21.9.10

Destino da Celg sela disputa pelo governo de Goiás

Caio Junqueira, De Goiânia, Valor Econômico, 10/09/2010

O maior eleitor de Goiás não vota. Tem 56 anos, está afundado em dívidas e virou o principal assunto das eleições estaduais. Também não vê, não fala e não anda, embora todos os olhares, vozes e passos dos três principais candidatos ao governo do Estado apontem para ele. Com dívidas de R$ 4,1 bilhões, oito vezes maior que o patrimônio líquido da empresa, a Centrais Elétricas de Goiás (Celg) é a estatal cujo destino pode decidir a sucessão estadual neste ano.

As duas maiores lideranças políticas goianas dos últimos 20 anos estão na disputa: o senador Marconi Perillo (PSDB), governador entre 1999 e 2006 sob o slogan "Tempo Novo", uma alusão à nova era que viria na política regional com a derrota que impôs a Iris Rezende, então o político mais poderoso do Estado e contra quem reedita agora o embate de 1998. Por fora corre o candidato governista Vanderlan Cardoso (PR), um bem-sucedido empresário do setor alimentício eleito prefeito da pequena Senador Canedo, na região metropolitana de Goiânia. Reeleito em 2008, busca se posicionar como a "terceira via" e firmar-se como um candidato "gerente".

Os três estão atentos à intrincada engenharia político-financeira que tem por objetivo drenar alguns bilhões de reais da União para o caixa da Celg e do governo do Estado. Tendo em vista o volume de recursos em negociação para salvá-la - R$ 3,7 bilhões -, os três grupos se envolveram em uma disputa diária em defesa da melhor equação de entrada desse dinheiro nos cofres públicos goianos.

Cardoso torce para que o seu principal cabo eleitoral, o governador Alcides Rodrigues (PP), conclua a negociação antes do primeiro turno, o que abriria espaço para colar na atual gestão o título de salvadora da Celg, e capitalizar votos para o candidato oficial, além de poder atrair o apoio de boa parte dos 246 prefeitos do Estado.

Isso porque a parte da primeira parcela do empréstimo seria destinada a um acerto de contas de ICMS devido pela Celg ao Estado, que repassaria automaticamente aos municípios a cota-parte que a legislação lhe obriga. Em terceiro lugar nas intenções de voto, com 5% segundo o Ibope, os recursos poderiam ajudar a alavancar Cardoso e a conter a debandada de prefeitos aliados que rumam para a candidatura tucana, atualmente a favorita na sucessão.



Receoso com o efeito eleitoral do acordo, Marconi Perillo, com 45% no Ibope, articulou para que seus deputados estaduais alterassem o projeto para que a primeira parcela caísse diretamente nas contas da Celg, evitando, assim, que dela decorram eventuais efeitos eleitorais pró-governo.

Em 24 de agosto, com o apoio do PMDB de Iris Rezende, os oposicionistas conseguiram alterar o projeto na Assembleia Legislativa por 25 votos a 1, de modo que a primeira parcela do empréstimo fosse diretamente para a Celg. O governador, então, tratou de ir mais uma vez a Brasília para articular uma nova saída.

Foi mais um encontro com a cúpula do governo federal, dentre os tantos ocorridos desde sua vitória nas urnas há quatro anos. Tido como um vice-governador discreto de Perillo entre 1999 e 2006, Alcides Rodrigues elegeu-se com o apoio do tucano mas desde o início de seu governo buscou a aproximação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que revoltou seu antecessor.

Naquela altura, Marconi já era um dos principais inimigos dos petistas do alto escalão do governo federal, devido às suas declarações públicas de que alertara Lula sobre o que seria depois conhecido do público como "escândalo do mensalão". O aviso teria ocorrido dentro de um carro em Rio Verde (GO), no trajeto que ambos fizeram até um evento, em 2004. Ali, Marconi teria informado Lula de que deputados da base governista estavam assediando a deputada Raquel Teixeira (PSDB) para votar com o governo em troca de auxílio financeiro. O escândalo veio à tona em junho de 2005, Marconi tornou público o episódio e Lula o declarou seu inimigo, embora nunca tenha dado sua versão do ocorrido.

Em razão disso, aproximar-se de Rodrigues não era má ideia para Lula, muito menos dar-lhe condições financeiras para caminhar com as próprias pernas e descolar-se de Marconi. Da parte do governador, a aliança com o presidente era importante pela alegada necessidade de ajuste financeiro nas contas do Estado.

