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Kassab dedica-se a cobrir perdas da crise e deixa grandes obras para Serra

Caio Junqueira De São Paulo Valor Econômico 01/06/2009

No primeiro semestre de gestão, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), atuou mais para conter os efeitos negativos da crise no orçamento municipal do que para fazer grandes investimentos na cidade. Com crescimento da receita tributária de apenas 0,2% entre o primeiro quadrimestre de 2008 e o de 2009 , muito aquém da média de 9% dos anos anteriores, Kassab apostou em medidas com baixo custo e alto respaldo popular. Deixou as grandes obras para serem tocadas pelo seu principal aliado, o governador do Estado, José Serra (PSDB).

A principal iniciativa de grande e positiva repercussão, com investimento quase nulo, foi o portal “De Olho nas Contas”, em que colocou na internet as contas da prefeitura, contratos com fornecedores e todos os nomes e salários dos servidores municipais. Anunciado oficialmente há duas semanas, o site continua ganhando elogios da opinião pública e contestação de servidores.

Uma batalha de liminares foi instaurada nos tribunais entre a prefeitura e os sindicatos dos servidores municipais, que foram à Justiça contra a divulgação de seus nomes e salários na internet. Kassab tem ganhando duplamente: com decisões favoráveis dos juízes e com a construção de uma imagem de político que luta pela transparência pública contra o corporativismo, um capital político de grande relevância em tempos de atos secretos em Brasília.

Outro investimento de baixo custo e alto retorno foi a divulgação da “Agenda 2012”, em que apresentou 223 metas que pretende cumprir até 2012, com a possibilidade de acompanhamento em tempo real de sua execução. Embora implementada por força de uma lei aprovada em dezembro por iniciativa de movimentos civis, a medida é inovadora no país em uma cidade do porte de São Paulo.

O prefeito também aprovou na Câmara a “Lei das Mudanças Climáticas”, que prevê, entre outras metas, a redução em 30% da emissão de gás carbônico na capital mais poluída do país e a redução progressiva do uso de combustíveis fósseis (diesel e gasolina) pela frota de ônibus da cidade, a uma proporção de 10% por ano, a começar por 2009, até sua substituição total em 2017. Com isso, tenta firmar a imagem de político moderno, pró-meio ambiente, iniciada em seu primeiro mandato, com a Lei Cidade Limpa.

As medidas, embora inovadoras e populares, não geram receita. A maior aposta de Kassab nesse sentido era movimentar o mercado imobiliário por meio da revisão do Plano Diretor, da lei de uso e ocupação do solo e da lei do zoneamento. O “pacote” foi levado à Câmara, mas, por determinação do Ministério Público, teve de ser desmembrado em três, cada um sendo analisado a seu tempo.

O primeiro deles, o Plano Diretor, está em fase de audiências públicas e enfrenta resistências de movimentos civis, mais pelas mudanças que a prefeitura pretende fazer no zoneamento e no uso e ocupação do solo do que no Plano Diretor em si. Com o principal projeto de aquecer o mercado imobiliário afetado pela Justiça e a arrecadação fortemente atingida pela crise, a saída foi buscar caminhos para gerar caixa, como o programa para recuperar créditos tributários por meio do Plano de Parcelamento Incentivado (PPI), que até maio arrecadou R$ 155 milhões dos R$ 459 milhões previstos para o ano.

A adesão ao plano foi prorrogada até dezembro. Outro caminho é a pela lei de concessão urbanística. Aprovada em abril, seu intuito é atrair recursos privados para transformar áreas urbanas. A primeira concessão será na Luz, no centro histórico e degradado de São Paulo. Após anos de atraso, uma licitação internacional será anunciada até o fim do ano e pode atrair mais de R$ 700 milhões em investimentos.

Outras medidas amplamente anunciadas vem sendo tocadas, apesar de ainda terem resultados incipientes. A reavaliação de contratos e licitações é uma delas. Proporcionou economia de R$ 17,3 milhões em algumas áreas, mas não mexeu, por ora, nas áreas que detém os maiores contratos, como saúde, educação e transportes. Segundo a prefeitura, os processos desses setores estão em análise.

A venda de imóveis da prefeitura, outra medida alardeada com a qual se pretende levantar R$ 500 milhões, também teve pouca efetivação até agora. De acordo com a prefeitura, neste momento encontra-se em andamento a identificação dos imóveis que serão objeto de alienação, para posterior encaminhamento do projeto de lei solicitando a autorização da venda para a Câmara Municipal.

A Companhia São Paulo de Parcerias, idealizada para captar recursos para a prefeitura, também ainda não saiu do papel, assim como as Parcerias Público-Privadas (PPPs) municipais. Há atualmente dois projetos de PPPs na capital: um para oferta de 40 mil vagas em unidades de educação infantil, mas que está suspenso pelo Tribunal de Contas do Município desde junho de 2008, e outro, em parceria com o governo estadual, para concessão dos serviços do sistema único de arrecadação do transporte coletivo metropolitano.

Com essas iniciativas ainda em andamento, os grandes investimentos na cidade vêm de José Serra. Pela agência de saneamento paulista, a Sabesp, Serra fechou um acordo com Kassab que irá gerar cerca de R$ 500 milhões por ano a prefeitura: a concessão à empresa do direito de explorar os serviços de abastecimento de água e saneamento na capital paulista pelos próximos 30 anos. O acordo fez ainda com que a Sabesp perdoasse uma dívida de R$ 1 bilhão da prefeitura com a empresa.

O governador também efetivou medidas de grande impacto na capital. Liberou cerca de R$ 500 milhões na despoluição de córregos e deu início às obras de ampliação da marginal do Tietê, que prevê investimento de R$ 1,3 bilhão para a construção de quatro pontes, três viadutos e mais faixas, além da promessa de concluir o trecho sul do Rodoanel ainda neste ano, meses antes do prazo inicial previsto.

Com essas obras viárias, a prefeitura espera melhorar seu desempenho na área em que é pior avaliada, o trânsito. Segundo uma pesquisa que chegou às mãos de Kassab, o item “controle de trânsito” é o que recebeu a nota mais baixa entre nove áreas da gestão: 4,8, o que se compreende, já que neste ano São Paulo bateu o recorde de congestionamento, com 293 km de vias paradas.

A nota baixa também ajuda a explicar a queda no apoio entre os paulistanos com ensino superior. Segundo o Datafolha, entre março e maio deste ano, o índice de ótimo/bom nesse grupo de eleitores caiu de 57% para 49%, enquanto o de ruim/péssimo passou de 12% para 18%. A mesma pesquisa apontou crescimento do apoio ao prefeito entre as classes mais baixas. O número de eleitores com ensino fundamental que declararam que a administração é ótima/boa foi de 42% para 47%, em grande parte devido às obras em educação e saúde, como reformas em escolas e as AMAs, que fizeram com que Kassab roubasse muitos votos do PT na periferia nas eleições de 2008, onde o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre foi forte.As outras notas da pesquisa interna foram: “guarda municipal”, com 5,1, “obras públicas” e “urbanização”, ambas com 6,4; “limpeza”, com 6,3; “educação”, com 6,2; “funcionamento das escolas”, com 6; “iluminação”, com 5,8; e “saúde”, com 5,6.

Para integrantes do DEM, a avaliação do prefeito o credencia para pelo menos colocar seu nome à disposição de Serra para sucedê-lo no Palácio dos Bandeirantes a partir de 2010. Entretanto, a hipótese disso ocorrer é remota para dois correligionários muito próximos ao prefeito. Primeiro porque a avaliação se restringe à capital paulista, excluindo o interior, onde se concentra metade do eleitorado do Estado. Segundo porque Kassab teme uma má repercussão em abandonar o posto a que foi alçado em sua primeira eleição majoritária. Serra fez o mesmo em 2006, mas ancorado em mais de 40 anos de vida pública. E terceiro porque a candidatura do prefeito tem sido colocada para marcar posição contra o favoritismo de Geraldo Alckmin (PSDB), adversário derrotado nas eleições de 2008, que disparou diversos ataques à gestão Kassab durante a campanha eleitoral. O prefeito não gostaria de ver Alckmin retornar à vida política em posição superior a sua e apoiado por Serra, ao qual sempre foi leal, ao contrário do ex-governador.

Ministério Público incomoda prefeito com ações
De São Paulo

O Ministério Público do Estado de São Paulo foi o principal problema de Kassab nos seis primeiros meses de gestão. Atuando em três frentes, promotores conseguiram barrar o andamento do da maior proposta do prefeito para o ano, a revisão do Plano Diretor, trazer à tona suspeitas de fraudes em licitações da merenda escolar e colocar em risco o próprio cargo do prefeito.

O caso de maior repercussão é o da merenda escolar. O Ministério Público investiga a terceirização da distribuição da merenda na cidade, sob suspeita de formação de cartel e pagamento de propina a funcionários públicos. De acordo com o promotor Silvio Marques, já foram reunidos diversos indícios de fraudes em contratos na capital e de pagamento de propinas na ordem de 10% do valor faturado por mês pelas empresas. A prefeitura determinou que fosse realizada nova licitação, mas não acatou a recomendação do promotor e permitiu que as empresas suspeitas participassem da nova concorrência.

“Quem contratar essas empresas vai sofrer ação de improbidade, pois sabem que há provas inequívocas de irregularidades”, afirma Marques.Outro problema ocorreu com a revisão do Plano Diretor. A primeira derrota veio com a intervenção da promotoria de Habitação, que determinou que o plano fosse revisto separadamente das discussões da nova lei de zoneamento e do uso e ocupação do solo. Isso frustrou a expectativa da prefeitura de fazer alterações significativas na cidade. Anteontem veio outra derrota: uma liminar dentro dessa ação suspendeu a revisão do Plano Diretor, sob a justificativa de que a prefeitura tornou a revisão maior do que a lei permite. Em nota, a Prefeitura de São Paulo afirmou estar analisando o conteúdo da decisão proferida e que entrará com os recursos cabíveis.

Por fim, o prefeito teve problemas com a Justiça Eleitoral. O Ministério Público Eleitoral pediu a rejeição das contas das campanhas de Kassab por considerar irregulares as contribuições feitas por empresas que atuam como concessionárias de serviços públicos. O advogado de Kassab, Ricardo Penteado, afirma que os questionamentos do Ministério Público já foram objeto de julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral, permitindo a doação eleitoral de sócias de concessionárias. Isso, segundo o advogado, afasta a possibilidade de condenação do prefeito.(C.J)

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