24.10.08

Crise põe em risco promessas de campanha

Caio Junqueira e Marta Watanabe, Valor Econômico, 24/10/2009
De São Paulo

Depois de um primeiro turno que consagrou a reeleição de governantes com receitas em ascensão, a crise financeira que se agravou durante a campanha do segundo turno pôs em risco as propostas mais vistosas dos candidatos a prefeito nos cinco maiores colégios eleitorais que vão às urnas neste domingo. Em São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre os postulantes prometem grandes realizações desconsiderando os impactos que a crise financeira pode vir a ter em suas receitas e nas dos governos estaduais e federais, que em boa parte dos casos embasam as promessas, além da iniciativa privada, também ameaçada pela crise.

Grandes obras viárias, expansão do metrô, congelamento de tarifas de ônibus, escolões, hospitais e reforço e valorização do funcionalismo público foram proposições correntes na campanha do segundo turno. Todas essas propostas foram colocadas nos planos de governo no primeiro semestre deste ano, quase que simultaneamente à elaboração dos orçamentos municipais dentro de perspectivas econômicas otimistas para 2009, com crescimento de PIB de 4,5% e câmbio de R$ 1,71. As novas projeções de mercado a partir do boletim Focus, do Banco Central, porém, apontam para 3,35% de acréscimo do PIB e dólar a R$ 1,87.

As conseqüências imediatas da mudança no cenário econômico são menos recursos a serem aplicados em 2009, principalmente em investimentos, área central das promessas dos candidatos. Nas secretarias de finanças, a crise já começa a chegar. Quatro das grandes capitais que terão segundo turno prevêem para 2009 um crescimento de receitas menor do que a elevação que havia sido estimada nos orçamentos de 2008. Algumas delas já fazem novas projeções de PIB e inflação para o Orçamento que diferem das estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias encaminhada em abril às Câmaras.

O caso que mais chama a atenção é São Paulo, onde a previsão de crescimento do PIB caiu de 4,3% para 3,6%, o que significa menos R$ 3 bilhões para investir. “Há uma defasagem entre as previsões de abril e de setembro, com uma mudança substantiva. Se usássemos os mesmos critérios da LDO, a previsão seria de R$ 32 bilhões, e não de R$ 29 bilhões, como encaminhamos. Estamos trabalhando com um cenário de 2009 ruim”, afirma Walter Aluísio Rodrigues, secretário de Finanças do prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, Gilberto Kassab (DEM). Ele refuta, porém, a idéia de queda de receita. Afirma que o que ocorre é apenas uma “diminuição do ritmo de crescimento”.

Em Belo Horizonte, o secretário de Finanças, José Afonso Beltrão da Silva, afirma que uma reavaliação de rotina do Orçamento de R$ 6,1 bilhões, o maior da história da cidade, está programada para o fim de novembro. “O que vai valer efetivamente para nós, do que estamos esperando receber em 2009, é na reunião da junta orçamentária. É aí é que vamos ver se as projeções que vamos fazer estarão diferentes do cenário”, diz. Entretanto, já prevê que em um cenário de crise os R$ 500 milhões de investimentos seriam os primeiros recursos a serem comprometidos, nos quais se incluem pequenas obras viárias sugeridas a partir das audiências do Orçamento Participativo — uma das vitrines da gestão de Fernando Pimentel (PT) e de seu candidato, Márcio Lacerda (PSB).

Tanto em um caso quanto em outro há a expectativa de que 2009 se inicie com contingenciamento de caixa, algo já adotado desde 2005 em São Paulo e que seria uma novidade em Belo Horizonte. Na capital paulista, desde que José Serra (PSDB) assumiu o expediente é utilizado. Uma avaliação da execução orçamentária por secretaria da gestão Serra-Kassab aponta que as áreas que costumam sofrer maior aperto são as sociais e de obras. Em 2005, ano com maior aperto da gestão, a secretaria de assistência social teve liquidados 34,6% do Orçamento previsto e a de infra-estrutura e obras, 31,7%. No ano seguinte, a secretaria do Trabalho teve 42,2% dos recursos contingenciados, e a de infra-estrutura 40,8%. A Secretaria de Finanças informou que esses cortes foram feitos após um congelamento linear em todas as áreas e “observando sempre a projeção da receita e o ritmo de execução dos gastos”. Para a candidata Marta Suplicy (PT), a prioridade deve ser “preservar as atividades que atendem à população que mais tem necessidade de serviços públicos” e cortar “investimentos ou obras não emergenciais”.

Em Porto Alegre, o contingenciamento, normalmente de 20%, segundo Clóvis Magalhães, coordenador de campanha do atual prefeito da capital gaúcha, José Fogaça (PMDB), também pode vir a ser ampliado. “É natural que façamos uma readequação orçamentária face aos efeitos da crise”, reconheceu. Já na campanha adversária, da candidata do PT, Maria do Rosário, o coordenador, Ubiratan de Souza, apesar de confirmar que haverá uma revisão orçamentária, considera baixo o percentual de investimentos da gestão atual, o que possibilitaria, mesmo com a crise financeira, um aumento de recursos neste item.

O Legislativo municipal também será envolvido nas readequações orçamentárias. “Aguardamos o resultado do segundo turno para efetivar as audiências públicas com secretaria de finanças, e possível equipe de transição. Se for o entendimento do Executivo, é salutar reavaliar as projeções”, afirma Sami Jorge (DEM), presidente da Comissão de Finanças da Câmara do Rio de Janeiro. Na capital fluminense, a vereadora Aspásia Camargo (PV), do mesmo partido do candidato à Prefeitura, Fernando Gabeira, diz que várias das receitas do Orçamento do Rio não devem se concretizar no próximo ano. Entre elas, a receita prevista de R$ 2,67 bilhões de ISS e R$ 1,27 bilhão em IPTU. Para ela, a redução das receitas e o impacto da desvalorização cambial para as dívidas em dólar deverá dificultar cumprir o superávit de R$ 747 milhões.

A vereadora, que foi presidente do Ipea, resiste em dizer que o quadro pode provocar corte de investimentos. Ela acredita que será possível equilibrar as contas com corte de despesas, principalmente em custeio, com redução de cargos em comissão e maior racionalização nos programas e gastos municipais. “Além disso podem ser implantadas políticas para aumento de receita por meio de atração de empresas, principalmente para a modernização de serviços da cidade”, diz. Além das capitais, a crise ameaça o conjunto das cidades brasileiras.

“Ainda não há como medir os efeitos, mas o cenário é preocupante”, diz Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Ele explica que um eventual desaquecimento econômico deve afetar todos os 5.546 municípios. Nas capitais e grandes cidades, pode significar redução de arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS), principal tributo das prefeituras com forte arrecadação própria. Os municípios menores, com alta dependência dos repasses obrigatórios dos Estados e da União, também devem ser afetados porque a fonte das transferências são tributos que também poderão sofrer queda de arrecadação. As transferências, somadas ao ISS, representam praticamente metade do total de receitas correntes das prefeituras.

Em 2008, a estimativa da CNM é de que essas fontes de receitas somem perto R$ 121 bilhões, o que significa uma elevação de 18,6% nominais em relação ao ano passado.Para Amir Khair, especialista em contas públicas e ex-secretário de Finanças da prefeitura de Luiza Erundina, em São Paulo, um dos primeiros impactos que os municípios irão sentir em 2009 deverá ficar por conta do repasse da União, via Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O fundo tem como base o Imposto de Renda, tributo pago pelas empresas sobre a rentabilidade, índice que pode cair antes que a crise na economia real afete o nível de consumo. “Os lucros das empresas já estão sendo afetados pela crise financeira. O crédito já escasso e mais caro reduzirá rapidamente o de lucro das empresas”, diz. Com isso, os novos prefeitos já poderão receber níveis bem menores de repasses da União já no primeiro período de sua gestão.

Caso a crise também seja forte na economia real, com queda no nível de consumo da população, os municípios também sentirão a redução nos valores de distribuição da sua parte no ICMS recolhido pelos Estados. Atualmente 25% do ICMS arrecadado com o imposto é transferido aos municípios. O repasse de ICMS, diz Ziulkoski, é a principal transferência obrigatória às prefeituras. Neste ano esse repasse deve atingir R$ 55 bilhões, segundo cálculos da CNM. A transferência pelo fundo da União deve atingir R$ 43 bilhões. Khair lembra que, mesmo numa perspectiva de cenário adverso, as prefeituras não têm muito interesse em corrigir totalmente os valores de orçamento.

Com previsão de receitas um pouco mais altas, os administradores garantem para o decorrer do ano seguinte um valor maior de margem de suplementação. “Ou seja, o percentual do orçamento que pode ser realocado livremente pelo Executivo sem autorização da Câmara dos vereadores.” Isso é especialmente verdadeiro nos municípios nos quais o prefeito atual tenta reeleição ou ainda pode reeleger quem apóia. É o caso de quatro das cinco grandes capitais que terão segundo turno. A renovação da estrutura de governo e a adaptação a um cenário de desaquecimento econômico é mais viável nos locais onde acontecerá troca de prefeitos. Considerando o consolidado dos municípios, isso acontecerá com dois terços da administração. “Esses novos prefeitos precisarão aproveitar a posse para recompor a gestão porque poderão sentir a queda de crescimento de receitas logo nos primeiros meses”, diz Ziulkoski. Ele acredita, porém, que o corte será um desafio para alguns administradores.“O gasto com pessoal não pode ser eliminado de uma hora para outra no setor público e esse dispêndio é significativo, com participação média de 44,5% nas despesas totais, fora a destinação obrigatória para a saúde e a educação”, esclarece. (Colaborou Gulherme Manechini)

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