Seu grupo alega que recebeu um Estado quebrado de Perillo, que teria promovido uma farra fiscal e diversas irregularidade orçamentárias. Tanto que a principal vitrine divulgada pelo governador é a do equilíbrio das contas públicas, que seria coroada com o acerto final da Celg.

Os tucanos contestam. Afirmam que todas as contas dos oito anos do "Tempo Novo" foram aprovadas pela Assembleia e pelo Tribunal de Contas e que Rodrigues busca razões no antecessor "para justificar a própria incompetência". Para provar isso, Perillo articulou sua maioria na Assembleia para promover duas CPIs, a "da Celg" e a "do endividamento".

A primeira, basicamente, mostrou que todos os governos estaduais desde 1982 têm culpa pela atual situação da estatal, uns mais, outros menos. Os do PMDB, Iris Rezende (1983-1987 e 1991-1995), Henrique Santillo (1987-1991) e Maguito Vilela (1995-1999); os dois de Perillo (1999-2003 e 2003-2007).

A segunda concluiu não ser possível "admitir a existência de um déficit, seja orçamentário, seja financeiro, na passagem do governo de Marconi Perillo para o de Alcides Rodrigues", o que gerou protesto do segundo pela forma como foi conduzida a comissão.

As CPIs acirraram a cisão do governador com Perillo e alimentaram sua aliança com Lula, que abraçou a causa da Celg e a utilizou para atacar o tucano. Em 13 de agosto de 2009, anunciou em discurso em Goiânia um acordo que salvaria a companhia, o que não ocorreu. Em seguida, atacou Perillo, sem citar nomes: "Faço questão de dizer aqui: quem quebrou a Celg? Isso eu faço questão de saber. Quem é que afundou essa empresa?"

E completou, ao referir-se a obras na BR-060, que ficou "sabendo que tem um outro moço que foi a Brasília reivindicar, para dizer que quem tinha reivindicado a obra era ele [Perillo]. Eu quero dizer que a obra não foi reivindicada por ele, porque se ele gostasse tanto dessa obra, ele que foi governador oito anos poderia ter feito".

Sábado, no primeiro comício do ano em terras goianas, Lula voltou a falar da Celg e a atacar Perillo: "Um tal senador que é candidato a governador, vocês sabem o que [ele] fez com a Celg. Até hoje não foi explicado como é que a Celg quebrou. E nós estamos trabalhando há mais de quatro anos para consertar a Celg e resolvemos emprestar dinheiro para que volte a funcionar corretamente e ele colocou os deputados dele para votar contra o acordo que a gente tinha feito para ajudar o Estado de Goiás".

Realizado em Valparaíso de Goiás, o local do ato político que teve também Dilma e seu vice, Michel Temer (PMDB), no palanque, tem valor estratégico para a campanha de Iris Rezende, uma vez que a cidade é um dos polos da região denominada Entorno do Distrito Federal. Com 16% do eleitorado goiano, a região apresenta nas últimas duas décadas crescimento populacional vertiginoso com muitos migrantes, que pouco conhecem Iris Rezende, mas são maciçamente lulistas.

O pemedebista é mais forte em Goiânia, onde renasceu politicamente prefeito em 2004 e foi reeleito em primeiro turno em 2008. Personalista e com discurso recorrente ao "povo" goiano, o candidato afirma que "era dever colocar meu nome à apreciação do povo diante do descalabro que se encontra o Estado" e que "não tem um político do Estado mais comprometido com o povo de Goiás do que eu". Deixou a prefeitura nas mãos do vice petista e, pela primeira vez, uniu o PT em torno de sua candidatura, já que durante toda a história política estiveram em lados opostos.

Com 34% no Ibope, seu alvo principal é Perillo, o favorito, que atua para vencer no primeiro turno e evitar o embate direto contra Lula e Dilma no segundo turno. Se o tucano ganhar no dia 3 de outubro, deve ser o único na história goiana a se eleger contra o presidente da República, o governo do Estado, a Prefeitura de Goiânia e os cinco maiores colégios eleitorais do Estado: Goiânia, Aparecida de Goiânia, Anápolis, Jataí e Catalão.

Sua chapa reedita a composição vitoriosa de 2002, com Demóstenes Torres (DEM) e Lúcia Vânia (PSDB) buscando a reeleição. Seu discurso incorpora as tradicionais bandeiras tucanas, como eficiência na gestão e responsabilidade fiscal. Também pretende adotar os chamados "contratos de gestão", algo já feito pelo PSDB em São Paulo e que se baseia em serviços públicos sendo geridos por organizações da sociedade civil, com base em metas a serem alcançadas.

Sobre a possibilidade de Lula influenciar na disputa, Perillo afirma que eleições estaduais diferem das presidenciais. "Não imagino que o presidente da República, com tanta coisa a fazer, vá perder tempo com adversários como eu", disse, três dias antes do comício de Lula em Valparaíso. Para ele, o ideal é que a Celg busque um investidor privado para, em uma parceria com o Estado, tirá-la do vermelho.






Derrotado em convenção, Caiado opta pela neutralidade
De Goiânia

Texto:-A +A CompartilharImprimirEnviar por e-mail "Caiado não descumpre compromisso. Caiado não trai. Caiado não mente. Caiado não rouba. A minha campanha será solitária. Me coloco em posição neutra na candidatura ao governo, mas se o PSDB afrontar as minhas bases eu saio da neutralidade para o ataque e mostro a força que nós temos no interior do Estado. Nesta hora, com apoio dos meus familiares, me retiro do recinto".

Foi com esses termos que o deputado federal Ronaldo Caiado, presidente do Democratas de Goiás, finalizou, aos brados, seu discurso na convenção do partido, em junho, que homologou a aliança com o PSDB e o apoio ao candidato tucano a governador, Marconi Perillo.

A neutralidade na disputa foi a saída que o deputado encontrou ante a pressão da maioria dos correligionários pela coligação. Queriam evitar a repetição das eleições de 2006, quando, isolado, o partido amargou 3,5% dos votos válidos na candidatura do senador Demóstenes Torres a governador e viu cair sua bancada na Câmara dos Deputados de três para um - o próprio Caiado.

Para este ano, ao contrário da maioria dos 27 Estados do país, Goiás é um dos poucos lugares em que as perspectivas eleitorais para o DEM são muito positivas. Demóstenes é o único senador do partido que tem eleição garantida.

O bom desempenho eleitoral, porém, deve ocorrer sem a anuência de seu presidente regional, que durante todo o primeiro semestre não concordou com a tese da aliança com os tucanos, em razão de antigas desavenças com Perillo.

Juntos quando desbancaram o PMDB em 1998, Caiado alegou, após a vitória naquele ano, que o governador eleito, Perillo, dera pouco espaço a seu partido na composição do secretariado. Seguiram afastados para a eleição municipal de 2000, mas em 2002 estavam juntos na reeleição do tucano, cada qual com seus projetos pessoais em andamento: Perillo queria ser reeleito, o deputado pretendia ser seu sucessor. No entanto, não se esperou muito para que entrassem novamente em conflito. Perillo se incomodou com a filiação ao então PFL de Caiado de uma deputada pemedebista sua opositora. O tucano revidou e levou para sua base aliada mais de 20 prefeitos pefelistas.

Dali em diante a relação piorou e não mais estiveram juntos. Em 2006, Caiado insistiu que seu partido não fizesse alianças e se concentrasse na candidatura a governador de Demóstenes. O resultado foi pífio. O número de deputados caiu e Demóstenes teve 3,5 % dos votos válidos. O único eleito para a Câmara foi o próprio Caiado.

Com base nisso, neste ano a ala interna adversária a Caiado, liderada pelo ex-deputado federal Vilmar Rocha, resolveu se empenhar para fechar a coligação com o PSDB. "Com essa aliança corrigimos o erro de 2006. É nossa aliança natural e com ela devemos ter o mesmo bom desempenho de 2002, quando elegemos três deputados e um senador", afirma Rocha.

Um dos fundadores do antigo PFL e seu primeiro presidente em Goiás, ele teve mais de 73 mil votos nas eleições de 2006, foi o 13º mais votado do Estado (que tem 17 cadeiras na Câmara) mas como seu partido não se coligou, não conseguiu obter o número suficiente de votos necessários para que a legenda tivesse mais um representante na Câmara.

Professor de Direito, ele defende, caso Dilma Rousseff (PT) vença as eleições presidenciais, uma recomposição das forças de oposição. "Não dá para continuar com essa oposição desarticulada. É preciso um reagrupamento partidário, seja cisão ou fusão dos partidos de oposição para formar um núcleo forte de oposição ao lulismo", afirma.

Para ele, a qualidade da gestão Lula é de médio para baixo e a oposição não conseguiu demonstrar isso. Além disso, ela também foi incapaz de mostrar o seu legado positivo. "Tínhamos um legado positivo e não o assumimos. Fomos incompetentes para mostrar ao país o valor desse legado". (CJ)

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