16.6.05

A Câmara (do prefeito) de Bebedouro

Caio Junqueira

A atual legislatura da Câmara Municipal de Bebedouro tem seguido a tradição do restante dos Legislativos municipais e estaduais do país e funcionado como uma Casa sem autonomia e independência, interessada mais em trabalhar pelos interesses do Poder Executivo do que procurar soluções ou mesmo propostas interessantes para os problemas da cidade.
Dos 39 projetos de lei aprovados até o último dia 9, 35 eram do Executivo, dois de vereadores e dois da Mesa Diretora da Casa (e tratavam, claro, de assuntos de interesse da casa, como a abertura de crédito suplementar e a incorporação de abonos aos vencimentos de seus funcionários). Assim, apenas dois projetos de vereadores foram aprovados até aquela data. Um deles, não era de interesse especificamente dos seus cidadãos, mas dos bichinhos da cidade, já que proibiu a produção e comercialização de alçapões, visgueiras, arapucas e afins. O outro, menos mal, declarou de utilidade pública uma casa assistencial.

A inércia da vereança continua ao vermos os projetos de lei que deram entrada na Câmara. Foram 55, sendo 38 da prefeitura. Dos 17 restantes, 2 são de vereadores da oposição e 15 da situação. Em um primeiro momento, passados quase cinco meses de mandato, a conclusão imediata é de que a prefeitura passa como um trator pela Câmara, já que possui maioria na Casa (oito dos dez vereadores estão com o prefeito). Por essa ótica, não era de se imaginar o contrário, uma vez que assim funciona o falho sistema político brasileiro: têm-se as eleições e, se o chefe do Executivo é eleito com maioria do Legislativo, governa-se com facilidade, caso contrário, terá dificuldades.

Porém, seria muito simplista, muito brasileiro, ver o fato com esses cômodos olhos. Afinal, vereador é eleito e pago por eleitores para por eles trabalharem, e não somente para o prefeito eleito. Se assim não o fosse, poderiam ambos trabalharem no mesmo prédio e despacharem mais perto do seu chefe.

Mais do que isso, essa conduta desrespeita centenas de eleitores da cidade que votaram no vereador que se elegeu mas não no prefeito que ganhou o pleito e, dessa forma, não quer ver seu vereador tão dependente e tratando com tanto zêlo tudo o que vem da prefeitura. O prefeito foi eleito pela maioria, mas deve governar para todos, e como sua atuação, pelo menos constitucionalmente falando, dever ser intercalada com a Câmara, esta, assim como ele, também deve cuidar da minoria que preferiu outros candidatos (ou mesmo o voto nulo, cujo índice foi altíssimo na cidade).

Além da submissão situacionista, o trabalho (ou não) legislativo até agora também nos permite concluir que a oposição está apagada na Casa e tem tido dificuldades em obter resultados concretos dos discursos que faz.
Afora esse quadro, o que se nota nos projetos de lei apresentados não é de todo fraco. Estímulo à doação de sangue, isenção da cobrança de taxas nos concursos municipais para doadores de sangue, cassação de alvará das instituições que fizerem apologia à prostituição infanto-juvenil são iniciativas de alto nível e que aguardam na Câmara sua colocação em pauta.

Outros, porém, são específicos demais, como o que quer obrigar supermercados a disponibilizar terminais de leitura ótica por código de barra; desnecessários demais, como o que visa incluir o quesito "cor" nos formulários de informações utilizados no sistema municipal de saúde; ou, como não poderia deixar de ter, pitorescos demais, como a proibição do comércio de arapucas (como se a mera canetada fosse impedir a prática). Há, portanto, criatividade demais e efeitos práticos de menos.

Uma mera atenção maior ao que passa no resto do país seria de bom grado e a população agradeceria. Por exemplo, a Câmara de São Paulo aprovou um projeto que determina maior participação da população nas decisões sobre a cidade, por meio da instituição instrumentos de consulta popular. Outra iniciativa que tem crescido, ainda que sensivelmente, em algumas Câmaras no país, é o fim dos salários dos vereadores e a transformação de suas funções em cargos honoríficos. A idéia é louvável, uma vez que os recursos poupados com o fim da folha de pagamento destes vereadores seriam destinados a áreas e serviços mais importantes para a comunidade. Ademais, sem remuneração é possível que aumente o número de candidatos que queiram o cargo mais por interesse público do que por interesse no salário. Nos Estados Unidos, por exemplo, desde os anos 40 vereadores de cidades com até 200 mil habitantes não recebem salários. No Brasil, há o caso Campinas do Sul (RS), que, no ano passado, por unanimidade, aprovou um projeto que acabou com os salários dos nove vereadores a partir das últimas eleições. Com a medida, o município passou a economizar R$ 700 mil, o equivalente a 3% do Orçamento municipal.

É certo que não é apenas com a contabilidade dos projetos de lei apresentados que deve ser analisada a postura e a conduta da Câmara, que também deve envolver outras atividades, como debates e contato com os eleitores. Mas também é certo que projetos de lei são o cerne do exercício da atividade, o meio pelo qual podem ser concretizadas as mudanças na sociedade local. Muitas são as maneiras de se legislar de maneira inteligente e independente. Resta esperar. Ou a percepção popular de que a política é um assunto sério demais para se deixar com os políticos será reforçada.

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