9.3.09

Radiohead contra o capital

Caio Junqueira, De Sao Paulo, Valor Economico, 06/03/2009


"We are the dollars and cents
and the pounds and pence.
we gonna crush your little soul.
crush you little soul.""

Em 2001, a banda britânica Radiohead, uma das mais cultuadas da atualidade, lançou um álbum com a canção "Dollar and Cents", cujos versos reproduzidos acima são dos mais significativos na crítica que os cinco músicos de Oxford costumam fazer à indústria fonográfica e sua lógica capitalista. Mas foi em 2007 e na forma de distribuição de seu último álbum, "In Rainbows", que o grupo deu seu golpe nas grandes gravadoras: permitiu que cada fã pagasse o quanto quisesse pelo download das músicas via internet. O resultado financeiro da operação não foi divulgado oficialmente. A banda só relatou desempenho superior em relação às vendas anteriores.

O grupo que se apresenta no Brasil nos dias 20 e 22 já vendeu mais de 25 milhões de discos: em cada apresentação, público deverá ser de 30 mil pessoas. O que chama a atenção na trajetória do Radiohead, que já vendeu mais de 25 milhões de discos, é sua ambígua relação com os modos de produção da indústria cultural. Até consolidar sua legião de fãs pelo planeta, o grupo que se apresenta no Brasil nos dias 20 e 22, contou com a estrutura pesada de uma das maiores gravadoras do mundo, a EMI. Como, então, quem cresceu nas mãos de um símbolo do capitalismo passou a dar-lhes as costas conforme o sucesso de público e de crítica foi se consolidando?

"Interesses capitalistas fizeram do Radiohead um fenômeno internacional, e o capitalismo deu ao Radiohead uma plataforma para ajudar a remover a exploração capitalista", responde Joseph Tate, Ph.D. em literatura inglesa pela Universidade de Washignton e autor de um dos ensaios do livro "Radiohead and Philosophy" (Open Court, 288 págs.), que terá lançamento mundial no mês que vem.

De linhagem marxista, Tate avalia que o Radiohead vendeu livremente o seu álbum para poder reinvestir mais dinheiro -sem o lucro dos intermediários - na produção de um novo álbum, que se vê mais livre das pressões de tempo e de formato musical da indústria. "Lançar um álbum sem contrato com uma gravadora permitiu a eles se afastarem dos métodos tradicionais de distribuição de música, em que há um intermediário entre o músico e o ouvinte lucrando à custa tanto do músico quanto do ouvinte. A internet evitou a necessidade desse atravessador", disse Tate ao Valor.

Fora dos estúdios, a banda também tem protagonizado atos antimercado: desconsiderou a todo-poderosa SFX - de um conglomerado multimídia proprietário de mais de 1.200 estações de rádio no país -, ao fazer sua turnê nos EUA e decidiu promover livros da ativista canadense Naomi Klein, autora de "Sem Logo - A Tirania das Marcas em um Planeta Vendido", a coqueluche dos críticos da globalização.

Desde quando assinou seu primeiro contrato com a EMI, em dezembro de 1991, os conflitos, as críticas e as insatisfações do grupo com as pressões da multinacional cresceram ao mesmo tempo em que cada lançamento da banda e suas músicas ocupavam as primeiras colocações em vendas e em execução nas rádios. "É a banda levada mais a sério do que qualquer outra desde os Beatles", escreveu Alex Ross, o principal crítico de música da revista "The New Yorker", em longo perfil publicado em 2001.

"In Rainbows", cuja turnê passa primeiro pelo Rio, na praça da Apoteose, e depois em São Paulo, na Chácara do Jockey, é o sétimo trabalho da banda, que em cada álbum apresenta características próprias. É nítida, por exemplo, a passagem do indie rock básico para um experimentalismo que mixa rock, jazz, eletrônico, música clássica e um aparato de sons digitais.

Em boa parte das canções do Radiohead, que em cada show no Brasil deve ter um público de 30 mil pessoas, a angústia transpassa a voz do líder Thom Yorke, uma metáfora do diminuto poder dos homens perante as máquinas. Nos dois primeiros álbuns, "Pablo Honey" (1993) e "The Bends" (1995), as músicas focam neste dilema, acumulando tensão e libertação, quase sempre falando de relacionamentos ou de sua ausência. No espaço de dois anos de lançamento entre um álbum e outro, já se percebe um apuro maior na concepção do segundo e uma fuga das influências de Pixies e Nirvana evidentes no primeiro disco: voz e guitarra limpas são impactadas por uma estrondosa guitarra distorcida. Além dos vocais de Yorke, a banda é formada pelos guitarristas Jonny Greenwood e Ed O'Brien, pelo baixista Colin Greenwood e pelo baterista Phil Selway.
Os músicos, que se conheceram numa escola pública só para rapazes, amadureceram na cena musical mundial com o terceiro trabalho, "OK Computer" (1997). Aclamado como um dos álbuns-marco da história do rock, o álbum captou o estresse da era da informação, o medo da tecnologia, o receio da chegada do novo milênio. Isso tudo nas três fortes guitarras com variados sons digitais, vindos principalmente do telecaster de Greenwood. Além, claro, de letras impactantes.

Em "Fittier, Happier", uma voz computadorizada, parecida com a de um robô, faz um monólogo com recomendações para uma vida melhor, como "mais magro, mais feliz, mais produtivo, confortável, não beber demais, exercícios regulares na academia, três vezes por semana, motorista mais paciente, bebê sorrindo no banco traseiro" e, em uma crescente sonora, finaliza com "um porco em uma gaiola à base de antibióticos".

Foi nesse álbum que se consolidou como uma banda autoral. A turnê que se seguiu ao lançamento dele foi registrada no documentário "Meeting People Is Easy" (1998), também incomum para um vídeo sobre uma banda: há imagens coladas, músicas que terminam antes do fim, entrevistas com imagens sobrepostas. E, claro, alusões à interferência capitalista no cotidiano das pessoas, como a de um casal se beijando à noite ao lado de um banco 24 horas e a imagem também noturna do topo de dois prédios: um deles, uma provável igreja, com uma cruz, tendo ao lado o outro prédio com o símbolo giratório da Mercedes-Benz. O filme foi indicado para o Grammy de 2000.

No mesmo ano foi lançado "Kid A", que chegou a pôr em xeque o rótulo de "banda de rock" do Radiohead, tamanha a valorização de ritmos leves, a substituição de instrumentos por sons computadorizados e o pouco, quase ausente, espaço concedido à voz de Yorke. À contragosto da EMI, os músicos quase não promoveram os álbuns, diminuindo aparições em público, entrevistas e fotografias. Na época, Yorke justificou: "Não estamos interessados em ser celebridades, mas os outros parecem ter planos diferentes para nós."

"Kid A" inspirou o primeiro dos 12 ensaios publicados no livro "The Art and the Music of Radiohead" (Ashgate, 210 págs), intitulado "Kid Adorno", em que o autor, Curtis White, professor de inglês da Universidade de Illinois, relaciona a produção da banda à teoria crítica da indústria cultural escrita pelo filósofo Theodor Adorno.

"A lógica de Adorno leva à conclusão de que a arte só pode acontecer em um contexto de falta de liberdade. Arte é uma resposta à repressão. Para ele, a ideia de que a luta pela espontaneidade estava sendo travada dentro da cultura pop teria sido a garantia de seu fracasso."

No álbum seguinte, "Amnesiac" (2001), que traz a canção "Dollar and Cents", constata-se o mesmo caráter antipop de "Kid A". Não à toa, já que ambos foram gravados durante as mesmas sessões, embora o segundo aparente ser mais complexo, com maior número de frases compridas.

O sentimento expressado, porém, é o mesmo: a sensação de estar perdido e sem orientação. Algo reforçado pela iconografia do artista Stanley Donwood, presente nos álbuns: mapas de ruas fragmentados, prédios em chamas, arranha-céus vistos de baixo para cima, entrelaçados a cabos elétricos. Donwood, aliás, acompanha a banda desde 1995, fazendo o trabalho visual conectado ao significado das músicas da banda.

"Hail to the Thief" (2003) reflete um pouco de todos os álbuns. A experimentação eletrônica continua, mas as guitarras voltam com ritmos variados. É também o álbum cujo nome -"Saudemos o Ladrão"- é atribuído à polêmica eleição de George Bush em 2000. No último álbum, "In Rainbows", as músicas seguem a linha de "Hail", com a mescla de todos os tipos de som.

À exceção do primeiro àlbum, o Radiohead foi constante em assumir riscos de inovações musicais
mediante as pressões da gravadora por um produto final mais rápido e mais comercial. O resultado, porém, é uma banda que buscou na evolução do seu trabalho o melhor meio para enfrentar a indústria fonográfica, confiando no seu público cativo e apaixonado pelo resultado positivo de suas inovações. Sobre esses riscos falou Yorke em uma entrevista: "De repente você tem dinheiro e, se se acostumar a esse estilo de vida, não pretende assumir nenhum risco. Você não quer assumir riscos porque gosta dessa vida. O medo de perder o dinheiro se torna um medo de assumir riscos."

A apresentação do Radiohead no Brasil fará parte do Just a Fest, festival que ainda conta com a apresentação dos alemães do Kraftwerk e com a apresentação especial dos Los Hermanos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caju, a reportagem tá muito legal! Parabéns. E te vejo no show dia 22. Beijos, MiniMimas