16.6.05

Penúria pública, ostentação privada

Caio Junqueira

Na produção alemã Edukators, três jovens _os "educadores" do título_ invadem mansões em Berlim, desarrumam todos os imóveis, empilham poltronas, arremessam sofás na piscina, jogam porcelanas no vaso sanitários, colocam a televisão na geladeira. Não roubam nada e tampouco agridem a alguém. Deixam apenas dentro de um envelope recados como: "Seus dias de fartura estão contados".

Tentam, evidentemente de maneira figurativa, dar aos abastados da sociedade em que vivem a educação e sensibilidade social _aqui subentendida como consciência_ que, ou não receberam, ou receberam e não absorveram ou, pior, pensam que receberam e que agem conforme o que imaginam ter aprendido, mas, como é de se concluir, seguem tocando suas vidas pensando em si mesmos.

Uma das características que mais marcam a sociedade moderna é o individualismo. Seja em Bebedouro, Berlim ou São Paulo, as pessoas somos cada vez mais egoístas e vivemos focalizando as atenções de nossas vidas e nosso bolso, chegando, no máximo, a se preocupar também com nossos pais, irmãos e filhos. O resto, dane-se. Se forem pobres, danem-se mais ainda.

Em um país como o Brasil, a tremenda diferença entre classes sociais exacerba essa prática individualista e gera uma apologia do ego, na medida em que uma pessoa rica passa a ter muito mais valor e ser respeitada na sociedade, ainda que seja o pior dos canalhas e tenha enriquecido com práticas pouco heterodoxas, que é, convenhamos, o que se vê por aí.

Assim, de um lado fica a riqueza aos montes, em fatias grandes, acumuladas muitas vezes como que por acaso, em um lance de dados, às custas, também muitas vezes, das pessoas incultas e analfabetas. Com eles, claro, os seguidores, que como fiéis escudeiros os seguem e limpam suas babas.

Do outro lado, homens de grande reputação por seu saber, seu mérito e sua inteligência, são tirados do caminho para dar passagem aos "influentes", que graças a golpes desaforados, atrevidos e petulantes, conseguem gritar insistentemente aos ouvidos dos condutores do país, dos Estados e das cidades.

Cai-se, assim, num círculo horrendo de burrice, na qual se valoriza mais a exaltação do tenho-uso-posso-esbanjo-mando do que as cabeças que pensam saídas para a construção de um país sem tanta discrepância e sem essa estimação equivocada das coisas.

Claro, mas claro que não é errado e nem é preciso sentir culpa por nascer "privilegiado". O errado sim é pensar que a beleza da vida está no berço de ouro em que nasceu, conquistou ou roubou.
Quando se imagina que o acesso cada vez maior à informação _outra das características da sociedade moderna_ possa inverter esse quadro e abrir a consciência de quem, em conseqüência desse processo, posiciona-se nessa condição diferenciada de poder ter acesso à cultura, o que se vê é, para nossa tristeza, é justamente a continuidade e até um superdimensionamento desse estado.

As pessoas que hoje podem acessar a livre, boa e consciente informação se abastecem mais com o que justamente corrobora esse processo. Estão mais interessadas na informação frívola, superficial, mexericos da sociedade, pedaços de histórias, pedaços de reportagens, pedaços de escândalos, pedaços de anedotas, pedaços de estatísticas, pedaços de bobagens.

Conseguem, afinal, viver em um mundo em que 90% das pessoas passam fome e os outros 10% comem tanto que têm de fazer dieta e só conseguem ser felizes à base de Prozac. Precisam, enfim, dos edukators para lhes mostrar que a ostentação de sua ignorância é que é pública, e a penúria de suas consciências, essa sim, são-lhes privadíssimas.

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