18.11.05

Tocantins e Goiás lideram filiação tucana

(Publicada no Valor Econômico)

Dezessete anos depois de surgir em SP e Minas, PSDB tem o maior peso de filiados no Norte e Centro-Oeste

Caio Junqueira

O PSDB realiza amanhã sua oitava convenção nacional para eleger seu novo presidente, o senador Tasso Jereissati (CE), como um partido radicalmente distinto daquele que, em 1988, foi fundado por dissidentes pemedebistas em desacordo com os rumos do então partido forte do governo José Sarney. Naquele ano, a recém-criada agremiação concentrava sua força nos Estados de São Paulo e Minas Gerais, de onde vinham seus mais importantes quadros, como os senadores paulistas Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas, e os deputados mineiros Pimenta da Veiga e Célio de Castro.

Além disso, a metade da primeira bancada tucana na Câmara dos Deputados era originária dos dois Estados. Também foram neles que os tucanos conquistaram, no mesmo ano, suas três primeiras importantes prefeituras: Belo Horizonte, Contagem e Bauru. Passados 17 anos, a legenda supera 1,1 milhão de filiados espalhados em 97% dos municípios do país, em um processo de crescimento que avançou principalmente para as Regiões Norte e Centro-Oeste e se consolidou nos grotões brasileiros. Hoje, os Estados com maior número de tucanos em proporção ao eleitorado, conforme levantamento feito pelo ValorData, são Tocantins e Goiás. A quinta e a oitava posições estão, respectivamente, com Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A presença de fortes lideranças nesses Estados colaborou para esse novo cenário nacional da sigla, caso do ex-governador tocantinense Siqueira Campos e do atual governador goiano Marconi Perillo, que acabaram por jogar os Estados-raízes tucanos para baixo no ranking: São Paulo aparece na 16 colocação e Minas, na 12. Outro importante Estado na fundação, o Paraná do então senador José Richa, está em 10.

É certo que essa pulverização tucana rumo ao oeste do país em muito se deve ao inchaço ocorrido na era FHC, em que o partido saltou de 400 mil filiados em 1994 para 1 milhão em 2003. No caso do campeão Tocantins , pelo menos, a oposição petista na Assembléia Legislativa aponta o período entre 1995 e 2002 como negro na política regional. “O que tem de pior na política brasileira o PSDB fez aqui. Houve intensa utilização da máquina administrativa. Distribuiu-se uma rede de cabos eleitorais pelo Estado que detém muito poder. Um cabo eleitoral tucano aqui faz qualquer opositor entrar em dificuldade. A oposição se definhou, muitos capitularam”, afirma o líder do PT na Assembléia tocantinense, José Santana. As acusações são rechaçadas pelo senador Siqueira Campos, o Siqueirinha, filho do ex-governador. Apesar de ressaltar realizações das três gestões de seu pai à frente do governo estadual, como a construção de rodovias e a disponibilização de água tratada em 100% dos municípios, remete o crescimento do partido no Estado ao período posterior a 2002. “Crescemos na oposição. A presença de lideranças nacionais do partido no Estado e a fragilização da oposição com a onda de denúncias de corrupção colaboraram para isso”, diz.

Se o PT e o PSDB do Tocantins discordam quanto às razões de seu Estado ter a maior base tucana do país, a análise da história do partido nas dez cidades em que têm maior número de tucanos do Brasil revela a acomodação do PSDB à política do grotão. É o caso de Senador Cortes (MG), a quinta no ranking, onde o PSDB passou a ter atuação após uma “refundação”, em 1994, por um grupo de vereadores. “O prefeito era do PFL, mas dominava uns seis, sete partidos. Por aqui eles têm essa prática de pegar gente de confiança que nem é ligada à política e colocar no diretório para ter maioria. Tomam o partido, que fica imobilizado. Então recorremos ao diretório regional, que nos permitiu compor uma nova Executiva municipal”, relata o ex-vereador Herminio Guterres, que integrava o grupo e passou, então, a comandar a sigla. A base, porém, só veio a inchar em 2002, fruto de uma disputa local pela presidência tucana. Guterres, que venceu novamente, conta a estratégia de seu grupo. “Fizemos reunião no clube, convidamos o pessoal. Vinham famílias inteiras. Fizemos tipo uma convenção, colocamos frase de impacto, cartazes, e depois teve um forró, um churrasquinho, e o pessoal foi aderindo.”

