27.11.05

O teatro dos interesses

Caio

Gushiken era ministro do núcleo duro do governo. Influente e poderoso, comandava toda a comunicação federal. Caiu depois do desgaste sobre as acusações de que a empresa da qual foi sócio teria ampliado a receita de contratos com fundos de pensão. Na verdade, não foi bem uma queda, mas uma perda de status de ministro da Secretaria de Comunicação de Governo para a atual chefia do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência. José Dirceu caiu também. Suspeito de ser o mentor de outro suspeito, o mensalão. Genoino caiu. Não suportou a pressão pelas trapalhadas gerenciais do partido que dirigia. Não é suspeito de muita coisa. Sabe-se que assinou sem ler, não executou, não fiscalizou e foi para a rua. Pesa sobre ele a anuência com o caixa 2, fato que ele diz que não sabia e a ninguém finge que acredita. Isso porque queria governar São Paulo. Passou.

Apenas quem não “passa” aqui é Palocci. E as acusações contra ele são muitas. Por falta de espaço, elenco as principais. A mais grave vem da Polícia Civil e do Ministério Público. De acordo com as instituições, já há provas para indiciá-lo por peculato e formação de quadrilha, sob a acusação de que houve superfaturamento dos serviços de recolhimento de lixo em Ribeirão entre 2001 e 2002, na primeira gestão do hoje ministro. Tem mais. Rogério Buratti, ex-assessor da prefeitura de Ribeirão, afirma ter havido pagamento de propina no valor de R$ 50 mil mensais, que abasteceriam o caixa 2 do PT. Mais uma? As pessoas próximas a Palocci, a chamada “República de Ribeirão”, estão imersas em denúncias. Juscelino Dourado, ex-chefe de gabinete, é acusado pelo Ministério Público de negociar com uma construtora complementos salariais a assessores da prefeitura. A ex-superintendente do Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão, Isabel Bordini, é acusada de superfaturar contratos. O secretário de Palocci, Ademirson Ariovaldo, trocou mais de 1500 telefonemas com Vladimir Poleto, protagonista de uma dos mais constrangedores episódios da CPI dos Correios: a divulgação do teor de uma fita com uma conversa durante seu depoimento, em que contradiz o que dissera minutos antes.
Olhando o cenário de fora, nada em muito diferencia Palocci, Genoino, Dirceu e Gushiken. Os três são petistas-raiz, cresceram com o partido e tiveram papel fundamental na eleição de Lula e em boa parte de seu governo. Agora, por que raios os outros caem e Antonio não cai, se, tanto como os outros, pesam contra ele acusações fortíssimas e se cercaram de gente esquisita?

Por partes, que ajuda a tentativa de elucidação. Primeiro é preciso considerar o fator interno, que também pode ser chamado de fator Lula, ou fator reeleição. A condução da política econômica, apesar de levar a sua parcela de crítica, é o que segura o governo naquela parcela do eleitorado que foi determinante para a vitória de Lula em 2002: o mercado. Ok, é muito genérico e clichê falar “mercado”, mas entenda-se aqui, basicamente, grandes empresários e banqueiros. Infelizmente, o país depende muito desses tipos e caso a economia não os servisse, áqueles a quem os servem no Congresso já teriam, talvez, derrubado o presidente. A manutenção da restritiva política fiscal e da conservadora política monetária interessam, pois, a gente poderosa. Um processo de desestabilização do Ministério da Fazenda colocaria em xeque os conceitos financistas aplicados desde a Era FHC e mantidos no atual governo. Logo, mexer com Palocci é mexer com grandes interesses. Prova disso é o abalo que o mercado tem tido nos dias de depoimento do ministro no Congresso. Além disso, é nítido que a oposição quer evitar que a política econômica dê uma guinada à esquerda em pleno ano eleitoral, já que isso poderia se transformar em forte capital político para os petistas.

Tudo isso explica o carinho com que a oposição trata o ministro, mesmo estando ele tão sujo como seus partidários e ex-companheiros de governo. Porque é muito, mas muito difícil crer que pefelistas e tucanos não batem em Palocci apenas por considerarem boa a gestão por ele comandada da economia brasileira. Invertam-se os papéis. Estivesse Palocci em outra pasta, elementar que não teria o mesmo tratamento. Já estaria na rua. Estivesse ele na mesma pasta, mas com atuação mais desenvolvimentista e menos monetarista, seria interrogado com punhos de veludo?

Passemos a outro ponto, agora o fator reeleição. A celeuma principal entre Dilma e Palocci é quanto à execução orçamentária. Dilma deu uma entrevista ao “Estado de S. Paulo” em que criticou os rumos da economia. Palocci foi à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e disse que a ministra estava errada. Lula deu exemplos de mal-chefia e preferiu deixar a bola de neve crescer. Com o olho em sua reeleição, quis testar como se comportariam o mercado, a oposição e a mídia com o risco Palocci-fora. Concluiu que seria melhor mantê-lo e, simultaneamente, fazer sensíveis alterações na economia: atender ao paloccismo e aumentar o superávit primário e atender à escola Dilma e aumentar a liberação de recursos para investimentos. O resultado final foi um mix entre essas duas conjunturas. Mantém-se Palocci no cargo e a confiança do alto capital continua sustentada. Atende-se aos suplícios de Dilma, avançam-se a execução de projetos e tenta se mostrar em 2006 que esse governo faz.

O diabo é que Lula poderia ter feito tudo isso sem o estardalhaço que o episódio causou nessas duas semanas. Mas em se tratando de um tabuleiro onde o comportamento de todas as peças _situação e oposição_ visam as próximas eleições, a prudência no trato político mais uma vez é esquecida é dá lugar aos interesses pessoais. O presidente quer jogar no fogo o que as instituições pensam da economia que chefia, a oposição quer proteger quem a sustenta e evitar uma gastança em ano eleitoral que beneficiaria o PT.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom seu artigo, Caju. Vale apenas mencionar que, todo o cuidado da oposição em relação ao Lula deriva, também, do medo de "martiriza-lo". Aquela velha história do "coitadinho", que acho que herdamos dos Portugueses, sabe? Sabemos que ele sempre alardeou sua origem humilde e o analfabetismo de seus pais. Alardeou ainda, que as "elites" queriam derrubá-lo, quando do início da crise. Assim, é bom mesmo que se tenha o cuidado de não impedí-lo de se candidatar em 2006. A resposta do povo ao governo dele e à atuação que ele vem tendo diante da crise deve ser dada nas urnas. Quanto aos juros, é quase uma unanimidade nacional que houve exagero na dose do aperto, mas os tecnocratas no BACEN simplesmente não "enxergam" a economia real. A queda observada do PIB é a transcrição exata do que tem acontecido nas cidades do interior do país, afetadas pela crise no campo, e em setores fortemente mão-de-obra intensivos como o calçadista, que vem perdendo a sua competitividade. Estamos repetindo o erro de sobrevalorizar o Real, como em 98-99, e como também fez a Argentina. Em ambos os casos, sabemos no que deu... Aprende-se em qualquer faculdade de economia que Juros altos concentram renda. Isso, no Brasil, deveria ser considerado crime, já que temos tanta concentração de renda e desigualdade social. Esse erro básico provavelmente neutraliza todo o esforço que esse governo vem fazendo através do "bolsa família". Porque não seria mais vantajoso ter Juros menores, mais investimento, e consequentemente, mais emprego e renda, que somados aos subsídios do bolsa família, dessem sustentação ao consumo interno? E além dessa questão macroeconômica, temos que resolver outras questões práticas: reforma política, reformoa tributária, gargalos de infraestrutura... Nada mais se comenta desses aspectos, tão cruciais à competitividade e ao desenvolvimento econômico. Resta aguardar, em meio às marolas do denuncismo no campo político, que estas discussões sejam retomadas após as eleições de 2006...
Infelizmente, no Brasil tratamos muito mal quem gera emprego e renda. Temos muita burocracia e muitos custos. Perdemos competitividade e investimentos, que migram para o Leste Europeu, Asia e até para a Argentina (pasme!). Seria bacana se nossos tecnocratas tivessem alguma experiência prática obrigatória em seus currículos. Só quem já teve que abrir uma empresa, "correr" pra pagar o agiota, contribuir pra "caixinha" dos fiscais, e ainda, quando demitiu um funcionário foi "posto no pau", e teve que pagar o que o Juiz determinou, sabe como é difícil ser economia real no Brasil. E sabe, melhor do que qualquer tecnocrata, quando os juros estão altos...
Um abraço,
Oswaldo

Anônimo disse...

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