excluí-lo dos órgãos dirigentes do partido. Não se trata disso, mas de avançar de maneira mais vigorosa em um processo de nacionalização do PT, no qual São Paulo cumpre um papel importante. O núcleo central partidário era predominantemente paulista porque o partido funcionava em São Paulo. Não era fácil que pessoas pudessem abandonar seus afazeres e os movimentos que lideravam, que, afinal de contas, constituíam a fonte de sua legitimidade. Era difícil se transferirem para São Paulo e virarem funcionários do partido. A estrutura de funcionamento do PT foi pensada em uma época em que o partido não era nacional. Hoje ele está implantado nos 27 Estados e é um protagonista da vida política do país. Por isso precisamos pensar uma direção que seja capaz de expressar essa realidade, evitando qualquer bairrismo, qualquer provincianismo, e levando em conta o peso que os diferentes Estados têm na vida econômica, cultural e política do país, assegurando que os vários "Brasis" se expressem na vida partidária em todos os níveis: municipal, estadual e nacional. Hoje temos estruturas consolidadas, lideranças com grande prestígio, espaços institucionais importantes nos 27 Estados do país.

Valor: O sr. defende que a sede do partido seja somente em Brasília?

Dulci: Sim. Hoje temos uma sede nacional em Brasília e outra em São Paulo O que ocorre é que o crescimento do partido demanda uma maior descentralização. Dizendo de outra maneira, a incorporação de lideranças de várias regiões do país ao núcleo dirigente nacional deve ser feita pelo positivo. Acabamos de ganhar o governo da Bahia, do Pará, do Sergipe. Tivemos excelente desempenho em outros Estados onde no passado nossa presença era modesta. Temos hoje lideranças de dimensão nacional em várias regiões do país. Isso nos dá a oportunidade de nacionalizar. Mas nós vamos fazer pelo positivo, não pelo avesso. Se depender de mim, essa reestruturação política e renovação do grupo dirigente não será feita pelo avesso, contra determinadas pessoas, e sim a favor do partido. Não há ninguém, nenhum dirigente do PT que controle o partido. O poder no PT felizmente é muito pulverizado, o que é bom. As eleições confirmaram isso. Então não há ninguém -supondo que alguém quisesse barrar um movimento renovador-, não há ninguém no partido que tenha individualmente força para fazer isso. Ao contrário, existe uma poderosa vontade da base partidária de que se faça essa reestruturação profunda. Não basta discutir os conteúdos se não houver renovação do grupo dirigente, mas não basta também trocar pessoas se não houver uma vasta discussão de conteúdo.

Valor: O sr. é candidato a presidente do partido, para que possa liderar esse processo?

Dulci: Como já disse, seria danoso para esse processo necessário de reestruturação começar pelos nomes que poderiam assumir a direção. O debate deve ser de conteúdo político, organizativo e administrativo. Se começarmos pelos nomes, quaisquer que sejam eles, vai acabar prejudicando e até mesmo inviabilizando o profundo debate de conteúdos, sem o qual não haverá verdadeira reestruturação.

Valor: No ano passado, o ministro Tarso Genro assumiu o partido sob a bandeira da reestruturação e não conseguiu encampá-la. O sr. não teme o mesmo?

Dulci: Aquele momento é muito diferente do de hoje. Ali havia uma crise de um grupo dirigente. Hoje estamos em condições mais favoráveis do que aquelas.

Valor: Essa participação maior das bases sociais no partido também pode ser esperada em relação ao governo?

Dulci: Aí é outra coisa. Muitos militantes sociais brasileiros ou são de outros partidos ou não são de partido nenhum, preferem atuar em ONGs. Durante o primeiro mandato foi deflagrado um processo inédito de participação social na definição das políticas públicas. Os poucos conselhos setoriais que haviam foram reformulados, ampliados e passaram a ter um papel muito mais ativo na vida do governo. As diversas áreas onde não havia conselho, criamos. Não há hoje uma só área que não tenha um conselho com poder de propor, avaliar e influir na definição de políticas públicas. Nesses conselhos, as várias organizações sociais do setor têm participação ativa. Além disso, fizemos um gigantesco processo de conferências que envolveu diretamente mais de 2 milhões de pessoas, considerando as etapas municipal, estadual e depois os eventos-síntese a nível nacional. Para você ter uma idéia, a política de direitos da mulher foi elaborada com a participação direta de mais de 140 mil mulheres em mais de 2 mil municípios brasileiros. Na política de combate à desigualdade racial, mais de 100 mil pessoas participaram pelo país afora. A política nacional de saúde foi elaborada por mais de 300 mil pessoas. A política de valorização do salário mínimo foi decidida entre o governo e as centrais sindicais. Todas. Inclusive a Força Sindical, presidida pelo Paulinho, que, do ponto de vista partidário é nosso adversário. O presidente recebeu ao longo de quatro anos mais de quatrocentas vezes lideranças populares, sem falar das entidades que ele tomou iniciativa de visitar. E não apenas aquelas com identidade programática com o governo. Ele recebeu ou visitou inclusive entidades mais críticas, como o MST. Quase todas as lideranças sociais do país apoiaram a reeleição do presidente no primeiro turno.

Valor: O MST não.

Dulci: O MST liberou o voto no primeiro turno e se engajou e recomendou voto no segundo turno, o que também é perfeitamente razoável. No primeiro turno alguns movimentos apoiaram a senadora Heloisa Helena e o senador Cristovam Buarque. No segundo turno, com a reunificação do campo popular, passaram também a nos apoiar.

Valor: O que os movimentos sociais podem esperar do segundo mandato?

Dulci: Não há movimento social sem reivindicação, mas achamos que ela pode ser acrescida de uma postura propositiva. Grande parte das organizações sociais brasileiras se constituíram na luta contra ditadura e pela redemocratização, ou seja, com uma postura muito reativa diante do Estado. A questão central era afirmar a independência em relação ao Estado. Continua sendo muito importante isso, mas para que a sociedade avance é muito importante que, além de reivindicar, os movimentos também proponham. E hoje os movimentos estão muito qualificados, não só do ponto de vista social. Têm uma capacidade técnica muito grande. Os movimentos podem participar como participam as entidades empresariais dos debates sobre todas as grandes questões do país. E não apenas do salário mínimo, por mais importante que ele seja. Tem ONGs no Brasil de alta qualidade científica e técnica, com quadros de primeiríssima linha, que poderiam assumir inclusive funções dirigentes em qualquer lugar. Então queremos manter esses canais como os conselhos, as ouvidorias, as conferências, mas ainda criar canais novos e convocar aos debate de questões novas.

Valor: Como o quê?

Dulci: Queremos que as entidades populares participem, por exemplo, do debate da política externa. Queremos que os movimentos sociais conheçam melhor a política econômica, o funcionamento do Estado. Gostaríamos que participassem do debate orçamentário. É possível que grandes organizações sindicais, culturais, religiosas, empresariais, de caráter nacional, participem de maneira ainda mais ativa da elaboração dos projetos do governo, respeitada suas autonomia e a independência. É possível que eles influam de maneira mais direta na elaboração programática do governo e do país. O que queremos é que a participação direta não se dê apenas nos períodos eleitorais. Quem não ajuda a construir não se torna co-responsável. Precisamos de um nível de co-responsabilidade que faça com que as pessoas se engajem na execução das políticas. O risco das democracias contemporâneas é a indiferença, a alienação. E depois as pessoas não se sentem representadas. Enfim, pretendemos fortalecer os canais para que as grandes organizações sociais brasileiras participem mais, e quando eu falo participação social não estou me referindo apenas às organizações populares, estou falando também das confederações da indústria, da agricultura, do comércio. Tudo aquilo que é não-governamental no país.

Valor: Em relação à economia, quem no governo deve vencer a disputa entre monetaristas e desenvolvimentistas?

Dulci: Essa disputa dentro do governo não existe. No governo do presidente Lula não há política de ministros. A política é do presidente, é do governo. O que há é um debate sobre a maneira mais adequada de assegurar crescimento acelerado preservando a inflação baixa e a responsabilidade fiscal. Não há no governo ninguém que admita a volta da inflação. É um consenso no governo de que a estratégia para acelerar o crescimento e torná-lo mais vigoroso tem que incluir a manutenção da inflação baixa e a responsabilidade fiscal. É um debate diferente do que acontecia no governo Fernando Henrique. Lembro-me de que alguns ministros aquela época admitiam inflação de dois dígitos, dizendo que não era tão perniciosa assim. Não é o nosso caso. O que queremos é uma nova equação, com inflação baixa. Se admitíssemos a volta da inflação estaríamos jogando fora todos os esforços que fizemos. Não existe nenhuma hipótese deste governo adotar uma estratégia de crescimento que abra mão do rigoroso controle da inflação. Agora, nós também não aceitamos a idéia de que para controlar a inflação é preciso desistir de crescer.



Delúbio vive em regime de reclusão voluntária
Caio Junqueira
Valor Econômico, 27/10/2006


A denúncia do mensalão apresentada pela Procuradoria-Geral da República tramita na morosidade da Justiça, sem previsão se haverá punidos ou prazo previsto para que as eventuais penas sejam aplicadas. Até isso acontecer, porém, um dos quarenta denunciados ao Supremo Tribunal Federal já cumpre a sua pena: o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, que vive sob regime de reclusão voluntária em um apartamento no centro de São Paulo.

Os vizinhos não o vêem, o dono da banca da esquina não o vê, o dono da locadora de DVD ao lado do prédio não o vê, e os taxistas do ponto da outra esquina também também não. Apenas antigos correligionários ainda mantêm contato com ele. Um deles é o ex-presidente do PT José Genoino, que costuma visitá-lo semanalmente, mas se negou a falar sobre como vive Delúbio. Outro é o ex-presidente da CUT e secretário sindical do PT, João Felício, que negou ter contato permanente com Delúbio. O ex-ministro José Dirceu também foi apontado como outro interlocutor do ex-tesoureiro, mas a informação não foi confirmada por sua assessoria.

Quando o assunto é Delúbio, integrantes do PT paulista evitam comentar. O deputado estadual Fausto Figueira, por exemplo, embora tenha abrigado por alguns meses em seu gabinete a mulher de Delúbio, a ex-secretária municipal de gestão no governo Marta Suplicy Mônica Valente, afirmou desconhecer a vida dele. Mônica, aliás, é mencionada como fundamental nessa reclusão de Delúbio. De acordo com pessoas próximas a ela, além de não querer expor o marido, Mônica tem preservado o instinto de de militante petista e não quer que eventuais declarações do marido prejudiquem o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de uma nova crise, ainda mais às vésperas da eleição.

Depois do período na Assembléia, Mônica, que sempre atuou no movimento sindical, foi trabalhar na Organização Regional Interamericana de Trabalhadores (Orit). Ao lado de Mônica, a pessoa que mais tem contato com Delúbio é Jorgeval Antonio Campos, que há tempos serve ao ex-tesoureiro na função de "faz-tudo". No auge da crise do mensalão, ele foi o responsável por levar a uma reunião do diretório nacional do PT a carta em que Delúbio pediu a suspensão temporária de sua filiação ao partido. Na mesma época, sob a alegação de corte de despesas, Jorgeval foi demitido do partido, mas continuou ligado a Delúbio. Atualmente, é ele quem presta serviços ao ex-tesoureiro. O Ômega prata australiano de Delúbio, bloqueado pela Justiça, é dirigido por Jorgeval pela cidade. Leva Mônica ao trabalho e ao dentista, por exemplo.

Jorgeval também foi acolhido na Assembléia Legislativa. No gabinete do deputado estadual reeleito Vicente Cândido (PT), ligado ao senador Aloizio Mercadante (PT), foi nomeado em junho ao cargo comissionado com maior salário do gabinete: R$ 6.959,85. Apesar do alto valor que recebe, funcionários do próprio gabinete afirmam desconhecê-lo. "Jorgeval? Esse nome não me é estranho, mas não me lembro quem é", afirmou um deles ao Valor. Outro, informado de que se tratava de um prestador de serviços a Delúbio, disse estar surpreso com a informação. Responsável por sua admissão, o deputado Vicente Cândido disse se tratar de um excelente profissional, sem posto fixo no gabinete, mas que presta serviços como motorista e nas áreas de segurança e logística. Com o carro de Delúbio, Jorgeval vai à Assembléia. No mesmo dia, passa no comitê de Lula, no centro, para encontrar um amigo. Esteve ainda, com o carro de Delúbio, na sede do PT nacional. Questionada, a assessoria do PT informou que Jorgeval passou na sede do partido para pegar material de campanha. O Valor ligou ontem para o celular de Jorgeval, que não foi atendido.

Não se sabe como Delúbio se sustenta. Institucionalmente, o PT não lhe ajuda, mas membros do partido costumam dar-lhe dinheiro. Seu padrão de vida, aparentemente, diminuiu. Ele e sua mulher moravam em um apartamento alugado nos Jardins, zona nobre de São Paulo. Após a crise, transferiram-se para a alameda Marques de Paranaguá, no centro, em um apartamento da mãe de Mônica. No entanto, no principal processo em que é réu, o do mensalão, mantém como advogado um dos melhores criminalistas do país, Arnaldo Malheiros. Em outro processo, promovido pelo Ministério Público de Goiânia, mantém um advogado da cidade como defensor. Promotores goianos o acusam de improbidade administrativa por suposto recebimento de salários indevidos como professor da Secretaria da Educação de Goiás, mesmo estando afastado das salas de aula.

O ex-tesoureiro, todavia, não é só réu na Justiça. Acionou a União devido à utilização de seu nome em um concurso público da Escola Superior da Administração Fazendária, onde, em uma questão, questiona qual o crime em que incorreu o personagem fictício "Delúbio" que utilizou o veículo oficial em um fim-de-semana para viajar com a família. A justificativa do pedido de R$ 200 mil nesta ação, feita por uma advogada de Brasília a título de danos morais, pode explicar a razão da reclusão de Delúbio em seu apartamento no centro de São Paulo: "(...) não é descipiendo asseverar, aliás, que tal perfil, estabelecido por um órgão público através de uma questão séria de um concurso público, representa a antecipação de uma eventual condenação para a maioria da sociedade."


"Quem quiser dividir o país vai se dar mal"
Caio Junqueira
Valor Econômico, 06/10/2006


Se há algum culpado pela candidatura Geraldo Alckmin, esta pessoa é seu coordenador de programa de governo, João Carlos de Souza Meirelles. Foi assim que um assessor da campanha tucana o definiu num dia de intensa pressão sobre o candidato que não decolava nas pesquisas. Hoje, o culpado virou um dos artífices da passagem do candidato do PSDB para o segundo turno da disputa presidencial. Defensor da linha que resistia a centrar a campanha na exploração dos escândalos petistas, Meirelles se diz convicto de que não foi o dossiê que virou a disputa. E que a eleição foi o ápice de uma curva lenta mas de consistente ascensão durante a campanha.

Ex-secretário de Agricultura de Mário Covas e homem forte na era Alckmin, na qual chefiou a pasta de Ciência e Tecnologia, tornou-se nesses anos um dos principais conselheiros do hoje presidenciável tucano. Aos 71 anos e certo da vitória de Alckmin em 29 de outubro, situa-se em uma postura ofensiva ao presidente Lula e à sua equipe ao passo que, aos aliados que dele discordavam, mostra-se sereno e com um ar de que "estávamos certos". Veja a seguir a entrevista dada ontem ao Valor.

Valor: Lula deve enfocar mais ainda sua campanha neste segundo turno na "força do povo". O sr. acha que no último domingo o país saiu dividido entre ricos e pobres?

João Carlos Meirelles: Essa discussão acabou no mundo por ocasião do 20º Congresso do Partido Comunista, em 1956. Este pessoal é de antes desse Congresso. Há um clamor no mundo inteiro para que não haja essa dicotomia entre ricos e pobres, entre Estados desenvolvidos e subdesenvolvidos. O que é preciso é harmonizar o desenvolvimento. Quem pretender fazer essa dicotomia vai se dar mal, porque, evidentemente, não é essa a aspiração, nem nós a aceitamos. Pretender fazer essa divisão no mapa eleitoral é falsa. Veja só, ganhamos em lugares absolutamente inaceitáveis para eles, como no Acre. Empatamos no Sergipe. O que você tem claramente? O país precisa se desenvolver de forma harmônica. E isso não passa pela discussão de dicotomias, até porque elas não existem. Temos que resolver as causas que provocam o aglomerado nas regiões metropolitanas, que foi a falta de horizonte nos interiores do Brasil. Resolver a falta de infra-estrutura para aumentar a exportação, que é a única condição para gerar emprego e renda no país. E assim por diante. Essas outras discussões são super antigas e, mais ainda: eu não ouvi eles discutirem projetos de desenvolvimento. A não ser com essa derrapada ética do ministro Mantega, que usou seu cargo de ministro para dar entrevista de campanha. Foi o único sujeito que pretendeu discutir alguma coisa de programa de governo.

Valor: Os Estados mais produtivos ficaram com Alckmin, enquanto os menos produtivos com Lula. Estenão é um recorte?

Meirelles: Não concordo e pediria para você ver a quantidade de cestas básicas distribuídas no Estado de São Paulo. Infelizmente, não há nenhum Estado que tenha tanta pobreza como em São Paulo. Até porque muitos pobres do país vieram para cá e nós desgraçadamente não conseguimos resolver todos os problemas. Talvez o que você esteja dizendo é sobre o efeito do Bolsa-Família. Talvez tenha mais Bolsa-Família no Estado de São Paulo, mas em outros Estados o efeito eleitoral é melhor. E ele se constitui numa deformação democrática extremamente perigosa, que é o neocoronelismo. Quem é que distribui o Bolsa-Família? O prefeito do município, que cria uma relação duvidosa, se você não tiver saídas para isso. Os efeitos desse neocoronelismo são mais sentidos nas regiões mais depauperadas do país, como também nas mais depauperadas das regiões metropolitanas do Rio, Belo Horizonte e São Paulo. Além disso, o que houve no primeiro turno foi uma velocidade maior de tomada de consciência de propostas do Geraldo em alguns Estados, do que em outros, pela dificuldade de acesso à informação. Em alguns lugares a campanha não chegou. Tudo isso tem ainda outro componente, que são as relações das lideranças regionais. O prefeito está ligado ou ao deputado federal ou ao estadual. E em algumas regiões essa relação é muito mais direta. No Nordeste isso é muito claro, até mais que na região Norte. Isso tudo levou a essa configuração eleitoral. Acho que para o segundo turno, quando deixa de haver uma relação de causa e efeito do deputado estadual e federal, essa relação permitirá uma votação bem maior do Geraldo.

Valor: Lula está organizando uma reação forte a partir de comparações com FHC e colocando ministros na campanha. A ex-prefeita Marta Suplicy também ajudará na periferia de São Paulo. Isso não pode anular esse prognóstico?

Meirelles: Acho muito bom a Marta entrar na campanha porque ela perdeu para o Serra em 2004. É ótimo que ela venha. Mas o que eu quero ver e o que a população quer saber é o que você tem de programa concreto que atende expectativas de quem mora na periferia. Por esse raciocínio é que nós ganhamos eleições. A vinda desses ministros também acho muito boa, para a população poder comparar como cada um faz eleição. O governo ontem reuniu 17 ministros da República, alguns com chapa fria no carro, segundo a imprensa. E outros com carro oficial. O que é isso? Onde nós estamos? O Mantega anteontem ir para imprensa e dizer que nosso programa é isso ou aquilo? Até imaginei que ele já tivesse sido afastado do ministério para fazer campanha. Muito justo. Agora, como ministro? É um escândalo atrás do outro. Só fazem coisas equivocadas. Não é assim que se faz a boa política. E estamos encantados com o Lula estar falando agora em discutir ética. Finalmente eles vão discutir ética. Demorou quatro anos, mas agora vão discutir. E é muito bom, até porque esperamos que passem a praticar isso em suas vidas pessoais depois que saírem do governo. Só que ética é pressuposto, não é tema de discussão. Eleição não é concurso de ética. Ou você é ou não é e eles não são. Ética para nós é premissa. Acho ótimo, porque nós vamos discutir outra coisa: política de desenvolvimento. O que vamos fazer com a economia, baixar juros, melhorar relação com o dólar.

Valor: E as comparações com o governo FHC?

Meirelles: Não estamos discutindo isso. Essa discussão se faz na academia. Ela não produz efeitos porque o relógio não anda para trás. Eu estou discutindo daqui para a frente. Comparar com FHC não cola. Não tem a menor hipótese de colar. O Geraldo não foi ministro do governo FHC. As coisas certas que o governo FHC fez estão certas. As que fez erradas nós mesmos criticamos muitas vezes. Portanto, não está em discussão. FHC não é candidato. Candidato é o Lula e o Geraldo. O Lula vai fazer o quê? O que vem fazendo. E nós vamos fazer algo absolutamente novo. A discussão deles é atávica. Não tem nada a ver com a realidade eleitoral. Lula não passa da discussão do "eu descobri o Brasil, eu fiz a Petrobras". Tudo o que foi feito no Brasil foi ele. Até estou encantado agora com o próprio Mantega dizendo "vamos fazer reforma tributária". Estou encantado. Só que tudo isso já passou. O parâmetro é o que o Lula vai fazer. E nós vamos fazer a revolução que o Brasil esta esperando. Então, eles estão no passado e nós estamos no futuro.

Valor: Desde o início houve uma divisão entre os que achavam que Alckmin deveria discutir programa, no qual o sr. se inclui, e os que achavam que ele deveria bater no Lula. A virada da eleição aconteceu depois do dossiê. A turma da pancadaria estava certa?

Meirelles: Nunca na história aquele que vive de acusação ganhou eleições. Você está votando no sujeito não pelo passado, mas pela expectativa de futuro. Fomos duramente criticados por amigos, companheiros, durante toda a campanha para elevar o tom, bater. Uma coisa forte no Brasil inteiro, dizendo que tem que bater. Não tem nada que bater. Nós estamos mostrando o Brasil para o futuro.

Valor: Mas na reta final a discussão foi centrada no dossiê...

Acho muito bom a Marta entrar na campanha porque ela perdeu para o Serra em 2004"

Meirelles: Não podíamos deixar de falar, se não seria omissão. Se o Brasil inteiro esta discutindo isso e você não fala, você é um omisso.

Valor: O sr. não acredita que foi o dossiê que levou a disputa ao segundo turno?

Meirelles: Absolutamente não. Basta analisar, de forma isenta, que a curva de crescimento do Geraldo não teve salto. Seria verdade, é uma hipótese plausível, se de repente ele estivesse lá embaixo e subisse bruscamente. Não. E a trajetória de queda do Lula também é constante. Só que eles caíram muito mais do que eles previam. Na verdade, o episódio do dossiê serviu para outra coisa: excitar a eleição, que vinha morna. O dossiê foi como se dissesse: "Olha gente, tem eleição aí, e tem bandido que está preso e tal". Foi isso. E olha, não é nenhuma novidade no governo Lula esse dossiê. Trata-se de só mais um escândalo. Não há nada de novo. Seguramente, até o fim do ano surgirão outros. E em janeiro estaremos lá para fazer essa limpeza. Então, acho que foi um grande benefício o dossiê para o eleitorado. Qual a característica da estratégia da nossa campanha? Continuidade. Em nenhum momento derrapamos. Há uma faixa pela qual estamos construindo essa avenida eleitoral. Evidentemente que se passa debaixo de um poste, de uma sombra de árvore, mas a faixa é a mesma e nos últimos dias o tema do dossiê tomou todo o país e toda a imprensa. O dossiê nos empolgou, mas não nos tirou do rumo. Nós só falamos sobre isso quando seria desonesto não falar. Seria uma omissão gravíssima. O que é isso? O caboclo (Lula) está no céu? E olha que ainda assim não tiramos proveito disso.

Valor: Para este segundo turno, os quadros eleitorais estaduais são mais favoráveis a Alckmin?

Meirelles: Vamos começar pelo pior, nos Estados em que perdemos as eleições. Na Bahia, onde o PFL e seus aliados, que vinham de vitórias sucessivas há muitos e muitos mandatos, sofreu um revés e, portanto, perdeu um governo e não elegeu senador. O que isso simbolicamente significa? Fomos derrotados na Bahia? Não, não fomos. O Geraldo teve uma votação bastante expressiva na Bahia se compararmos com as votações passadas dos nossos candidatos. E agora nossos aliados na Bahia estão absolutamente empenhados na eleição do Geraldo. A solidariedade do PFL está absolutamente concentrada na possibilidade de demonstração da sua competência política, que é extraordinária. E é o que eles farão. Há os Estados em que fomos ao segundo turno: Rio Grande do Sul e Pernambuco, por exemplo. Naturalmente, o que está acontecendo agora? Uma rápida imantação. Rapidamente, você atraiu para os dois pólos a posição de que não dá para ficar mais ou menos Geraldo e mais ou menos Lula. Não dá pela peculiaridade da política local. Em Pernambuco, afastada a candidatura do PT e concentrada a nossa, vai polarizar. O que aconteceu em Pernambuco, acontecerá em outros Estados com essa situação. No Rio Grande do Sul ficou mais explícita essa polarização por conta do PT ter um candidato que já foi governador emblemático. Isso está permitindo que polarize, do outro lado, a Yeda e o Geraldo. O terceiro bloco é esse onde a eleição foi definida no primeiro turno. Os candidatos todos estão liberados. Nenhum deles tem que pensar mais em suas eleições. Vamos pegar aqui os Estados do MT, MS, SP e MG. Em Minas perdemos para o Lula, mas tivemos uma vitória espetacular. Se nós pegarmos nos registros, as pesquisas no mês de maio, junho e julho, qual era a intenção de voto do Geraldo? Era um traço. E no final ele teve mais de 40%. No MS elegemos o governador e uma senadora. Evidentemente, Lula foi para o segundo turno derrotado. Durante meses, desde 2003, o projeto do PT era ganhar as eleições sem qualquer problema. Apesar de todo prestígio pessoal, pompa e circunstância de um presidente, ele disputa o 2º turno derrotado.

Valor: No primeiro turno, vocês confiavam muito no empenho das lideranças regionais nordestinas. O que deu errado?

Meirelles: Por falta de uma visibilidade clara, muitos dos candidatos a deputado, senador, e até ao governo ficaram quase que neutros em relação à candidatura de presidente. Naqueles Estados em que o Lula tinha 60%, 70%, o indivíduo dizia "como é que eu vou fazer campanha para esse tal de Geraldo? De repente meu eleitor não quer Geraldo e eu como é que fico?" O que é um erro. Todos que pensaram assim se deram mal. Não é assim que se faz política. Política se faz com clareza. Agora, veja só, em Pernambuco, o que nós vamos ter? Uma campanha única e todo mundo junto na rua. Não tem esse negócio de que não é bom que o candidato seja identificado com o candidato Geraldo Alckmin. Agora passou a ser condição necessária.

Valor: Lula, então, entra em desvantagem no segundo turno?

Meirelles: Entramos na segunda etapa, onde 16 Estados estão sem disputa de governo. As forças políticas estão concentradas nessa escolha dual. Ou é Geraldo, ou é Lula. E, naturalmente, o que estamos percebendo é um crescimento do apoio a Geraldo Alckmin normal nos Estados, por segmentos não-convencionais da vida política, como entidades do comércio, empresários, trabalhadores. Lula entra derrotado pela simples razão de que eles deram a vitória como certa. Desde o fim do ano passado, tinham a engenharia de que ganhariam no primeiro turno e ficaram absolutamente impactados com o fato de não ter levado. Tanto é assim que você verifica essas coisas escandalosas, como reunião de ministros no Planalto para discutir campanha. Além disso, o que representa o Geraldo? Duas coisas essenciais para o Brasil neste momento: o moderno e o novo. Novo porque nunca foi candidato a presidente. Não era nome nacional. E o moderno, com linguagem moderna. Representa o médico, que no consciente popular é um sujeito sempre decente, limpo, direitinho, com cara higiênica, barbeadinho. Tudo certinho, sempre arrumado, nunca está estrupiado. Tem também uma linguagem oral nova, um discurso sempre claro, honesto, transparente, cristalino. Tem toda espontaneidade do sujeito que é autêntico. Quem não é autêntico, a frase fica falsa. Você vê o Lula querendo fazer determinadas travessuras intelectualóides. Soa falso. Ele não é intelectual.

Valor: A coligação de Alckmin elegeu na Câmara cerca de 150 deputados. A governabilidade em um eventual governo tucano não corre grande risco?

Meirelles: Há um equilíbrio de forças no Brasil hoje, o que é saudável. Só que o tratamento da governabilidade com a nossa vitória -e não vejo hipótese de vitória do Lula e do ponto da discussão sou obrigado a contemplá-lo- é completamente diferente. Até por conta do relacionamento que existe entre as bancadas do PSDB, PFL e PPS e de outros partidos que seguramente estarão conosco em um governo, não como parte do governo, mas como base de uma grande aliança nacional pela governabilidade, que, para nós, não nos preocupa. O que nos preocupa é a eficiência da relação e o respeito da relação com o Parlamento. O que é que distingue o governo do Alckmin do hipotético segundo governo do Lula? É que o modo pelo qual eles tratam o assunto é ditatorial. Eles precisam de base? Mandam comprar. Inclusive em São Paulo temos exemplos claros de insucesso político, como na eleição para a Assembléia. Depois de 10 anos, perdemos a eleição. E outro aspecto é que jamais pretendemos levar ao Congresso aquilo que não seja do efetivo interesse público. Portanto, entendemos que pode ser feito aquilo que a democracia exige, ajustes no Parlamento. Mando o projeto e o Congresso entende que não é bem assim. É esta relação que se faz. Por isso, não temos a menor preocupação nesse sentido.

Valor: Mesmo assim, para aprovar esses projetos é preciso de maioria. Vocês não correm o risco de ter que se aliar aos mesmo partidos que o governo Lula se aliou e depois teve problemas?

Meirelles: Nossa aliança na verdade é um pouco mais ampla porque houve coligação nos Estados com outros partidos que não tinham candidato a presidente. Aqui em São Paulo, por exemplo, tivemos uma coligação para a proporcional diferente da nacional. Em São Paulo e em vários outros Estados. No RS, nosso aliado é o PP, que lá é um primor de partido. Gente da melhor qualidade, de tradição, de respeito. Aqui em SP o PTB sempre esteve conosco, há anos. Temos tradição de trabalhar com aliados. Definitivamente, não estamos preocupados com essa conta, mas, seguramente, se você fizer essa soma, deve dar muito mais do que 250 deputados.



Câmara tem a eleição mais disputada
Caio Junqueira
Valor Econômico, 20/09/2006

A despeito de os escândalos que atingiram a Câmara terem manchado a imagem pública da instituição, a busca dos partidos para superar as exigências da cláusula de barreira fez com que neste ano o país assista ao maior número de candidatos a deputado da história. São 5.415 postulantes, número 10,5% superior aos 4.901 de 2002. Desde a redemocratização, é a eleição com mais candidatos.

A insígnia de pior legislatura da história também não foi obstáculo para afastar os atuais deputados da Casa. Houve um aumento do número de candidatos à reeleição em relação à 2002. Enquanto nas últimas eleições 417 optaram por tentar permanecer nos cargos, neste ano o número é de 436, com previsão de renovação em torno de 50%, insuficiente para bater o recorde histórico das eleições de 1990, quando a renovação foi de 62%. Nas três eleições seguintes, esse índice foi de 53%, 43% e 46%.

Estendendo-se a contabilidade aos políticos em geral, vê-se que houve um aumento do interesse de detentores de cargos eletivos em obter uma vaga na Câmara. Neste ano, 7,4% de todos os candidatos se auto-declararam em exercício desses cargos, índice superior a 2002 (5%) e a 1998 (7,1%). Ocorre que, justamente por ter caráter auto-declaratório, nem todos os políticos se inscrevem como tal, tendo preferência por registrar suas profissões extra-política. É o caso do deputado Rafael Guerra (PSDB-MG), presidente da Frente Parlamentar da Saúde. Apesar de desde 1999 se dedicar ao trabalho legislativo, registra-se no TSE como médico. "Exerci a medicina por 20 anos. Sou professor de medicina. A política veio depois", afirma.

De qualquer maneira, o que se configura nas proporcionais deste ano é, contrariamente às majoritárias, onde na maior parte dos Estados a eleição deve ser definida em primeiro turno, a mais acirrada disputa pelo voto do eleitor. Na frente deste embate, saem os atuais deputados-candidatos, beneficiados por situações por eles mesmos originadas. Uma delas é a mini-reforma eleitoral. Com a proibição de camisetas, bonés e outdoors, entre outros tradicionais materiais de campanha, ficou mais difícil de neófitos se tornarem conhecidos e terem seus números eleitorais fixados pelo eleitorado, favorecendo, assim, quem já divulga seu nome e atos há quatro anos ou mais.

Esse trabalho de divulgação durante o mandato também foi beneficiado na atual legislatura pelo aumento da estrutura e dos recursos dos deputados. Isso se deu pelo incremento de dois benefícios: as verbas indenizatórias e as verbas de gabinete. Instituída pelo então presidente da Câmara Aécio Neves em abril de 2001, a indenizatória foi criada para o ressarcimento de despesas referentes a aluguel de escritórios políticos, combustível, consultorias, pesquisas, entre outras despesas. À princípio, era de R$ 7 mil. A maré vermelha de 2002 acabou por colocar o petista João Paulo Cunha na presidência da Câmara no ano seguinte e, logo no primeiro mês de mandato, o valor subiu para R$ 12 mil. No apagar das luzes de 2004, João Paulo, no fim do mandato, elevou-a novamente para R$ 15 mil, montante em que permanece até hoje.

A verba de gabinete, por sua vez, já é velha conhecida do parlamento. Tem por escopo pagar as pessoas que trabalham com o deputado. Ocorre que, quando a atual legislatura assumiu, essa verba beirava os R$ 20 mil, permitindo a contratação de 18 pessoas. Já em 2003 o valor saltou para R$ 35 mil, com a possibilidade de 20 pessoas serem contratadas. Em 2005, nova alteração no valor: passou para R$ 50 mil. E, em 2006, nova medida: foi autorizada a contratação de 25 pessoas. "Quem está no exercício do cargo tem vantagens sobre quem não está. Tem gabinete, estrutura, acesso à mídia, despesas pagas. Chega a eleição e eles já estão há quatro anos trabalhando. As verbas que recebem os ajudam na estrutura de campanha", afirma Antonio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

O Valor acompanhou a campanha de dois candidatos à reeleição que têm seu eleitorado estruturado no voto de opinião, e cujas campanhas foram as mais afetadas pela legislação eleitoral.

Lulista, Delfim lota platéia de alckmistas


As mesas repletas de sardella, melanzana, abobrinha curtida e pão italiano, abrem o apetite dos presentes a uma refinada cantina italiana em Vinhedo, onde uma platéia de empresários majoritariamente alckmistas aguarda a chegada do convidado, o deputado federal Delfim Netto (PMDB-SP). Lá estão representantes da Volkswagen (automóveis), Ceratti (alimentação), Belarus (parafusos), Baluff (automação industrial) e de mais cerca de cinqüenta empresas. A palestra começa e após apresentação de erros, acertos e rumos para a economia brasileira, vêm as perguntas. Na primeira sobre política, a resposta tem cunho governista. A platéia ouve calada: Lula é intuitivo. Cumpriu o que disse na Carta ao Povo Brasileiro. O segundo mandato será melhor do que o primeiro.