Em Santa Isabel (GO), a terceira no ranking, a lista de filiados teve por base a de eleitores. Quem conta é uma das fundadoras, a professora Selma Maria da Silva. De acordo com ela, em 1995 uma pessoa remeteu a lista de todo o eleitorado santa-isabelense ao Tribunal Regional Eleitoral de Goiás, como se todos fossem filiados ao PSDB. “Ele chegou aqui com um edital do diretório estadual afirmando que havia sido nomeado presidente de uma comissão provisória. Fez outro livro de ata, pegou o que eu tinha feito e sumiu. Tirou cópia do rol de eleitores e encaminhou ao TRE, falando que era de filiados. Excluiu apenas presidentes e vereadores de outros partidos. Quando fui ver, o partido tinha mais de 2 mil filiados, quase o mesmo número de eleitores na época.” O responsável pelo ato, segundo ela, foi Manoel da Silva, cuja família possui propriedades na cidade. Não se sabe, porém, seus interesses. O Valor contatou o diretório estadual goiano, que afirmou desconhecê-lo, mesma informação fornecida pelo gabinete do deputado Rubens Otoni (PT-GO), para quem Manoel teria trabalhado nas eleições municipais de 2004 em Anápolis (GO).

Casos de corrupção também fazem parte das cidades mais tucanas do país. Localizada em histórica zona mineradora do Estado, a pequena Fortaleza de Minas assistiu à prisão do seu último prefeito, do PTB, junto com o ex-vice e o ex-contador da prefeitura, ambos tucanos. Segundo Rodrigo Colombinio, promotor de Jacuí (MG) responsável pelo caso, eles são suspeitos de montar um esquema de desvio de recursos por meio de fraudes em licitações, que teria causado um rombo de mais de R$ 8 milhões aos cofres municipais. Na única cidade nordestina da lista, Vila Nova do Piauí, a história de utilização do partido para consolidar um poder local se repete. O prefeito eleito da cidade em 1996, ex-PPB, mas um dos fundadores do PSDB no município, apoiou nas eleições de 1998 um candidato a deputado estadual da coligação de seu ex-partido, que fazia oposição a ele no âmbito municipal. “Ele não votou no partido, não apoiou nosso candidato, e ainda filiou a família inteira ao PSDB para manter o controle sobre o diretório”, relata a professora Núbia Josefa da Rocha, presidente municipal do PSDB. Revoltados, os tucanos da cidade começaram a construir a candidatura de um vereador do partido para sucedê-lo nas eleições de 2000. Na convenção municipal de 1999, ambos concorreram para a presidência do partido e aí os dois lados promoveram guerra de filiações. O vereador venceu, razão por que se desfiliou por definitivo da sigla e rumou a outro partido, desta vez o PPS.

As histórias dessas cidades não são por completo vinculadas à luta obsessiva pelo poder e à superação de obstáculos para alcançá-lo. Em Potim (SP), por exemplo, nona no ranking, o PSDB nasceu pela influência do então deputado federal e estrela crescente do partido Geraldo Alckmin. Localizada próxima a Pindamonhangaba (SP), berço político Paraíba paulista, reduto alckmista no Estado. “O município era distrito de Guaratinguetá (SP) e, quando foi emancipado, em 1992, eu conhecia o Geraldo, era amigo dele, e ele nos nos incentivou. A gente sempre se espelhou muito nele”, diz o presidente municipal do partido o professor de história Luiz Antonio de Moura.

Longe dali, em Abdon Batista (SC), oitava do ranking, Alckmin é venerado, mas nem tanto por seu trabalho, que é pouco divulgado, mas mais pelo temor de que o antitabagista prefeito de São Paulo, José Serra, vença o governador na disputa interna pela candidatura à Presidência em 2006. “Aqui só se fala no Alckmin presidente, pois o Serra é contra o tabaco. Ele diz que o fumo mata, mas a cachaça mata muito mais”, afirma o presidente do PSDB local, João Francisco, fumante há 50 anos. A bronca tem explicação. Santa Catarina tem 200 mil produtores rurais, dos quais 47 mil produzem fumo basicamente em pequenas propriedades, tendo nesta atividade uma das principais fontes de renda.

Nenhum comentário: