10.10.08

Migrante determina voto em pólo de etanol

Caio Junqueira , Valor Econômico, 29/09/2008
De Serrana

A estudante pede aos passageiros que comprem rifas para os formandos do colégio estadual “Jardim das Rosas”. A manicure vende creminhos de embelezamento da Avon. O motorista é alertado para não esperar pela Neusa porque “Seu Barbosa morreu”. O jovem sofre uma queda de pressão, pois tomara apenas uma xícara de café pela manhã. Basta, porém, esperar alguns minutos para que as eleições de domingo sejam o assunto principal na van que no dia que inaugura a primavera parte para a curta viagem de Serrana a Ribeirão Preto. Nela se acomodam vinte e seis pessoas, a maioria mulheres, que diariamente viajam os vinte quilômetros da rodovia que separam as duas cidades em meio a paisagem canavieira que cada vez mais marca o nordeste paulista.

O fluxo diário de pessoas que esta e outras dezenas de vans realizam é considerada relevante arma política pelos postulantes a cargos públicos em Serrana , que pagam em média R$ 20 a alguns cabos eleitorais para direcionarem as conversas a seu favor ou, sendo um dia em que a política ainda não despertou o interesse dos passageiros, tomarem a iniciativa do assunto. A opção pelas vans também revela outra face na disputa pelos votos locais. São nelas que se concentram boa parte dos migrantes nordestinos e seus descendentes que compõem os mais de 60% dos seus 38 mil habitantes e 28 mil eleitores de Serrana .

Com duas antigas usinas sucroalcoleiras, Pedra e Nova União, Serrana assiste dos anos 70 para cá uma transformação demográfica pela presença migrante com grandes efeitos no seu quadro político-eleitoral. Compõem a cena política local um clã de políticos descendentes de migrantes, a entrada de mineiros do carente Vale do Jequitinhonha atraídos por promessas eleitorais e a transferência de títulos eleitorais às vésperas da data limite em troca de trabalho e aluguéis. São campanhas com viradas eleitorais de última hora por declarações consideradas ofensivas e com chapas em que os migrantes são mantidos como coadjuvantes.

“São os migrantes que elegem todo mundo aqui”, diz o ex-prefeito por dois mandatos e atual candidato a vereador Luiz Paturi (PMDB). Jaqueta do Santos nas costas, auto-intitulado “macaco velho da política” e “botequeiro”— “gosto de fazer campanha no bar”— tem, em frente à sede do único veículo de comunicação da cidade, a rádio “A Voz de Serrana ”, da qual é dono, uma espécie de comitê eleitoral por onde circulam seus eleitores: o simples bar Serra Azul. Nos vinte minutos de conversa, pelo menos três deles, com a cara vermelha e inchada do etanol não-combustível que consumiram, pedem-lhe mais uma dose. “Pega lá dentro, pega lá”, diz.

Paturi é apontado pelos moradores como o grande incentivador da migração mineira na cidade, principalmente os que vêm de Montalvânia, no norte de Minas, divisa com a Bahia. Foi a partir de sua primeira eleição para prefeito em 1988 que o fluxo do Jequitinhonha se intensificou na cidade, atraídos com garantia de emprego e terrenos, segundo os moradores. Ele não confirma nem nega. Copo de cerveja à mão, desconversa. O santista disputará umas das nove vagas da Câmara, atualmente composta por quatro migrantes, três deles do Norte de Minas e um do Piauí. Todos vivem na cidade há anos e compõem o grupo de migrantes já fixados na cidade, em contraposição aos migrantes que moram na cidade na safra de cana, entre maio e novembro, e os serranenses “natos”, descendentes de imigrantes italianos, espanhóis e portugueses.

A equiparação numérica na Câmara dos Vereadores dos “de fora” em comparação com os “de dentro” é um sinal da força do voto migrante, já que suas candidaturas costumam ser minoritárias. Neste ano, pelo menos 31 dos 145 candidatos são de fora, sendo a maior parte do Piauí (10) e do norte de Minas (15). A contabilidade deve ser maior, já que não incluiu os filhos de migrantes nascidos na cidade. E não é só o fato de disputarem o mesmo público que torna a campanha mais acirrada. As características do eleitor migrante, apontado pelos candidatos como assistencialistas, acabam influenciando no modo de se fazer a política local.

Nascido em São Raimundo Nonato, localizada no semi-árido piauiense e até hoje o principal ponto emissor de moradores para Serrana , o vereador Dewilson dos Reis (PV), o popular Deú, analisa essas características. “É um eleitor que gosta de ser ajudado pessoalmente. Pede passagem, habilitação, gás, pede tudo. Até quem não precisa pede. Eles são caros, caríssimos”, diz ele, que calcula ter sido eleito em 2004 com 90% do voto nordestino, mas que esse apoio deve ter caído para 20%. Outro desses vereadores também reclama: “Eles buscam só isso: assistencialismo. Saco de cimento, consertos. Isso vem do próprio Lula, que ensinou eles a se contentar com pouco”, diz o vereador Nelson Ferreira (PPS), natural de Marilândia (MG), e morador local desde 1972.