Esse constante encontro com críticos do presidente da República integra a rotina da campanha de Delfim, consultor frequente da área econômica do governo. Sua campanha se estrutura na realização de palestras sobre o panorama econômico do país para grupos de empresários em todo o Estado, ocasiões em que, garante, nunca pede votos. "Apenas falo o que penso".

Esse "falar o que pensa" é predominantemente composto por críticas aos resultados do modelo econômico moldado no país nos últimos 12 anos. As críticas são mais contundentes à era FHC. Primeiro, por ter elevado a carga tributária de 26% para 36% do PIB. Segundo, pelo aumento do endividamento interno de R$ 30 bilhões para R$ 57 bilhões. "Tirou recursos do setor privado, levou para o governo, e ainda assim elevou o endividamento interno. E a coisa mais interessante é que foram feitas privatizações. Se fosse uma S.A., seriam presos. Venderam o ativo e aumentaram o passivo", diz. Propõe a fixação da despesa do governo em termos reais pelos próximos anos, corrigidas apenas pelo IPCA.

Aos 78 anos e em busca de seu sexto mandato como deputado federal, Delfim faz campanha com fôlego de iniciante. Numa única semana, passou por Vinhedo, Aparecida, Arujá, Fernandópolis, Guaratinguetá, Jacareí, Taubaté, Santo André, São Bernardo do Campo e São José do Rio Preto. Sempre com esquema semelhante: falar às pessoas e à imprensa.

Sempre disposto a piadas instantâneas, provocou risos com freqüência na cantina em Vinhedo. Como ao falar do pagamento, pelo governo federal, da dívida externa. "A dívida está resolvida. Isso é importante porque é um dos pontos do programa de governo da candidata do P-SOL à Presidência da República, Heloísa Helena. Será a primeira vez que uma promessa de campanha não vai ser cumprida porque não existe mais". Ou ao falar sobre a possibilidade da adoção do imposto único no país. "IVA nacional exige um Estado federal altamente confiável. Eu mesmo não confio no governo quando estou nele." E, ainda, quando um empresário lhe pergunta: "Dr. Delfim, vou fazer uma questão simples e direta: essa eleição vai ter segundo turno?".

A questão é prontamente respondida pelo deputado: "Essa pergunta é simples, direta e irrespondível". Na seqüência do dia, a agenda prevê a ida a Jundiaí para inauguração do comitê de uma das 25 dobradinhas com deputados estaduais que tem pelo interior. No carro, ele lamenta. "Essa melanzana era da 'nona' viu, pena que não pudemos ficar aí. Quem colocou a cantina de Vinhedo antes do comitê de Jundiaí?", pergunta no carro, depois de ganhar dos donos da cantina um pacote de massa de fabricação própria.

Durante a chegada à inauguração do comitê de uma de suas 25 dobradinhas pelo interior, os fogos de artifício estouram e, dentro do recinto, surgem três "bonecos" do Delfim. Rendem mais um comentário bem-humorado. "Você viu que coisa horrorosa?", diz ao Valor. Dentro do comitê, cerca de 150 pessoas se apertam. Repórteres novamente o rodeiam. Ele reverbera o discurso econômico. E também sua candidatura. (CJ)

Cardoso espera ter metade dos votos de 2002


Abordar o motorista congestionado no trânsito do comércio do Tatuapé em um sábado de manhã pode não ser o lugar ideal para uma campanha política. Mas lá está ele, de terno, carregando dezenas de santinhos e alguns jornais com informações de seu mandato. "Bom dia, sou Zé Eduardo, deputado federal, está aqui um pouco do trabalho que fiz em Brasília." E assim segue. A cada entrada em um estabelecimento, o script é o mesmo. Seja uma sorveteria, sapataria, banca de revistas, botecos, restaurantes, loja de perucas. Sejam as pessoas que por ele passam e se dispõem a parar, ouvir a saudação e receber o material de campanha.

Com esse estilo o deputado federal José Eduardo Martins Cardozo (PT-SP) sai pelo Estado à busca de votos. Trouxe o tradicional corpo-a-corpo à sua campanha e, em decorrência da exposição popular, por vezes é obrigado a ouvir desaforos. "É engraçada a reação das pessoas. Tem gente que se afasta porque sou deputado, tem gente que fala: É do PT? Credo", afirma. Mas outras situações também ocorrem. "Seu Palocci?!", diz uma moça. "Não, não sou Palocci. Sou Zé Eduardo, deputado federal...". Vira e diz à reportagem: "Já tinha sido confundido algumas vezes com o Aécio, mas com o Palocci é a primeira vez".

A menos de um mês das eleições, o deputado-candidato conta com a reverberação de sua presença nas ruas para obter os 110 mil votos que julga necessários para se eleger, bem menos que os 310 mil que obteve em 2002. Neste ano, porém, preocupa-se com as restrições da legislação eleitoral que, de acordo com ele, dificultou as campanhas de quem tem o "voto de opinião". "Nosso eleitor está difuso por várias regiões e classes sociais. Sem banners e outdoors, ficou mais difícil para as pessoas fixarem meu número".

Por esse motivo, a importância das campanhas conjuntas entre candidatos a federal e estadual -as "dobradas"- aumentou. José Eduardo fez 50 no Estado. Tem, em cada um desses parceiros, cabos eleitorais ávidos por votos e que fazem campanha dupla em suas localidades. "Algumas dobradas são naturais, outras estratégicas. Mas não significam transferência automática de votos de um ao outro. Também não há regra sobre a divisão dos custos. Isso depende da competitividade, do colégio eleitoral, das condições financeiras."

No mesmo sábado que foi ao Tatuapé, dois horários na agenda estavam reservados à campanha com as dobradinhas de deputados estaduais. Pela manhã, café-da-manhã em uma favela na zona sul de São Paulo. Seu parceiro ali é o pastor Arles, integrante da ala evangélica do PT e que tenta a Assembléia pela primeira vez. "Nós vamos ganhar. Deus quer. Precisamos limpar aquilo lá", diz o pastor, ao lado de moradores que, um a um, entram no local para se alimentar. Em seguida, José Eduardo caminha com o pastor pela favela, fala com os poucos moradores que já estavam na rua àquela hora, distribui santinhos e pede voto aos dois. À tarde, vai a Guarulhos inaugurar o comitê de outra dobrada, o Dr. Ulisses, jovem vereador da cidade. O evento é simples, mas suficiente para reclamação de uma vizinha, irritada com o barulho do carro de som que anuncia a presença do deputado com o jingle do plantão da Rede Globo.

Nos últimos dias, esse contato direto com o eleitor que o deputado confere à sua campanha só foi diminuído por outra conseqüência da crise política: a dificuldade em captar recursos. Com previsão de gastar cerca de R$ 900 mil no pleito, o deputado divide boa parte de seu tempo atrás de recursos para a campanha. "Passei as duas últimas semanas só atrás disso", diz ele, que colocou seu pai, um ex-dirigente do PSB paulista, como co-responsável pela arrecadação e infra-estrutura.

No fim da tarde do sábado, ainda em Guarulhos, o deputado foi a uma plenária do PT organizada por outro vereador petista - platéia de umas 50 pessoas. Segue depois para um churrasco na zona norte. Era aniversário de um conhecido de um assessor. No caminho, tenta saber do que se trata: "O que é exatamente isso que você arrumou?" (CJ)
Marqueteiros atuaram nos governos de candidatos
Caio JunqueiraValor Econômico, 11/08/2006


João Santana e Luiz Gonzáles, marqueteiros dos dois principais candidatos a presidente da República, entram de fato na campanha nacional a partir de terça-feira já tendo tido ativa participação nos governos dos candidatos que defenderão no horário eleitoral.

Gonzáles, responsável por todo o setor de comunicação do tucano Geraldo Alckmin, ganhou com a agência Lua Branca R$ 25 milhões em 2005, em uma licitação promovida pela Secretaria de Comunicação do governo paulista. O jornalista desligou-se da agência este ano, repassando o comando para seu filho, Bruno. Firmado o contrato, foi feito um aditamento -já em 2006- de R$ 6,5 milhões, montante 25% superior à licitação inicial. O valor representa mais da metade dos recursos pagos pela pasta da Comunicação em 2005, que alcançaram cerca de R$ 44 milhões.

A participação de Luiz Gonzáles no governo Alckmin também ocorreu na outra conta de publicidade em disputa nesta mesma licitação. No valor de R$ 23 milhões, foi vencida pela agência DPZ, que subcontratou uma das maiores produtoras de vídeo do país, a GW Comunicação, da qual Gonzáles é um dos sete sócios, com 28% das ações. O valor deste subcontrato não é informado pela DPZ nem pela Secretaria de Comunicação.

O objeto do maior contrato ganho pela Lua Branca, ao qual o Valor teve acesso, foi a realização de toda a publicidade institucional do governo estadual entre 1º de julho de 2005 e 30 de junho de 2006 - véspera da campanha eleitoral. Pelo contrato, a empresa de Luiz Gonzáles ficou responsável no período pelo "desenvolvimento ou gerenciamento de pesquisas de opinião", "documentação em vídeo ou fotos das atividades do Estado", " distribuição de material e aferição de conteúdos das matérias veiculadas nos meios de comunicação".

Na justificativa para o acréscimo de 25% ao valor inicial do contrato, datada de fevereiro deste ano e assinada por Emerson Figueiredo, um dos ex-homens-fortes da Comunicação nos anos Alckmin, está o enfoque em comunicar aos mais pobres, faixa do eleitorado em que Alckmin tem os piores desempenho nas pequisas. Figueiredo menciona três vezes essa população-alvo. "Observa-se a necessidade de ampliar o conhecimento da população de mais baixa renda da existência dos restaurantes Bom Prato", afirma. Depois: "Como parte da modernização do serviço público com qualidade e levando mais conforto e assistência mais próxima da população de baixa renda, devemos dar publicidade ao Poupatempo Móvel." E, finalmente: "Os Centros de Integração da Cidadania deverão receber apoio de comunicação junto á população mais carente."

Entre as dez licitações que a Lua Branca participou no governo Alckmin, esta foi a única em que saiu vitoriosa. Não houve contestação dos concorrentes e o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo a julgou regular.

O jornalista João Santana, marqueteiro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também teve participação no governo federal. Depois da saída do publicitário Duda Mendonça do governo, em meados de julho de 2005, devido as suas declarações na CPI dos Correios de que recebeu pagamentos pela campanha de 2002 em contas não-declaradas no exterior, Santana foi conduzido ao Planalto pelo então ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Embora isso tenha ocorrido no segundo semestre de 2005, a informação oficial é de que Santana passou a cuidar da imagem de Lula apenas em dois pronunciamentos feitos em cadeia nacional este ano. Não teria sido remunerado, uma vez que seu nome já estava fechado com a direção do PT para coordenar o marketing eleitoral na campanha.

O Planalto nega, mas atribui-se ainda a Santana a regionalização da publicidade institucional do governo federal. Colocado em prática entre o fim de 2005 e o início de 2006, a idéia era mostrar à população as principais realizações da União em cada Estado, com enfoque nas ações sociais e de desenvolvimento econômico. Também teve por escopo evitar a apropriação das obras federais por governos estaduais e municipais, conforme destaca documento interno da Secretaria de Estado de Comunicação Social (Secom): "Nas pesquisas de opinião, são recorrentes os sinais de falta de informação da população a respeito de ações de governo federal nos Estados e municípios. Contribui para essa desinformação o distanciamento físico do governo federal, a descentralização dos recursos e a apropriação dos governos estaduais e municipais de programas cuja origem de recursos são federais. Isso dificulta a compreensão do discurso e afeta sua credibilidade junto à população".

Na esteira do escândalo do mensalão, a produção se iniciou no segundo semestre e foi dividida entre as duas agências responsáveis pela publicidade institucional do governo: Matisse e Lew, Lara. O público-alvo foram homens e mulheres de todas as classes sociais, com ênfase, segundo outro documento interno da Secom, "no público feminino das classes B e C" -fatia do eleitorado em que o presidente Lula tem fraco desempenho eleitoral.

A campanha foi divida em duas etapas. Na primeira, priorizaram-se os Estados com os maiores colégios eleitorais e que fazem oposição ao governo federal. Do PSDB, São Paulo, Minas Gerais, Pará, Goiás e Ceará; do PFL, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro; do PMDB, os oposicionistas Rio Grande do Sul, Distrito Federal e Paraná. Na segunda fase, a regionalização da publicidade ocorreu nos Estados de Alagoas, Amazonas, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins.

Tanto o baiano Santana quanto o paulista Gonzáles dão à eleição presidencial deste ano caráter diferente da vista na disputa de quatro anos atrás. Naquela ocasião, o marketing político dos dois principais candidatos -Lula e José Serra- foi protagonizado por publicitários-celebridades: Duda Mendonça e Nizan Guanaes, respectivamente. Neste ano, ao contrário, o principal cargo em disputa terá por trás dois jornalistas de formação que carregam em comum forte discrição e aversão a entrevistas. Além disso, trazem no currículo difíceis disputas eleitorais. Gonzáles foi o responsável pela histórica vitória de Mário Covas sobre Paulo Maluf em 1998. Santana conduziu Eduardo Duhalde -conhecido por sua falta de carisma- ao Senado argentino.

O paulista é um antigo servidor dos tucanos paulistas. Trabalhou na vitória de Covas em 1994 e 1998, na de Fernando Henrique em 1998, na Alckmin em 2002 e na de Serra ao Senado em 1994 e à prefeitura paulistana, em 2004.

Seu estilo de fazer campanha é estritamente adequado ao perfil político de Alckmin: sóbrio, propositivo, contrário a ataques pessoais. A grande incógnita é se o perfil resistirá à pressão por uma campanha negativa face às recentes pesquisas eleitorais que apontaram o aumento da diferença entre Lula e Alckmin.

Santana deverá substituir a forte carga emotiva que Duda implementou à campanha petista em 2002 por mais conteúdo e balanço da gestão Lula. Em Salvador, é tido como aplicado e adepto de uma estética estilo "elitista" nas campanhas, o que, segundo publicitários baianos, não combina com o perfil político do presidente Lula. (Colaborou Patrick Cruz, de Salvador)


Empenho de prefeitos põe em xeque a estratégia tucana para o Nordeste
Caio Junqueira
De Ribamar Fiquene (MA)
20/07/2006



Antônio Mascarenhas e Hilter Costa são prefeitos pefelistas, nordestinos, administram pequenos municípios e construíram seus patrimônios em atividades agropecuárias. Mais do que isso, são componentes fundamentais na engrenagem estruturada pela coordenação de campanha presidencial do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin para reduzir os 50 pontos que, segundo o Datafolha, o distanciam do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Nordeste do país, onde está um terço do eleitorado brasileiro. A estratégia é utilizar a capilaridade das cerca de 650 cidades que a aliança PSDB-PFL comanda na região para que a campanha presidencial chegue ativa aos prefeitos, o último elo entre o eleitor e o candidato majoritário. E, simultaneamente, aproveitar a pequena representatividade do PT na região, com seus 65 prefeitos.

Para funcionar, porém, é substancial o empenho deles e é aí que as semelhanças entre os dois prefeitos se desfazem. O empresário Hilter Costa, o Ita, é prefeito de Ribamar Fiquene (MA), município com cerca de 7.000 habitantes que encabeça a lista de cidades brasileiras cuja totalidade de recursos provém de transferências dos governos federal, como cotas do Fundef e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), e, em menor grau, estadual, com o ICMS. Essa precária situação será determinante na atuação política de Ita neste ano. Ele personificará tudo o que a coordenação da campanha Alckmin não quer. "Vou cooperar a troco de quê? Para eleger um presidente da República que nunca vai saber quem eu sou e que só vai me dar de recurso aquilo que ele é obrigado constitucionalmente?"

Ita assumiu a prefeitura pela primeira vez em 2000 já ciente do que encontraria, mas ainda assim resolveu encarar o desafio. De pequeno comerciante de suínos, construiu grande patrimônio espalhado em uma fábrica de tijolos e outra de extração de brita, frota de caminhões e 1.800 cabeças de gado que, antes de entrar na política eram 4.000. "Essa diferença foi perdida desde que entrei aqui, mas fui recompensado por outras vias. Antes, sentia que o dinheiro que eu pagava meus impostos não me dava retorno. Hoje tenho esse retorno. Por exemplo, abro estradas por aí na cidade."

Todo seu patrimônio não servirá, todavia, para resolver outro problema: a falta de disponibilidade de recursos dos partidos para os prefeitos. Ele calcula que uma campanha presidencial "de fato" realizada na cidade teria o custo de 400 cabeças de gado -algo em torno de R$ 100 mil. Seria o preço do aluguel do carro de som, do comitê político, confecção de cartazes, contratação de pessoal e combustível. Mas diz que nunca viu dinheiro de partido para campanhas em cidades pequenas e pobres. Não dá voto que valha o custo, segundo ele. "Assim, não tem como o prefeito ajudar. Não temos apoio financeiro nenhum. O grosso do dinheiro deve ir para a campanha na TV. E campanha, até em cidade pequena, tem que ter dinheiro."


