16.6.05

A frustração venceu a esperança

Caio Junqueira


Com a lama que a cada dia se espalha mais por Brasília, já é possível afirmar que o todas as esperanças da esquerda brasileira na eleição do primeiro governo progressista do país se definham numa velocidade assustadora, intensificada sobremaneira com as últimas denúncias de corrupção.

Esse processo de descrédito com as forças que sempre apoiaram Lula e o Partido dos Trabalhadores e sonhavam com a chegada ao poder se iniciou, todavia, antes da vitória nas eleições, com a Carta ao Povo Brasileiro. Nela, o PT buscou a confiança daqueles que sempre foram seu alvo: as tradicionais forças que sempre comandaram o país, representadas, por exemplo, no mercado financeiro e nos empresários.

Com o apoio de todos e com a saturação do governo Fernando Henrique Cardoso entre os eleitores, a vitória foi fácil. Afinal, tinha-se ali a consolidação de uma ampla aliança para eleger Lula. Da direita, firmada no afastamento de qualquer crise pós-início de gestão, no respeito ao cumprimento de contratos e também no fato de que, órfã de um candidato forte, deveria se render àquele que havia 13 anos tentava ser presidente. E da esquerda, que, apesar de assustada com a troca de afagos do então candidato com as forças que historicamente lutaram contra, apoiou sua maior liderança desde Luis Carlos Prestes. Era, enfim, a possibilidade de consumação da esquerda no poder, com seus anseios de justiça social no segundo país mais desigual do planeta.

Ocorre que foi essa aliança entre o que não pode andar junto, _no caso, sonhos de mudança da esquerda com sonhos de permanência da direita_ feita no processo eleitoral de 2002, que desenhou características de seu governo que hoje colaboram para sua derrocada: o dualismo, a esquizofrenia, o anacronismo. É um governo que quer agradar o agronegócio e o MST, que defende a taxa de juros alta e um alto crescimento do PIB, o desenvolvimento de políticas sociais e a retração de recursos nessa área. Tudo ao mesmo tempo, comos e isso fosse possível.

Assim, a trupe petista levou a técnica de juntar extremos ideológicos e programáticos aprendida na disputa eleitoral para o seu governo, esquecendo-se de que promessas podem ser feitas a qualquer um, mas realizações de administração pública, essas sim, precisam de unidade e coerência no decorrer do mandato.

Se não bastasse essas deturpações gerenciais, o governo Lula arrastou ainda adentro de sua gestão técnicas da direita histórica decorrentes também das alianças, costuradas principalmente após o início de seu governo.
Receoso da minoria no Congresso e de uma eventual incapacidade de aprovar as matérias que enviasse, a cúpula governista preferiu rasgar as concepções éticas contra a qual sempre lutou e se juntou a gente da pior espécie, como o outrora collorido Roberto Jefferson, que agora afunda sem se querer sozinho. Manteve-se a barganha, o toma lá dá cá, o balcão de negócios.

Hoje, falar que xerifes petistas como os ministros Palocci e Dirceu, velhacos da política do partidão, foram ingênuos ao montarem a estratégia das relações Planalto-Congresso-aliados é elogio. Foram, sim, além de traidores, ruins de serviço e agora a fatura começa a chegar. Tudo com o aval de Lula, que, para ser eleito, renunciou desde o primeiro momento a muitas das exigências esquerdistas de seu partido.

Traição a conteúdos partidários tem seu preço e a pena, quem sabe, não seja uma boa derrota eleitoral e, antes disso, uma desconstrução diária, aos olhos do mundo, de um governo que se dizia divisor de águas na história brasileira.

Justiça seja feita, o PT que está aí não representa todo o partido, mas apenas o chamado Campo Majoritário, ninho das "estrelas" do partido. Por isso, simplesmente criticar o partido aleatoriamente é de todo equivocado. É generalizar, e, quem generaliza, peca. O partido passará pelo PED (Processo de Eleições Diretas) neste ano, que irá renovar a direção partidária em todos os diretórios do país. Para enfrentar o patético José Genoino, seis candidatos defendem mudanças nos rumos do governo, a criação de um projeto estratégico para o país, o reencantamento da militância e a recondução do partido às suas bases. Ainda há esperança. Mas creio que não com esse PT que está no poder.

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