8.8.06

A culpa é dos outros

Caio

A indignação é generalizada, muito embora o compartilhamento da culpa não o seja. Aponta-se o dedo com facilidade para as incomposturas das instituições mas os crimes menores, anões, imperceptíveis à comunidade e por isso mesmo inexistentes na percepção de seus autores, passam sem revolta. Isso, sem dúvida, colabora para que os crimes grandes e de maior repercussão também sejam compreeendidos por esses menores como aceitáveis, e, portanto, isentos de punição. Nesse ciclo, de um ponto que sai da desfaçatez de um delito pequeno e vai até a mesma desfaçatez de um crime grande, trava-se um grande acordo implícito de mal comportamento.

Pegando-se um caso, diga-se, médio nessa percepção de impunidade. O Secretário de Segurança do Estado de São Paulo, Saulo de Castro Abreu Filho, depôs nesta semana na Comissão de Segurança da Assembléia Legislativa do Estado. Tosco que é, e com a segurança pública estadual nas mãos do crime organizado, carregou consigo cerca de 200 policiais militares para aplaudi-lo e vaiar os deputados. O que faziam esses policiais lá, além de compor a claque do machão? Deveriam estar nas ruas, não? cadê as instituições civis? No mesmo balaio talvez. A OAB, na sua sagaz luta pelo impeachment de Lula, faz vista grossa contra os advogadinhos pilantras que ora levam celulares para presos (os advogados “de pobre”) ora vasculham as brechas na legislação para fazer o “planejamento tributário“, que, em outras palavras, trata-se de como enganar o Fisco. Menos imposto para o governo gastar mal, com a vantagem de colocar a culpa no legislador que legislou mal. Eles erram e nós gostamos disso. É bom para o cliente, é bom para o meu bolso.

A Associação Brasileira de Imprensa, voz reinante no Collorgate, preocupa-se mais em fiscalizar jornalistas não-formados que atuam na área do que na qualidade dos textos, das reportagens produzidas e do comércio de interesses que permeia a mídia. Nesse cenário todo, os políticos foram pegos de surpresa com a decisão do TSE de restringir a verticalização. A medida, coerente, visto que barra mais ainda a prostituição partidária no arranjo das alianças, colocou um breque na putaria que vinha sendo armada pelas lideranças das legendas, em especial do PT, PSDB, PFL e PMDB. É um tal de ter PT e PMDB juntos em um lugar, mas em outro serem inimigos. Ou PSDB e PFL amicíssimos lá em cima mas aqui ou acolá se odiando. E lugar em que PT e PSDB são aliados informais então? Sinistro esse país.

E revoltante ver que há meses essa patota toda está com a cabeça nas eleições enquanto o país se debate com todos os seus problemas. Reflexo dessa indiferença é a inércia do Congresso em aprovar qualquer matéria. A única coisa que se aprova a partir de agora neste país é apoio político para outubro. E vem o TSE e bagunça tudo. Revolta idiotas como eu que são obrigados a assistir isso diariamente. Mas que um requintado sentimento de satisfação revanchista ofusca brevemente essa revolta, ofusca sim. É como um jogo em que sabemos que vamos perder, mas se o adverário se complica em algo, rimos.

Aliás, uma correção. Aprovaram nesta semana algo.
Tucanos e pefelistas garantiram o reajuste de 16,6% os salários de aposentados e pensionistas do INSS que ganham mais de um salário mínimo. Impacto adicional de R$ 7 bilhões nas contas públicas. Justo os partidos que criticam tanto o governo pelo descalabro na gerência das contas públicas. E para completar o jogo de cena, o governo petista, antes maior defensor do aumento do salário para aposentados, chiou. Está tudo invertido mesmo.E o pior é que as autoridades são tão ruins de serviço que tiveram quatro anos para fazer alterações nas regras da verticalização. Deixaram para a última hora, aprovaram uma emenda constitucional, mas o princípio da anualidade não permitiu que o fim da verticalização tivesse validade já para este pleito. Trombaram, pois, nas próprias pernas.

O quebra-quebra do sem-terra talvez seja o emblema da semana contra esse desrespeito às instituições e das instituições. Um desrespeito que tem o curioso movimento de duas mãos, já que parte de dentro para fora as atuações incompatíveis com o senso republicano de decência e do que é de fato bom para o país. Como se fosse um pedido para serem atacados. Ou como se fosse o sinal de avalistas do acordão entre nós e eles, cada qual com suas irresponsabilidades cívicas e com a exaltação da regra de que só vale lutar pelo que me trará mais dinheiro e mais poder. A coletividade que se dane.

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