A situação financeira enfrentada por Ita também é vivida por Antonio Mascarenhas, prefeito de Santa Bárbara (BA), localidade com aproximadamente 20 mil habitantes que tem 99,4% da sua receita resultantes de transferências. O que muda, porém, em relação a Ita, é sua disposição para a campanha presidencial. "Vamos arregaçar as mangas", afirma este senhor que por 30 anos trabalhou abatendo bois. "Recursos para a campanha nós não temos, mas isso não é impedimento. Vamos sair pelos povoados, reunir os grupos, pedir voto para as pessoas. Movimentar a cidade mesmo."

Essa dedicação segue a linha de raciocínio da articulação tucano-pefelista no Nordeste. Para incrementar seus recursos, os prefeitos dependem primeiramente da ação dos governadores e, depois, dos deputados federais e estaduais. Tendo um presidente da República alinhado ao comando central estadual, esses auxílios podem ser dimensionados e os benefícios disso usufruídos por todos os operários do esquema: prefeitos, deputados e governadores. Os parlamentares entram como importante fator de ajuda nesse empenho esperado, ainda mais ao se considerar que nesse aspecto há outro abismo entre PT e a aliança PFL-PSDB no Nordeste: são 56 deputados federais da aliança contra 16 pró-Lula. Na soma das Assembléias Legislativas, são 111 deputados estaduais contra 29.

"O principal para nós é que nosso grupo político continue em Salvador. Trabalhamos para eles. E se eles precisam que o candidato a presidente deles ganhe, não mediremos esforços para ajudá-los", diz Mascarenhas em seu gabinete, onde, da esquerda para a direita, alinham-se as fotografias do governador Paulo Souto, do ex-governador César Borges e do senador Antonio Carlos Magalhães. É essa fidelidade que a aliança PSDB-PFL espera que seja desenhada no resto do Nordeste. Dos 416 municípios baianos, 390 fazem parte, organicamente, ao grupo de ACM, que conta com mais 21 deputados estaduais e 17 federais. Trata-se, portanto, do Estado em que a tática eleitoral esboçada deva funcionar e servir como modelo aos demais. No entanto, a dúvida dos estrategistas é se haverá esse empenho em amplo nível em todos os Estados nordestinos. "O grande problema nosso no Nordeste é saber se todo esse apoio que a gente tem em tese irá vira campanha de fato", afirma um coordenador da cúpula pefelista.

Um fator impeditivo é a divisão de palanques, caso do Ceará, onde, embora haja o apoio formal de Tasso Jereissati à sucessão do governador tucano Lúcio Alcântara, os prefeitos devem se dividir entre ele e o candidato do PSB, Cid Gomes, irmão do ministro Ciro Gomes. Outro é própria condição de dependência e a falta de perspectiva de melhora. Como o maranhense Ita e o baiano Mascarenhas, outras centenas de pequenas cidades passam sufoco nas finanças. Ribamar Fiquene encabeça um rol junto com outras quinze localidades -onze delas maranhenses- que têm 100% da receita proveniente de transferências. Em todo o país, cerca de 60% dos 5.546 municípios possuem 85% ou mais de suas receitas advindas de transferências. O principal motivo dessa situação foi a constante queda da participação municipal na arrecadação do país. A Constituição de 1988 concedia 19,5% desta arrecadação a eles. Os Estados ficavam com 30% e a União com 49,5%. No final de 2002, após sucessivas alterações na legislação tributária, a cota caiu para 14,5%. De 2003 para cá, parte do montante inicial - 1% - foi recuperado, decorrentes principalmente da nova lei do ISS, que aumentou de 101 para 200 os itens tributáveis, e da distribuição entre Estados e municípios dos recursos advindos da Cide.

Hoje os municípios têm 15,5% da arrecadação, os Estados, 24,5%; e a União, 61%. A cota poderia já ser maior caso o tivesse sido aprovada a minireforma tributária que previa o aumento de um ponto percentual nos recursos do FPM. "O Brasil é uma federação de ponta-cabeça. Toda arrecadação é produzida e paga no município. Todos os programas estaduais e federais são executados pelas prefeituras. Só que a estrutura jurídica faz com que fiquemos com a menor parte disso. A conseqüência é, além da precariedade financeira, uma desmotivação política muito grande, pois não há previsão de melhora. As eleições deste ano mostrarão isso", afirma Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios.



Ocorre que essa falta de perspectiva de bons tempos nas finanças, ao mesmo tempo em que serve de desestímulo, também pode funcionar como moeda de troca contra eles. Isso porque os principais antídotos que os articuladores da campanha Alckmin no Nordeste têm em face de eventuais condutas "rebeldes" dos prefeitos englobam a atuação dos comandos centrais estaduais. Utilizando-se desse alto grau de dependência, a cúpula pretende que os caciques regionais pressionem os prefeitos.

"Nos Estados em que nossos candidatos a governador já estiverem praticamente eleitos, o que medirá seu desempenho na campanha não são somente os votos que receberão, mas também os votos que conseguirem agregar para seu candidato a presidente e ao Senado", afirma um dos integrantes que traçam esse ardil. Assim, considerando-se as últimas pesquisas eleitorais, o único Estado em que isso ocorre é a Bahia, com o governador Paulo Souto. Outra aposta é que, onde houver forte polarização entre situação e oposição, ocorra forte empenho para vencer o inimigo, caso de Sergipe e Piauí.

Esse esforço todo é para que, ao final do dia 1º de outubro, Alckmin diminua à metade a diferença com Lula. A meta esboçada é que ele salte dos atuais 13% para 45% das intenções de votos. Dez pontos, portanto, acima do percentual de 35% que a cúpula do PFL e do PSDB dá como certo de obter. "O eleitorado conservador nordestino nunca ficou abaixo de um terço nas eleições", aposta outro coordenador na região.

PSDB vai preservar 'mito Lula' junto ao eleitor do Bolsa Família
De Santa Bárbara (BA)



O forte empenho pró-Alckmin que a cúpula da campanha tucano-pefelista pretende empreender a prefeitos do Nordeste tem na ponta um outro desafio: como convencer a massa de mais de 5,5 milhões de famílias nordestinas beneficiárias do Bolsa-Família de que vale a pena optar pela mudança e tirar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva da presidência da República. A região é o principal foco do programa, sendo concentrados nela metade dos recursos e das famílias beneficiadas de todo o país.

O primeiro passo para atingir o objetivo é no formato do discurso que esses prefeitos devem ter para ganhar a confiança desses eleitores. Para tanto, a aproximação deverá tratar com ponderação o "mito" que a figura de Lula exerce sobre essas classes sociais no Nordeste brasileiro. "Tem que ter cuidado na abordagem sobre o presidente da República. Não podemos agredi-lo. Vamos preservar um pouco sua imagem e seus defeitos. O mito tem que ser de alguma forma preservado", afirma um dos coordenadores da campanha.

O cuidado faz sentido. Na semana passada, o Valor visitou dez dessas famílias em Santa Bárbara (BA) e em Ribamar Fiquene (MA) e as respostas de todas elas seguem um padrão: o benefício do governo federal influencia seus votos pró-Lula, mas é rejeitada de imediato a tese de que seus votos são comprados com ele. "O programa influencia meu voto sim, mas não me sinto comprada. É como você vir fazer a refeição aqui. Se eu te tratar bem, você vai voltar, não vai? O mesmo com o Lula. Ele nos trata bem, e eu retribuo com meu voto", afirma Verônica dos Santos, 54 anos, dona de um restaurante caseiro na entrada de Ribamar Fiquene. Em Santa Bárbara, a desempregada Marieta Cordeiro de Jesus, de 57 anos diz algo semelhante: "Não me sinto comprada não. Benefício não compra ninguém. Voto vai pelo amor e amizade. E é secreto. Mas se eu não agradecer ele na eleição, vou agradecer quando?"

Passada a abordagem amena, o trabalho a ser feito será o de explorar a expectativa dessas famílias para que suas vidas melhorem. "A idéia é criar expectativas. Mais do que como está, o eleitor quer saber como ficará sua vida", diz esse coordenador. O posicionamento vai de encontro ao que todas as famílias visitadas pedem concomitantemente ao recebimento do benefício: emprego. "Quem diz que nós acomodamos com esse dinheiro não conhece nossa vida. Isso é uma ajuda. E mesmo assim a gente precisa é de trabalho. Só com esse dinheiro a gente não tem como acomodar. Tenho seis filhos. Você acha que dá para viver só com R$ 120 tendo seis filhos?", afirma a lavradora Jocélia Freitas, de 39 anos. Na mesma linha segue Jozélia dos Santos, de 27 anos, sua colega de bairro. Ela vive com o marido e dois filhos em uma casa invadida de dois cômodos. "O benefício pode acabar amanhã. Emprego eu posso ter o resto da vida."

Ao lado desse discurso de aperfeiçoar o Bolsa-Família criando as chamadas portas de saída para os beneficiários, também será trabalhada a versão de que o Bolsa-Família é, na realidade, um programa tucano implementado originário na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que teve apenas o nome alterado pelo governo Lula (CJ)

"Ruralistas e marxistas atrapalharam"
Caio Junqueira
Valor Econômico, 12/06/2006


Embora as políticas de reforma agrária dos governos Fernando Henrique e Lula sejam diferentes, as formas como atuaram com as reivindicações dos movimentos sociais que lutam pela terra no país e a resposta que esses grupos deram a essas políticas fez com que ambos os governos se tornassem reféns.

Essa é uma das conclusões do geógrafo Marco Antonio Mitidiero, professor da Universidade Federal da Paraíba e autor da tese de mestrado "As Contradições da Luta Pela Terra: o caso do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST)", que lhe tomou três anos de pesquisa sobre o grupo que invadiu o Congresso na semana passada.

O desempenho do governo Lula na área, que o especialista reputa de 'grande decepção', é atribuída a dois fatores: a permanência do poder da bancada ruralista e ao choque de visões dos formuladores do governo e do movimento sobre a reforma agrária. A 'concepção marxista' que guia o governo é que o campesinato vai acabar, diz o especialista na entrevista concedida ao Valor:

Valor: No final de sua tese, o senhor diz que a chegada ao poder do PT amenizaria as táticas do MLST. Por que isso não aconteceu?

Marco Antonio Mitidiero: Esses movimentos atuam de forma autônoma, embora tenham nascido juntos e na mesma época que o PT. Há uma identidade com a esquerda, mas não são a mesma coisa e também tem seus conflitos. Claro que há diálogo, mas atuação deliberada entre partido e movimento, não. Fiz o prognóstico de que o processo de reforma agrária seria mais veloz neste governo. Achava que os movimentos atuariam mais na esfera política e as ocupações diminuiriam. Você pode ver que errei.

Valor: Por que?

Mitidiero: O governo Lula nessa área é um fracasso. O número de assentados é menor do que o do governo Sarney.

Valor: Por que o governo de um partido que, historicamente, carregou essa bandeira fracassou?

Mitidiero: Há duas razões. O grande poder que a bancada ruralista tem no Congresso é um. São fortíssimos. Veja o resultado da CPI da Terra. O relatório aprovado não discute questão agrária, apenas criminaliza os sem-terra. A oligarquia rural ainda é muito forte. Além disso, a assessoria agrária do PT, que gira em torno do José Graziano, parte de uma concepção diferente da dos movimentos sociais. Acham que reforma agrária é coisa do passado, que serve apenas como paliativo para alguns focos de conflito, áreas com bolsões de miséria. Graziano é marxista e Marx achava que o campesinato iria acabar e que só existiriam duas classes: proletariado e burguesia. Esse foi o prognóstico que Marx deu. Se o campesinato vai acabar, para que reforma agrária?

Valor: Por isso Bruno Maranhão, em sua tese, diz que a esquerda não se preparou para a reforma?

Mitidiero: Justamente. Devido a essa leitura dogmática contra o camponês. "O campesinato é arcaico, tradicional, atrasado e vai deixar de existir." E a história advoga contra, porque todos os movimentos revolucionários da América Latina foram camponeses. O proletariado nunca fez a revolução.

Valor: Então a diferença entre o que os movimentos sociais querem e o que o governo faz é ideológica?

Mitidiero: O que os movimentos querem é a reestruturação fundiária brasileira. O fim dos latifúndios e da propriedade privada da terra.

Valor: O senhor acha que a forma como o PT chegou ao poder, aliando-se a partidos tradicionalmente contra a reforma agrária, prejudicou?

Mitidiero: Sim. A gama de alianças que o PT travou para estar no poder é um impedimento. Exemplo disso é o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, ícone da luta contra a reforma agrária. Até quem é mais de esquerda, como Graziano, tem concepção ideológica contra. Por isso os movimentos continuaram fortes.

Valor: E apareceram fortemente na semana passada....

Mitidiero: Sim. Porque a reforma agrária não se realiza. Foi um ato de baderna, de quebradeira? Sim. Mas eles existem e estão descontentes. Aquelas famílias que estavam lá são acampados, moram embaixo de lona e estão sujeitos a toda sorte. São vítimas de violências também. Ano passado foram assassinados 73 sem-terra. A sociedade está muito brava porque eles quebraram o Congresso, mas quebrar computador é uma coisa, matar é outra. No começo do ano mataram três lideranças do MLST de Pernambuco no mesmo dia. Vi a foto. O rapaz ficou sem cabeça. Tomou um tiro de calibre 12 no rosto e era pai de família.

Valor: Há diferenças entre o MLST e os outros movimentos?

Mitidiero: Sim, mas pequena. O MLST, como é pequeno, tem uma estrutura de poder mais centralizada em lideranças nacionais, como o Bruno Maranhão. Isso não quer dizer que sejam ditadores. Centralizam para determinar. É um núcleo estratégico que pensa o movimento. Diferente do MST, que é hoje o maior movimento do planeta porque uniu-se na adversidade. É extremamente autônomo e descentralizado. Não é o Stédile que pensa as ações. A base tem autonomia.

Valor: Quais os objetivos da invasão do Congresso?

Mitidiero: O MLST é um movimento pequeno e aquilo foi uma ação para dizer à sociedade: existimos. Hoje o Brasil inteiro sabe quem eles são. Outro aspecto é que estamos em período eleitoral, em que a máquina pública pára e, conseqüentemente, param os processos de desapropriação, de liberação de recursos e de assentamento. O ato teve esse caráter de sacudir a máquina pública.

Valor: A invasão favorece a oposição?

Mitidiero: Com certeza. Foi uma atitude infeliz porque causou repúdio tanto da administração pública quanto da sociedade. E a oposição agora vai tentar fazer a correlação Lula-Bruno Maranhão.

Valor: É certa a correlação?

Mitidiero: De forma alguma. Fiquei trabalhando com eles três anos e não há nenhuma relação do MLST com Lula e o PT. Se houvesse, seria um suicídio. Por mais que o PT venha tendo atitudes burras e mirabolantes, creio que eles não comungariam de uma ação dessas para lesar seu próprio governo. Tenho certeza de que os petistas estão com o cabelo em pé.

Valor: Então o MLST sabia do prejuízo político que isso poderia causar.

Mitidiero: Disso, tenho certeza absoluta. Mas resolveram assumir seu discurso de radicalizar.

Valor: Se o PSDB voltar ao poder, pode-se dizer que a pressão será maior?

Mitidiero: Os movimentos sociais continuarão pressionando enquanto não existir uma política pública sistemática de reforma agrária. Eles pensam apartidariamente. Quem não realizar reforma agrária pode ter a certeza de que sofrerá pressões.

Valor: Quem, afinal, foi melhor na questão agrária? Quais os prós e contras de Lula e FHC nessa área?

Mitidiero: Na academia chamamos a era FHC como a da luta pela terra e não pela reforma agrária. Porque reforma agrária é política pública espontânea e sistemática, e isso não ocorreu. Assistimos naqueles oito anos a eficácia da pressão dos movimentos sociais. FHC assentou mais porque foi refém dos movimentos sociais. No entanto, desenvolveu muitas ações contrárias. Veiculava propaganda enganosa pela televisão. Tinha uma, hilária, que falava de cadastramento pelos Correios. Você ia aos Correios, inscrevia-se e eles te chamavam para dar terra. Teve também medida provisória contra as ocupações. Houve ainda o apoio claro do governo a outros movimentos, que não o MST. Mesmo assim, a luta pela terra foi eficaz e houve muitos assentados. Mas de uma forma precária. Acho que 80% dos assentamentos não tinham energia elétrica, 70% não tinham água encanada. Literalmente, as famílias foram jogadas na terra. É o que chamamos de favelização dos assentamentos. Já o governo Lula foi uma decepção pela expectativa que se criou. Esperávamos um processo de transformação da estrutura fundiária. Chegou a haver a elaboração de um plano nacional feito por cerca de 40 pesquisadores e intelectuais que há muito estudam a questão agrária. Isso foi por água abaixo. Acabou que Lula também ficou refém dos movimentos. Os assentamentos estão sendo feitos onde já existia acampamento. Lula acabou por assumir um discurso de revitalização dos assentamentos do FHC. Houve também muitas liberações para esses assentamentos. O resultado disso a gente ainda vai ver.

Valor: Esses grupos de luta pela terra querem o poder para fazer a reforma agrária ou basta a reforma agrária?

Mitidiero: Não são movimentos que queiram tomar o poder. Nenhum deles tem esse discurso. Fazem parte de um movimento nacional da esquerda que reclama pela transformação do país.

Valor: Mas falam constantemente em reestruturação fundiária e no fim dos latifúndios. Sem tomar o poder, isso é difícil de ocorrer.

Mitidiero: Por isso houve o entusiasmo quando Lula chegou ao poder. Claro, já sabiam que ele não ia acabar com a propriedade privada. Mas se pensou que iria desapropriar latifúndios improdutivos como nunca. E não aconteceu. Então, eles revitalizam esse discurso anti-burguês. Tem que entender que eles fazem parte de um movimento mundial em que ainda persiste a utopia de um mundo mais igualitário. Ocupam terras, mas são contra a Alca, por exemplo.

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