Apesar das críticas, as campanhas dos principais candidatos a vereador se faz, de alguma maneira, por meio de ajudas e prestação de serviços a esse público. Deú participa de um mutirão de pedreiros que constrói pequenas casas para a população carente. Jovem (DEM) é eletricista e presta serviços gratuitos a quem o pede. José Augusto (PPS) é ligado ao sindicato dos trabalhadores rurais. Muitos eleitores acabam transferindo o título eleitoral mediante serviços como esses ou outras promessas. Neste ano, até a data limite para a mudança de domicílio eleitoral, 755 eleitores fizeram a alteração, sendo 146 do Piauí, 129 de Minas Gerais, 56 da Bahia, 29 de Pernambuco.

Embora nesta época haja a preocupação com os votos, o debate sobre migrantes passa ao largo da Câmara em anos não-eleitorais: nem eles freqüentam as sessões da Casa, nem há projetos específicos a eles destinados. Isso também ocorre com as candidaturas a prefeito, onde o tema migração não é tratado de forma direta. Ocorre apenas residualmente, nas abordagens feitas sobre a saturação da rede municipal de saúde e o baixo desempenho escolar nas avaliações do Ministério da Educação.

A principal causa apontada para isso é a migração sazonal de cerca de 10 mil trabalhadores da cana, uma vez que muitos parentes de migrantes vêm ao município tão somente para utilizar os serviços de saúde, piores em seus Estados de origem, e outros tantos vêm com filhos para estudar nas escolas municipais, o que pressiona a oferta de serviços públicos. Entretanto, a causa apontada —a migração— não é publicamente tratada no debate eleitoral. Um motivo é que isso acabe por atrair mais migrantes e agravar os problemas. Outro é evitar um sectarismo que poderá afundar uma candidatura.

“O discurso focado nos migrantes é um pântano desconhecido. De repente como o adversário usa isso e você perde a eleição. Além disso, a maioria dos migrantes já estão incorporados na cidade há anos. Os problemas da cidade são de toda a população”, afirma o médico Nelson Cavalheiro, candidato do PT neste ano e favorito na disputa. Serranense “nato”, neto do emancipador do município, ele lembra episódio das últimas eleições em que o candidato considerado mais forte perdeu as eleições nos últimos dias depois que deu declarações que os adversários distorceram.

Trata-se de Antonio Aparecido Rosa, o “Cidão”, ex-trabalhador rural e ex-dono de boteco, falecido em julho vítima de diabete e que fora prefeito entre 1982 e 1988 e depois entre 1993 e 1996. Foi um fenômeno político em seu tempo, por ter sido o primeiro a agregar os migrantes em uma candidatura majoritária. Embora paulista de Ipuá, seus pais eram “de fora”. Sua mãe inclusive, Deolinda Rosa, dá o nome à principal avenida de Serrana . Seu primeiro mandato, entre 1983 e 1988, transformou a cidade com escolas, asfalto, avenidas, e casas populares cujas desapropriações de terrenos que a viabilizaram endividaram a cidade. Em 2004, em uma entrevista à rádio local, declarou que ajudaria os migrantes que desembarcassem na cidade sem emprego a retornassem às suas cidades de origem. Foi a senha para que seus adversários o acusassem de preconceituoso, o que o levou a amargar um terceiro lugar em uma eleição antes considerada ganha.

A derrota, porém, não foi obstáculo para que sua força política se mantivesse. Na cidade formou-se um pequeno clã ligado a ele que se mantém forte na política e tem braços no comércio: possui uma imobiliária, mercados e desfila com carrões. Todos, todavia, são avessos a entrevistas e despistam jornalistas com a mesma habilidade que tentam fazer política. Valmir Rosa, o “filho do Cidão”, de 28 anos, tenta o terceiro mandato de vereador, depois de presidir a Câmara Municipal por duas vezes em mandatos de opositores e conseguir articular a colocação de um busto do pai na entrada. Pedro Vittorino, o “cunhado do Cidão”, também tenta uma vaga, ao passo que sua mulher, a viúva “Cida do Cidão”, estréia na política como candidata a vice em uma composição com um antigo rival, Tonhão, do DEM.

Essa, aliás, é outra característica que marca as campanhas majoritárias serranenses. Se na formação da chapa para a Câmara se busca o maior número possível de migrantes, para a prefeitura o que se faz é articular para que eles não saiam. “Sempre há um cuidado com quem comanda a política aqui para não deixar o pessoal de fora mandar na cidade. É até contraditório, porque para as proporcionais todos os partidos querem ter candidatos migrantes a vereador”, afirma Neusa Carlos (PSDC), que encabeça uma das duas chapas, entre seis, com candidatos a vice oriundos de outros Estados. Seu vice é de Lago da Pedra, no Maranhão. Esse receio é explicável pelo próprio histórico de uma cidade governada no início por descendentes de imigrantes europeus, dentre os quais integrantes da família Biagi, dona da usina da Pedra. É unânime a avaliação de que, mais cedo ou mais tarde, um migrante será alçado a chefe do Executivo. “O dia que descobrirem a força que têm, elegem o prefeito”, diz Nelson Cavalheiro, que pretende, se eleito, montar uma feira permanente de produtos de migrantes na cidade. Talvez o único projeto de todos os candidatos específico para essa população.

Nenhum comentário: