31.8.04

O Jornal Nacional e a Venezuela

Nesta quarta-feira o Jornal Nacional, da Rede Globo, comemora 35 anos no ar. Os brasileiros também devem se orgulhar do telejornal, de seus erros e seus acertos.

Contar a história do JN não é apenas contar a história do jornalismo brasileiro, mas sobretudo os momentos cruciais da história política do Brasil recente. Afinal, jornalismo é versão, e a que foi e vai ao ar no JN foi e é vista por mais de 31 milhões de pessoas, formadores de opinião, eleitores.

A análise mais pueril é sempre a da “teoria da conspiração”. Não vamos negar que Globo não tenha dado apoio a todos os presidentes (e retirado o apoio em momentos oportunos), ou que não tenha servido de “Voz do Brasil” no regime militar (1964-1985). Mas alguns fatos – mal analisados – deram margem a esse tipo de interpretação mais apressada.

Passados vários anos, certos episódios são reavaliados. Em pesquisas qualitativas de um importante instituto de pesquisa - que por motivos óbvios jamais serão veiculadas no JN, mas ao qual o TRÊS PALAVRAS teve acesso – indicam que o quesito "manipulação" ainda vem junto com o nome Rede Globo e Jornalismo.

Dizer, por exemplo, que a Globo prejudicou o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva no último debate com Fernando Collor em 1989 é fato. Mas a questão, nesses e em outros casos, é: foi incompetência ou má fé?

Ambos. E nenhum dos dois.

Os fatos. Às 13h entra no ar o "Jornal Hoje" de sábado. Na edição dos melhores momentos do debate da noite anterior, Collor e Lula ganham o mesmo tempo e uma edição que mostrava momentos bons e ruins de ambos os candidatos. Nada mais injusto: Collor se saíra bem melhor que o candidato do PT naquela noite! Conclusão: Lula foi beneficiado.

Horas depois, às 20h foi ao ar o JN. Uma edição bem diferente do “Hoje” e um pouco mais realista. Foram exibidas falhas de Lula, momentos bons de Collor (e este teve 1 minuto a mais que Lula; não é exagero dizer que 1 minuto em TV é uma eternidade). Conclusão: Collor foi beneficiado. Como o JN tem maior audiência, é claro que a celeuma se deu em torno da edição da noite, e não à da tarde.

Até hoje a autoria da edição do debate é reivindicada por alguns profissionais que eram da emissora à época. Isso aqui é o que menos importa. A questão era fazer uma edição com os melhores momentos (sic.) de um debate. E ninguém sabia como fazer isso. Era o primeiro debate da primeira eleição livre para presidente depois de 21 anos de ditadura militar.

Para se ter uma idéia desse absurdo, hoje, quando os candidatos (da presidência à prefeitura) são convidados para um debate na Globo, norma do contrato diz que a emissora se compromete a não fazer uma edição de debate. A história teve que mostrar isso. Errou-se para aprender. Assim como ocorre com o eleitor que erra o voto: não dá pra voltar atrás, mas aprende-se muito elegendo um candidato ruim. O troco virá na eleição seguinte. No caso da Globo, o aprendizado veio com debates e entrevistas seguintes.

O mea culpa de 89, por sinal, foi feito na edição do JN da última segunda-feira, dia 30 de agosto de 2004. Demorou 15 anos, já com Lula na Presidência da República. Mas já em anos tucanos, a própria apresentadora do jornal, Fátima Bernardes, já corroborava com essa visão. Em palestra em uma universidade do Rio de Janeiro em 1999 foi questionada por um estudante se “a Globo continuava a manipular”. Resposta da jornalista: “Já tivemos problemas no passado”. A fala de Fátima Bernardes é emblemática exatamente 5 anos depois ao vermos o telejornal correndo atrás de um outro erro: o modo de divulgação de uma pesquisa eleitoral.

Na edição desta terça (31 de agosto), o JN apresentou a margem de erro na pesquisa eleitoral – algo inédito na divulgação de pesquisas eleitorais em telejornais – em divulgação de pesquisa Ibope sobre a sucessão da prefeita Marta Suplicy (PT). Que ironia.

Tivesse tido o mesmo cuidado na apresentação de uma pesquisa do Ibope às vésperas do pleito do governo de São Paulo em 1998, talvez a hoje prefeita-candidata Marta fosse governadora. Mas a inexperiência mais uma vez atrapalhou.

Não só diretores do Ibope, mas todos os cientistas políticos com quem conversei desde então são unânimes: o erro na pesquisa não foi a pesquisa em si, mas a divulgação dela. E se Covas passou para o segundo turno foi graças ao “voto útil” de petistas que viram, na noite anterior, o nome de três candidatos acima do de Marta na telinha azul do telejornal.



A emissora que apóia todos os presidentes

A linha editorial do JN não é de apoio a um político ou um presidente específico, a um partido ou a um projeto de política pública. A Rede Globo adota, sobretudo, a linha preservacionista e, conseqüentemente, apóia aquele que está no poder. A moeda? A permanência da concessão com a família Marinho – autorizada com a bênção da Presidência da República – e, em troca, a estabilidade democrática no maior país da América Latina.

Tivesse o JN uma linha editorial crítica à la Folha de S.Paulo, certamente o Brasil se transformaria rapidamente numa Venezuela.

É a opção mais responsável para o único veículo que, se quiser, pode “derrubar” um presidente ou provocar uma crise institucional em segundos, pois somente a Globo fala simultaneamente para todo, todo o país (ok, vamos ser mais exatos, que fala para 99,8% do território nacional) e detém a maior audiência.

Esse tipo de preservacionismo ficou bem claro com a vitória de um candidato que, por décadas, foi renegado pelo dono da emissora.
A cobertura eleitoral de 2002 foi exemplar: todos os candidatos entrevistados no JN tiveram o mesmo tempo e tratamento semelhante; a emissora, portanto, não se comprometera com nenhum candidato, exceto com o vencedor, fosse quem fosse. Essa mudança de rumo na cobertura presidencial, claro, tem outras causas (que serão abordadas aqui neste espaço no momento oportuno), mas, por enquanto cabe a análise de que seja quem for o eleito, ele será “preservado” pelo jornalismo da Globo.

A crítica, a vigilância, a análise sobre o veículo de informação mais importante e de maior audiência do país devem estar sempre presentes. Ter a audiência desses milhões de brasileiros e escolher aquilo que o brasileiro vai ouvir, ver e sentir todas as noites é uma responsabilidade tão grande quanto governar o país. Maior até.



CRÍTICOS DO JN

Aqueles que criticam o JN por ser rápido, superficial e pouco analítico vão ao cerne da alma do jornal e pecam pela ignorância: o objetivo do JN é exatamente esse o descrito acima. Quer profundidade? Vá ler os clássicos, o JN decididamente não é pra você.




Nenhum comentário: